sábado, 1 de junho de 2013

16 ANOS DO JORNAL GAZETA!



O biógrafo Lira Neto, na acurada pesquisa que realizou sobre o escritor e político cearense José de Alencar, relata com detalhes a intimidade dos jornais com a produção literária no período imperial.

Os periódicos de uma maneira geral se constituíam no principal estuário da efervescência cultural daquelas distantes eras.

O estilo literário do cearense de Messejana, também conhecido como romance de costumes, em que se destacam livros como Diva, Lucíola e A Viuvinha, passando pelos romances regionalistas tipo O Sertanejo e O Tronco do Ipê, incursionando pelos históricos As Minas de Prata e A Guerra dos Mascates, até chegar ao mundo indianista por meio de Iracema e O Guarani, foi sempre inicialmente festejado na imprensa. Os jornais da época publicavam, em primeiríssima mão, capítulos de suas obras.

Mais do que pergaminhos noticiosos, os jornais cumpriram ao longo da história a solene missão de fornecer aos apreciadores da leitura a porção estrelada dos fonemas, o delicado perfume da crônica, o fermento sedutor da poesia.

Nesta edição o Jornal Gazeta do Centro Oeste finca o mourão dos dezesseis anos de existência, saúda a alegria vital e estende à retina de todos a faixa de feliz aniversário!

Há dezesseis anos João Aguiar idealizou este quinzenário. Convidou amigos e autoridades, preparou uma grande festa e exibiu o recém nascido à luneta da comunidade sob paternal emoção.

Depois de algum tempo passou a tocha para César Vale, que o pôs no topo do console: é o mais longevo forno de formação e informação escrita da nossa centenária cidade. Poucos sabem ou imaginam ou têm ciência ou se dão conta de quão meticulosa ou árdua ou exigente é a tarefa de organizar um Jornal. Hercúlea função.

Sei que o seu editor às vezes encetou campanhas em que recebeu pedradas de incompreensão. Polemista arrojado, já levantou bandeiras fulgurantes, como aquelas bordadas com as cores da nossa flora, exibindo as palavras de ordem de defesa do meio ambiente. Em outros momentos, esposou posicionamentos políticos que geraram reações adversas. Não quero aqui entrar nesse terreno. Não quero por na mesa de hoje o cálice amargo ou derramar o líquido ácido, apesar de sabê-los indispensáveis ao ofício jornalístico.

Quero, em especial, reconhecer o contributo saudável. Valorizar o mérito prazeroso. Enaltecer a dignificante edificação. O Jornal Gazeta do Centro Oeste é responsável por grande parte do banquete cultural que a cidade de Crateús hoje experimenta. Como o periodismo dos tempos do Império, aqui tivemos a oportunidade de conhecer em primeira mão a fluência literária de bons mestres das letras.

Algumas pessoas se revelaram luminares da escrita, talentosos manejadores das palavras através da incubadora deste periódico. A cidade hoje festeja nomes que se revelaram exímios cronistas pelas colunas da Gazeta. Flávio Machado é um exemplo desse movimento de fecundidade literária. O nosso Silogeu, a Academia de Letras de Crateús, teve seu primeiro estalo levado aos tímpanos da população por estas páginas. Quantos e quantos movimentos outros de emoção e sensibilidade, de alegria e cidadania emergiram do leito deste Jornal?

Aqui se ouviu o primeiro grito contra a algazarra, o barulho ensurdecedor, a perturbação do sossego alheio. Daqui explodiu uma luta renhida contra a poluição e em favor do equilíbrio sonoro. Só para citar outro exemplo: quem não lembra de ter lido as garrafais letras que denunciavam a crueldade ante o tombamento injustificado de árvores centenárias? Foi por estas páginas que escorreram as primeiras lágrimas oriundas daquelas caudalosas raízes...

Por dever de justiça impõe-se que reconheçamos a dedicação obstinada, a tenacidade guerreira do editor destas páginas. Este tem sido um Jornal forjado por múltiplos colaboradores, mas que se sustenta em uma só coluna: César Vale. Sei que não raro o concreto do tempo o açoita. Espero que não o desestimule.

