quinta-feira, 9 de abril de 2015

A FELICIDADE QUE VEM DE FORA É EFÊMERA

O jovem monge tibetano Yongey Mingyur Rinpoche ensina que a felicidade só é completa quando brota de dentro de nós mesmos

por Liane Alves

Ao medir a atividade da área relacionada à felicidade, que fica no córtex frontal do cérebro, os cientistas da Universidade de Wisconsin, nos Estados Unidos, levaram um susto. Quando submeteram o jovem mestre tibetano Yongey Mingyur Rinpoche aos seus testes, descobriram que ele mostrava uma atividade de 700% a 1 000% maior do que uma pessoa normal nessa área cerebral.

Isso mesmo: Yongey, um dos oito monges meditadores indicados pelo Dalai Lama para participar do estudo, era quase dez vezes mais feliz que qualquer pessoa do planeta enquanto estava meditando. Em termos já mensuráveis, ele poderia ser considerado o homem mais feliz do mundo.

O resultado foi tão surpreendente que as revistas Time e National Geographic se uniram para divulgar, no fim do ano passado, as descobertas das pesquisas que relacionavam a meditação à capacidade de ser feliz. Mingyur Rinpoche, por sua vez, escreveu um livro sobre felicidade, neurociência e budismo a ser lançado em março no Brasil. Aos 30 anos, o monge é tido como a reencarnação de dois mestres tibetanos que teriam se reunido em uma só pessoa para ensinar o caminho da iluminação.

Em visita a São Paulo para fundar o Yongey Buddhist Center do Brasil, Yongey Mingyur Rinpoche falou à VIDA SIMPLES.

Por que as pessoas querem ser felizes?

Nossa natureza mais essencial pode ser descrita como felicidade em estado puro. No budismo, esse estado é chamado de natureza búdica, nossa natureza iluminada, desperta, tanto quanto a de um Buda. Todos os seres, em essência, são essa felicidade que não depende de nenhuma condição externa.

E queremos ser felizes porque temos saudade desse estado primordial. Por isso é que toda pessoa, não importa o país ou a sociedade em que viva, quer ser feliz – ela simplesmente quer voltar a ser o que ela já é, em sua essência.

Porém, essa realidade última é obscurecida pelo efeito de nossas ações, o carma. Não reconhecemos nossa verdadeira natureza. Mas um diamante não deixa de ser um diamante só porque está coberto de terra. Se retirarmos a terra, vamos encontrar novamente seu brilho e esplendor. Esse é o caminho da iluminação: retirar o que nos separa da natureza búdica.

E como se faz isso?

A meditação é o caminho básico. Nossa mente, em seu estado habitual, é como um macaquinho louco que não pára de pular. Pulamos de um pensamento para outro, de uma emoção para outra. Essa é uma das atividades naturais da mente: os pensamentos fazem parte dela como os raios de sol fazem parte do sol.

Mas a mente não é só isso, como o sol não é apenas seus raios. Podemos nos separar dos pensamentos, das emoções, ver como eles surgem, observar que há um espaço entre eles, testemunhar que eles não são nossa verdadeira essência.

Podemos também nos separar das emoções negativas, raiva, medo, inveja e outras, e olhar para elas, ver como elas nascem e nos dominam, e igualmente constatar que elas não são nossa natureza mais essencial. Tudo isso acontece quando meditamos. Podemos usar qualquer um desses objetos para meditar: pensamentos, emoções, sensações e até a própria dor. Mas pode-se começar com os pensamentos.

Qual o efeito desse distanciamento?

Os pensamentos não vão parar de surgir, mas veremos que podemos deixar de segui-los. Eles vão passar como nuvens. E, entre eles, vamos perceber que há momentos, que duram milésimos de segundo, em que nada acontece.

Começamos assim a entrar em contato com a totalidade de nossa mente e vemos que ela é muito maior do que os pensamentos e as emoções causadas por eles.

Com a prática constante, a mente vai se tornando cada vez mais clara até mesmo para o que temos de fazer no dia-a-dia. Quando não somos mais tão dominados por pensamentos e pelas emoções negativas causadas por eles, nos tornamos mais felizes.

Qual a diferença entre felicidade e satisfação de desejos?

Na verdade, existem duas visões sobre a felicidade. Para a maioria das pessoas, a felicidade vem de fora. Fico feliz porque tenho uma boa casa, carros ou se ganho na loteria. Pelo menos, por algum tempo, vou me sentir feliz por ter alguns dos meus desejos satisfeitos.

Mas isso, é claro, não dura. Os cientistas fizeram uma pesquisa muito curiosa: descobriram que os ganhadores de loteria, nos dois primeiros anos, ficavam realmente muito felizes. Porém, depois desse período, essa sensação de felicidade começava a declinar rapidamente até atingir os mesmos índices de quem nunca havia ganhado na loteria, se não índices piores.

Isso significa que vão surgir outros desejos que não posso satisfazer e vou ficar infeliz de novo. Ou vou ficar com medo de perder o que tenho e tentar me agarrar desesperadamente a isso, condição que, novamente, vai me trazer muita infelicidade. Segundo o budismo, esse tipo de felicidade, que depende de um objeto externo e do apego, é ligado à infelicidade, pois elas são interdependentes. A felicidade que vem de fora é condicionada, instável e de pouca duração. Existe, é bom tê-la, mas é efêmera e impura, pois traz junto a infelicidade.

E qual a outra felicidade?

A que vem de dentro e que não depende de nenhum objeto externo. Ela está mais associada à calma, à pacificação interna, ao relaxamento. Essa felicidade é mais clara, serena, perene. E a alegria, o bem-estar, surge naturalmente quando você tem essa paz interna fortalecida. É uma felicidade sem apego, muito ligada ao momento presente. Ela não está baseada nem no medo (de não ter mais felicidade) nem na esperança (de continuar a tê-la).

Esse tipo de felicidade imutável surge da meditação e da compreensão da natureza ilusória da realidade. E pode ser desenvolvida por meio do amor, da compaixão e da devoção espiritual.

Qual o elo entre meditação, amor e felicidade?

A infelicidade nasce de pensamentos tensos, de uma mente tensa: tenho de vencer, tenho de conseguir, ninguém vai me atrapalhar. Dessa maneira, tudo o que contraria esses objetivos se torna um obstáculo ou um inimigo. Nesse estado opressivo, a mente se torna presa fácil para a irritação, a ansiedade, a angústia, a depressão. Ela percebe o mundo com muita tensão, rigidez, dureza. Você enxerga apenas suas metas, sofre muito se não consegue alcançá-las ou fica infeliz com aquilo que possa dificultá-las.

A felicidade interna, ao contrário, surge de uma mente relaxada, maleável. Tudo o que acontece, recebe um olhar mais positivo e aquela visão estreita e sufocante ganha uma ampla abertura. Também há mais espaço interno para o outro, para o que ele está sentindo ou passando. Você naturalmente se torna menos egoísta e mais amoroso. O que, na realidade, vai ser ótimo para você: as pessoas gostarão de ficar em sua companhia, você terá mais amigos, mais vida e alegria.

Se você desenvolver amor ou compaixão pelos outros certamente será muito mais feliz. ■

(Enviado por Boaventura Bonfim)