Nesta edição desejo, de coração, que o único veículo de comunicação local com capilaridade nacional continue a ser um elo integrador da conterraneidade. Mas que, sobretudo, sobre tudo, continue sendo um semeador de letras que fortaleçam o espírito, animem a esperança e alimentem o altruísmo humano.

(Júnior Bonfim, na edição de hoje do Jornal Gazeta do Centro Oeste, Crateús, Ceará)

OBSERVATÓRIO

Esmerino Arruda, o mais longevo político cearense da atualidade e testemunha viva de momentos significativos da vida política brasileira nos últimos sessenta anos, aniversariou na quinta-feira passada, dia 29 de maio. Estava internado no hospital há vários dias. Sabendo que iria receber alta no dia do aniversário, disparou telefonemas para os amigos convidando-os para comemorar. Saiu do hospital pela manhã e, à noite, estava tomando uísque com os amigos. Na hora dos parabéns, resolveu discursar. Após os agradecimentos, disse que precisava daquela energia que emanava dos seus familiares, amigos e correligionários.

IVAN

Política é isso: troca de calor humano, circulação energética. Mesmo com todos os recursos tecnológicos disponíveis, o contato pessoal, pele na pele, continua sendo essencial na manutenção da sustentabilidade política entre candidato e eleitor, entre representante e representado. Talvez isso explique o empenho das lideranças oposicionistas de Crateús para viabilizar a nomeação de Ivan Monte Claudino para um cargo federal de relevo. Com isso, o candidato a prefeito que obteve surpreendente votação poderá ficar mais próximo das bases e animar a militância. Ivan estará na próxima semana, em Brasília, tomando posse em estratégica diretoria do DNOCS e fixará residência em Fortaleza. Assim, estará legal e funcionalmente inserido na vanguarda dos projetos do órgão, como é o caso do Lago de Fronteiras, em Crateús.

ARTICULAÇÃO

Para emplacar o nome de Ivan em uma diretoria importante e de visibilidade houve uma intensa articulação das oposições, sobretudo do triunvirato de líderes Nenen Coelho, Domingos Filho e Domingos Neto. Esse movimento contou com o beneplácito do Governador Cid Gomes, que pessoalmente formalizou o pedido junto à ministra Gleisi Hoffmann, chefe da Casa Civil. O vice-governador Domingos Filho foi o responsável pela sensibilização do Chefe do Executivo Cearense, convencendo-o de que a região de Crateús precisava ter um nome em posição de destaque político-administrativo, fosse no âmbito federal, fosse na esfera estadual. Político com rico currículo técnico, Ivan terá agora a enorme responsabilidade de corresponder à expectativa. À cidade cumpre comemorar esse tento.

GARANTIA

O Governo Federal, por meio da Secretaria de Relações Institucionais, promoveu na sexta-feira (24/5), no Centro de Eventos do Ceará, a 10ª edição do Encontro Estadual com Novos Prefeitos e Prefeitas. A conferência reuniu gestores federais, estaduais e municipais com objetivo de aproximar as instâncias governamentais, orientando questões relativas a programas, ações e financiamentos. Quatro ministros se fizeram presentes: Ideli Salvatti, ministra da Secretaria de Relações Institucionais; Fernando Bezerra, ministro da Integração Nacional; Pepe Vargas, ministro do Desenvolvimento Agrário e Leônidas Cristino, ministro dos Portos. Ao usar a palavra, diante de um auditório superlotado, o Governador Cid Gomes mirou o Prefeito Carlos Felipe, referiu-se especificamente ao problema de fornecimento de água potável em Crateús e garantiu – em alto e bom som - que a cidade não entraria em colapso por falta de água, pois já dispunha de uma solução.

CANDIDATURA

No intervalo do encontro, o Prefeito Carlos Felipe procurou este escriba e, sem ser indagado, afirmou que não será candidato no próximo ano. Disse que estava empenhado em deixar um legado para a cidade, sobretudo na área de educação, com a possibilidade de três campus universitários.

BALHMANN

O site Crateús Notícias divulgou: “Deputado Balhmann Anuncia Uma Siderúrgica Para Crateús”. Outros órgãos de imprensa local repercutiram. A notícia é auspiciosa, alvissareira, extraordinária. Merece os aplausos de todo crateuense de bom senso. Mas isso não significa que seja consistente. Ou que se concretizará no curto prazo. Perguntamos a fontes governamentais sobre o assunto. Recebemos um leve, discreto e irônico sorriso como resposta... Para que tenhamos uma ideia do quanto demanda de tempo e dedicação para se viabilizar uma Siderúrgica, há muitos anos que o Estado luta para instalar a Siderúrgica do Pecém. Só em 2010 conseguiu o Licenciamento Ambiental. Com obras em andamento, há uma previsão de início de operação e funcionamento para 2015.

BALHMANN II

Certo mesmo é que o Deputado Antonio Balhmann está formando um grupo político em Crateús e região visando às eleições do ano que vem. Esteve em Crateús, Poranga e Ipaporanga. Em Crateús possivelmente terá o apoio de empresários da AJE e de Zé Vagno Mota e Luizinho Sales. Também conversou com o ex-prefeito Nenzé. Na Poranga, conseguiu apoio do grupo político liderado pelo Prefeito Carlisson Emerson, que realiza uma organizada e profícua gestão.

ACADEMIA

A Academia de Letras de Crateús - ALC, por seu Presidente Elias de França, convocou os seus 30 membros efetivos para uma Assembléia Geral Ordinária que se realizará hoje, dia 1º de junho de 2013, às 14:00h, em sua Sede à Rua do Instituto Santa Inês, n° 231, nesta Cidade de Crateús, para discutir e deliberar sobre eleição da nova diretoria da Arcádia, mandato 2013 a 2015.

PARA REFLETIR

Feliz aniversário! Esta GAZETA está completando dezesseis anos de existência. Conforme já registramos, é seguramente o periódico com mais tempo de vida na história do nosso município. Ao longo desse período, tem sido uma arena escancarada para o pugilato de idéias, um púlpito exposto à pregação cidadã, um palanque portátil para a difusão da queixa popular, um microfone invisível recepcionando o brado comunitário, um altar erigido em honra à deusa da Liberdade. Merece um brinde literário, uma efusiva salva de palmas, uma desassombrada aclamação pública, uma rajada de fogos sem artifícios, um grito ardente de Parabéns!

(Júnior Bonfim, na edição de hoje do Jornal Gazeta do Centro Oeste, Crateús, Ceará)

sexta-feira, 31 de maio de 2013

CURIOSIDADES DO MEIO LITERÁRIO

O escritor Wolfgang Von Goethe escrevia em pé. Ele mantinha em sua casa uma escrivaninha alta.

O escritor Pedro Nava parafusava os móveis de sua casa a fim que ninguém os tirasse do lugar.

Gilberto Freyre nunca manuseou aparelhos eletrônicos. Não sabia ligar sequer uma televisão. Todas as obras foram escritas a bico-de-pena, como o mais extenso de seus livros, Ordem e Progresso, de 703 páginas.

Euclides da Cunha, Superintendente de Obras Públicas de São Paulo, foi engenheiro responsável pela construção de uma ponte em São José do Rio Pardo (SP). A obra demorou três anos para ficar pronta e, alguns meses depois de inaugurada, a ponte simplesmente ruiu. Ele não se deu por vencido e a reconstruiu. Mas, por via das dúvidas, abandonou a carreira de engenheiro.

Machado de Assis, nosso grande escritor, ultrapassou tanto as barreiras sociais bem como físicas. Machado teve uma infância sofrida pela pobreza e ainda era míope, gago e sofria de epilepsia. Enquanto escrevia Memórias Póstumas de Brás Cubas, Machado foi acometido por uma de suas piores crises intestinais, com complicações para sua frágil visão. Os médicos recomendaram três meses de descanso em Petrópolis. Sem poder ler nem redigir, ditou grande parte do romance para a esposa, Carolina.

Graciliano Ramos era ateu convicto, mas tinha uma Bíblia na cabeceira só para apreciar os ensinamentos e os elementos de retórica. Por insistência da sogra, casou na igreja com Maria Augusta, católica fervorosa, mas exigiu que a cerimônia ficasse restrita aos pais do casal. No segundo casamento, com Heloísa, evitou transtornos: casou logo no religioso.

Aluísio de Azevedo tinha o hábito de, antes de escrever seus romances, desenhar e pintar, sobre papelão, as personagens principais mantendo-as em sua mesa de trabalho, enquanto escrevia.

José Lins do Rego era fanático por futebol. Foi diretor do Flamengo, do Rio, e chegou a chefiar a delegação brasileira no Campeonato Sul-Americano, em 1953.

Aos dezessete anos, Carlos Drummond de Andrade foi expulso do Colégio Anchieta, em Nova Friburgo (RJ), depois de um desentendimento com o professor de português. Imitava com perfeição a assinatura dos outros. Falsificou a do chefe durante anos para lhe poupar trabalho. Ninguém notou. Tinha a mania de picotar papel e tecidos. "Se não fizer isso, saio matando gente pela rua". Estraçalhou uma camisa nova em folha do neto. "Experimentei, ficou apertada, achei que tinha comprado o número errado. Mas não se impressione, amanhã lhe dou outra igualzinha."

Numa das viagens a Portugal, Cecília Meireles marcou um encontro com o poeta Fernando Pessoa no café A Brasileira, em Lisboa. Sentou-se ao meio-dia e esperou em vão até as duas horas da tarde. Decepcionada, voltou para o hotel, onde recebeu um livro autografado pelo autor lusitano. Junto com o exemplar, a explicação para o "furo": Fernando Pessoa tinha lido seu horóscopo pela manhã e concluído que não era um bom dia para o encontro.

Érico Veríssimo era quase tão taciturno quanto o filho Luís Fernando, também escritor. Numa viagem de trem a Cruz Alta, Érico fez uma pergunta que o filho respondeu quatro horas depois, quando chegavam à estação final.

Clarice Lispector era solitária e tinha crises de insônia. Ligava para os amigos e dizia coisas perturbadoras. Imprevisível, era comum ser convidada para jantar e ir embora antes de a comida ser servida.

Monteiro Lobato adorava café com farinha de milho, rapadura e içá torrado (a bolinha traseira da formiga tanajura), além de Biotônico Fontoura. "Para ele, era licor", diverte-se Joyce, a neta do escritor. Também tinha mania de consertar tudo. "Mas para arrumar uma coisa, sempre quebrava outra."

Manuel Bandeira sempre se gabou de um encontro com Machado de Assis, aos dez anos, numa viagem de trem. Puxou conversa: "O senhor gosta de Camões?" Bandeira recitou uma oitava de Os Lusíadas que o mestre não lembrava. Na velhice, confessou: era mentira. Tinha inventado a história para impressionar os amigos. Foi escoteiro dos nove aos treze anos. Nadador do Minas Tênis Clube, ganhou o título de campeão mineiro em 1939, no estilo costas.

Guimarães Rosa, médico recém-formado, trabalhou em lugarejos que não constavam no mapa. Cavalgava a noite inteira para atender a pacientes que viviam em longínquas fazendas. As consultas eram pagas com bolo, pudim, galinha e ovos. Sentia-se culpado quando os pacientes morriam. Acabou abandonando a profissão. "Não tinha vocação. Quase desmaiava ao ver sangue", conta Agnes, a filha mais nova.

Mário de Andrade provocava ciúmes no antropólogo Lévi-Strauss porque era muito amigo da mulher dele, Dina. Só depois da morte de Mário, o francês descobriu que se preocupava em vão. O escritor era homossexual.

Vinicius de Moraes, casado com Lila Bosco, no início dos anos 50, morava num minúsculo apartamento em Copacabana. Não tinha geladeira. Para aguentar o calor, chupava uma bala de hortelã e, em seguida, bebia um copo de água para ter sensação refrescante na boca.

José Lins do Rego foi o primeiro a quebrar as regras na ABL, em 1955. Em vez de elogiar o antecessor, como de costume, disse que Ataulfo de Paiva não poderia ter ocupado a cadeira por faltar-lhe vocação.

Jorge Amado para autorizar a adaptação de Gabriela para a tevê, impôs que o papel principal fosse dado a Sônia Braga. "Por quê?", perguntavam os jornalistas, Jorge respondeu: "O motivo é simples: nós somos amantes." Ficou todo mundo de boca aberta. O clima ficou mais pesado quando Sônia apareceu. Mas ele se levantou e, muito formal disse: "Muito prazer, encantado." Era piada. Os dois nem se conheciam até então.

O poeta Pablo Neruda colecionava de quase tudo: conchas, navios em miniatura, garrafas e bebidas, máscaras, cachimbos, insetos, quase tudo que lhe dava na cabeça.

Vladimir Maiakóvski tinha o que atualmente chamamos de Transtorno Obsessivo-compulsivo (TOC). O poeta russo tinha mania de limpeza e costumava lavar as mãos diversas vezes ao dia, numa espécie de ritual repetitivo e obsessivo.

A preocupação excessiva com doenças fazia com que o escritor de origem tcheca Franz Kafka usasse roupas leves e só dormisse de janelas abertas – para que o ar circulasse -, mesmo no rigoroso inverno de Praga.

O escritor norte-americano Ernest Hemingway passou boa parte de sua vida tratando de problemas de depressão. Apesar da ajuda especializada, o escritor foi vencido pela tristeza e amargura crônicas. Hemingway deu fim à própria vida com um tiro na cabeça.


(Enviado por Gabriel Vale)



quarta-feira, 29 de maio de 2013

LUIS ROBERTO BARROSO E O PADRE DA MINHA IGREJA

Certa vez, muito tempo atrás, vi no Supremo Tribunal Federal uma sustentação de Luís Roberto Barroso. Há advogados ganhando a vida escrevendo. Outros se dão melhor na oratória. Pequeno grupo trabalha muito bem nos dois aspectos, exibindo ou não, segundo as contingências, capacidade de aproximação maior com seres humanos, circunstância não fundamental mas de grande ajutório. Não sou de cheganças a advogados distantes. Vi e ouvi a manifestação oral do colega Barroso e pensei com os meus botões: enxerguei pouco profissional, nestes meus cinquenta e três anos de advocacia criminal, com tal polimorfa cultura, precisão expositiva e frieza na argumentação.

Evidentemente, após mais de meio século de experiência nas lides dos Tribunais, tenho na memória cada um e todos que me antecederam nas sustentações orais ou vieram depois, naquelas decantadas e cansativas sessões de julgamento. Dentro de tal vocação, Luís Roberto Barroso foi exemplo expoente. Corria em Brasília, há muito, nos gabinetes dos tribunais, a suspeita de que mais cedo ou mais tarde Barroso chegaria à Suprema Corte. Não se sabia bem se ele queria ou não aquilo, mas até hoje eu só vi um advogado, Manuel Alceu Affonso Ferreira, desconsiderando o chamamento para integrar um Tribunal Superior. De uma forma ou de outra, a quase unanimidade quer ou se deixa levar a tanto, uns batalhando assiduamente no chamado “beija-mão”, outros agindo com plena discrição, mas ainda assim não antagonizando eventual convocação.

Sempre tive enorme respeito por bons oradores, fiado inclusive no complicado mecanismo biopsíquico a transformar alguns em preciosíssimas máquinas de comunicação, sabendo-se hoje que o cérebro é intricadíssimo sistema de transmigração de impulsos fisioquímicos, oitenta e cinco milhões de neurônios a se comunicarem através das denominadas sinapses. Barroso é, então, ser humano privilegiado, valendo também, é evidente, metódica aquisição de conhecimento durante os muitos anos de exercício da advocacia e do magistério superior. A indicação ao Supremo Tribunal Federal veio sem surpresas grandes. Intuíam todos que o sistema apenas esperava a hora e vez. O dia chegou.

A psique, embora ainda pouco conhecida, nunca me assustou em demasia. Funciona em multifária e livre associação de ideias, em combinação e comparação praticamente automáticas. Assim, surgindo influxo externo gerado por fato humano ou mesmo naturalístico, a primeira consequência é, no imenso armazém escalonado na memória, a comparação com circunstâncias iguais ou semelhantes, ou mesmo dissonantes. Funciona assim. Daí, ao ver a fotografia do diferenciadíssimo Luís Roberto Barroso, veio-me do inconsciente imediata iniciativa no sentido de anteposição a outros profissionais da mesma área de conhecimento, ou, quiçá, de setor diferente, fosse na linguagem verbal, fosse na palavra escrita. A primeira criatura a aparecer foi Evandro Lins e Silva, muito longe, aliás, quando pude vê-lo enquanto ele advogava nos grandes processos de júri decantados por Carlos Araújo Lima.

Apareceu também a figura de Waldir Troncoso Peres, este paulista, magro e não muito elegante nem bonito mas, sem dúvida, grande orador forense. Deixe-se de lado o chamamento de outros fantasmas, porque seriam muitos. Almas idas não podem ser olvidadas. Entretanto, na dialética gerada pela assimilação instintiva, tal convicção não conseguiu eliminar totalmente o desfile de personagens competindo contra Luís Roberto Barroso, sempre no tema correspondente à arte de transmissão verbal do pensamento.

Apareceu-me subitamente criatura chamada José Ulisses, um moço com seus quarenta e quatro anos, quem sabe, professor em colégio religioso e padre por profissão. Ele reza a missa de domingo, na Igreja Nossa Senhora do Sion, em São Paulo, anexa ao colégio que leva o mesmo nome, escola geratriz de Ângela Ro Ro e Maysa Monjardim, ex-Matarazzo. Um traço comum a ambas: cantam com igual beleza, cada qual no seu estilo, a música rainha da dor de cotovelo “Ne me quitte pas”. A canção, para mim, rivaliza com “Ronda”, de Paulo Vanzolini, meu herói supremo, cantando hodiernamente nas nuvens de São Paulo, perto da avenida São João.

Voltando ao padre Ulisses, seus sermões têm exatamente quinze minutos, nenhum segundo a mais ou a menos. É econômico até para falar das coisas de Deus, mas nesse terceiro terço de vida, em que o ser humano fica mais e mais medroso, a aproximação com o Criador é uma garantia que as pessoas inteligentes não devem desprezar. Assim, vou à missa do padre Ulisses. Faz meses aposto comigo mesmo, na homilia, que aquele sacerdote privilegiado vai engasgar, tartamudear, gaguejar ou mesmo ter dificuldade na união entre as premissas e as conclusões postas nas parábolas bíblicas. Aposto comigo mesmo: ele vai errar. Pelo amor de Deus, cometa um erro sequer, para dar a este penitente a sensação de que todos são mais ou menos iguais.

Entretanto, aquele sacerdote humilde é, seguramente, uma das mais precisas, racionais e eficientes máquinas de pensar já postas aos olhos dos semelhantes. Além de tudo, José Ulisses, o pároco referido, fala em nome do Maioral. Para quem não sabe, o Maioral é o Maior, aquele onipresente, onipotente e onisciente, aquele que sabe tudo, tudo enxerga e, no fim das contas, direciona o todo para onde quiser. Já se vê, no contexto, a vantagem que o sacerdote José Ulisses tem sobre Luís Roberto Barroso. Ambos, com as ressalvas da finitude da capacidade humana, são perfeitos, mas José Ulisses, com certeza, reza antes de falar. Valha isso para Luís Roberto Barroso: vai precisar, mesmo sendo agnóstico, tecer muita oração para ajudar a Suprema Corte a fazer, no “mensalão” e em julgamentos humildes, a melhor justiça possível nesse malferido Brasil hodierno. Oremos.

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* Paulo Sérgio Leite Fernandes é advogado
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CONJUNTURA NACIONAL

Abro a coluna com três historinhas do incomparável Jânio Quadros, pinçadas do livrinho Bilhetinhos de Jânio, que me foi presenteado pelo amigo Luis Costa:

Cães

Juarez Távora, que Jânio apoiara com decisão no sentido de levá-lo à presidência da República, foi atacado com violência em sua honorabilidade. Jânio, imediatamente, telegrafou ao ex-candidato, confortando-o moralmente, dizendo:

- Felizmente ainda contamos com homens da estatura moral do prezado amigo. Os cães que ladram aí, ladram aqui, também.

Milagre

O prefeito de Fernandópolis/SP, na audiência aos prefeitos do interior, solicitou de Jânio providências urgentes para solucionar o problema da eletricidade do seu município, "ameaçado a ficar às escuras dentro de sessenta dias". O governador tinha de arranjar a luz.

- O amigo me pede um milagre! - respondeu Jânio. Ninguém pode dar luz em sessenta dias...

Após os sorrisos, o governador declarou que iria tentar o milagre.

Comida e trabalho

Num discurso pronunciado, de apoio à candidatura de Juarez Távora à presidência da República, Jânio emitiu a seguinte imagem, a respeito do trabalho e da comida: "Neste país, milhões e milhões de homens trabalham, trabalham para uns poucos comerem, comerem. Se o Criador desejasse que dos seus filhos uns só fossem criados para trabalhar e outros só para comer, tê-los-ia feito: uns, só com braços; e outros, só com bocas".

Caixa de boatos

Pois é, o boato que as oposições teriam maquinado para desestabilizar o programa-símbolo do governo Dilma foi um tiro n'água, ou melhor, um bumerangue. Voltou-se contra o próprio governo. A Caixa Econômica foi a responsável pela confusão, ao antecipar o pagamento dos benefícios do Bolsa Família na véspera da circulação da boataria sobre o fim do programa. Jorge Hereda confessa que o banco errou (cometeu uma heresia?) e pediu desculpas, na esteira da hipótese de que a antecipação teria efetivamente provocado a onda de saques.

Boato e bumerangue

Seria incrível que as oposições partissem para a montagem de boatos tratando do fim do benefício. Ao final do processo, a trama se voltaria contra as oposições, bastando que a tuba de ressonância do governo desmentisse a versão. O povão, claro, acabaria se revoltando contra a fofocagem que teria sido perpetrada pelas oposições. Este consultor já alertara sobre a inconsistência da tese, na coluna da semana passada. Hoje, confirma sua posição. Há que se ter muito cuidado com boatos. Eles podem acabar matando a fonte inspiradora. Podem ser um bumerangue.

Nuvens cinzentas

O horizonte mostra o aparecimento de nuvens densas. A economia dá sinais de fragilidade. A inflação começa a dar as caras e o povão começa a expressar preocupação. Pesquisas já apontam nessa direção. Os investidores ensaiam passos de retraimento. A esfera política se agita e avoluma críticas ao governo. A presidente Dilma, apesar da disparada boa avaliação, já não conta com tanta simpatia de suas bases. Ao contrário, os partidos da base, com exceção do PT, abrem suas trombetas. Parlamentares querem mais atenção da presidente Dilma. Que não tem a flexibilidade de Lula para olhar com atenção as demandas políticas.

Triângulo das Bermudas

SP, com mais de 30 milhões de eleitores, MG, com cerca de 15 milhões e RJ, com cerca de 12 milhões formam o Triângulo das Bermudas das eleições. Como se sabe, o Triângulo das Bermudas constituem o misterioso espaço no Caribe, que abriga navios e aviões nas profundezas do oceano. Também conhecido como Triângulo do Diabo, na área ocorrem fenômenos físicos, químicos, climáticos, geográficos e geofísicos, sendo palco de desaparecimentos de aviões, barcos de passeio e navios. Pois bem, SP, MG e RJ juntam a maior fatia do eleitorado brasileiro. Essa é a razão que justifica a tese: quem atravessar, incólume, o Triângulo, estará salvo.

Os votos de cada um

Aécio Neves deve conduzir em torno de seu nome a maior fatia do eleitorado de 15 milhões. Teria entre 6 a 7 milhões de votos (válidos). Dilma, entre 4 e 5. O restante se diluiria. No Rio, tudo vai depender do grupo de Cabral/PMDB. Se for com Dilma, esta ganharia a maior fatia, algo entre 5 e 6 milhões. Mas se for com Aécio, o mineiro poderá ter a maior vantagem. E se Lindenberg entrar no páreo? É possível que o senador na disputa rache o eleitorado, deixando Cabral com Aécio ou mesmo com Eduardo Campos, se este confirmar sua candidatura. Cabral garante que não topará apoiar Dilma se o senador Lindenberg for ao páreo. Em SP, o tucanato de Alckmin estará fechado com Aécio. Mas a presidente Dilma pode abocanhar os 30% tradicionais que o PT tem no maior contingente eleitoral do país. Ademais, o PMDB e outros partidos da base devem continuar a chancelar o nome da presidente. Há, ainda, o fator Lula, capaz de puxar mais uma sacola de votos na reta final. No Nordeste, com quase 30% dos votos do país, a maré tende a encher a praia de Dilma.

Campos, lá e cá

A cada semana, o governador Eduardo Campos acrescenta uma bateria de interrogações a respeito de seu futuro. Esta semana, longa matéria no jornal Valor Econômico praticamente mostra que as pontes com o governo Dilma e o PSB foram quebradas. Há uma ampla crítica ao governo e ao PT, que não respeitaria outros partidos, considerando-se o único responsável pelos êxitos da administração. Campos volta a ter uma agenda de viagens e a ouvir as bases do seu partido. Abriu as portas para o ingresso de seu vice, João Lyra, e estaria dando adeus ao seu correligionário, Fernando Bezerra, ministro da Integração. Que estaria arrumando as malas para deixar o PSB e ingressar noutra sigla. Mas as interrogações se expandem: entre os governadores socialistas, qual apoiaria a candidatura Eduardo Campos?

Serra candidato? SDS

O governador Geraldo Alckmin garante: José Serra será candidato. A que? Resposta: perguntem a ele. Maneira mineira de despistar. Serra poderá ser candidato a presidente da República? Sim, caso queira e seja acolhido pelo MD, partido a ser formado com a fusão do PPS e do PMN. Serra também poderá ser candidato a senador. E a deputado? Isso é coisa menor para ele. E a governador de SP pelo MD? Hipótese improvável. Lutar contra o tucanato que ajudou a nascer e a se consolidar? Nem mesmo ele, Serra, sabe quais são as rotas de seu futuro. SDS - Só Deus Sabe.

O ano da contabilidade

Foi lançada na segunda-feira, 27/5, na Assembleia Legislativa, a campanha "2013 - O ano da contabilidade no Brasil", iniciativa do Conselho Federal de Contabilidade, em parceria com as demais entidades da categoria. A profissão, regulamentada há quase 70 anos, é hoje uma das cinco mais procuradas nas universidades, segundo o deputado estadual Itamar Borges, que presidiu a sessão solene. Para Sérgio Approbato Machado Júnior, presidente do Sindicato das Empresas de Serviços Contábeis e de Assessoramento no Estado de São Paulo (Sescon/SP), a categoria contábil vem conquistando um canal de comunicação importante na esfera política. "Buscamos sempre mudanças significativas para a sociedade como a desburocratização e a redução da carga tributária. Não há desenvolvimento que não passe pelo contador. A contabilidade faz parte da gestão das empresas".

Mídias sociais no turismo

Um estudo realizado pelo Ipeturis (Instituto de Pesquisas, Estudos e Capacitação em Turismo), por encomenda do Sindetur/SP (Sindicato das Empresas de Turismo no Estado de São Paulo), mapeou o uso das mídias sociais no setor de agenciamento turístico. Entre as agências pesquisadas, 54% utilizam a rede para aumentar as vendas e fidelizar clientes. O Facebook é a ferramenta mais popular, citada por 97% das empresas. "Com a evolução tecnológica, as mídias sociais se tornaram indispensáveis para o trabalho dos agentes de turismo na comunicação com o cliente. Quem saiu na frente já ocupa um valioso espaço no mercado", afirma Marciano Freire, diretor do Ipeturis.

Em respeito aos passageiros

Diante da total omissão da ANAC, que tapa os olhos para as relações injustas entre empresas aéreas e seus passageiros, o Sindicato das Empresas de Turismo no Estado de São Paulo - Sindetur/SP, levanta a bandeira da defesa dos consumidores, sob o comando de seu presidente Eduardo Nascimento. O decálogo do sindicato mostra as obrigações que a ANAC deveria impor, mas não impõe:

1. indiquem a quantidade de assentos disponíveis nas tarifas promocionais;

2. atendam chamadas telefônicas no tempo máximo de um minuto;

3. atribuam validade mínima de 24 horas para o valor da tarifa oferecida;

4. informem claramente o preço total e as restrições da tarifa oferecida;

5. não apliquem taxas abusivas por remarcação ou cancelamento;

6. reparem, em no máximo 30 dias, os danos por voos cancelados;

7. reparem de imediato danos por extravio de bagagem em voos de ida;

8. reparem, em no máximo 30 dias, danos ou extravio de bagagem, na volta;

9. reembolsem, em no máximo 30 dias, passagens não utilizadas;

10. transportem consumidores de empresas que paralisarem atividades.

Choque de qualidade

O secretário do Desenvolvimento Econômico Sustentável do Estado de SC, Paulo Bornhausen, acaba de marcar um gol de placa com o lançamento de seu projeto "Gestão Municipal para a Nova Economia". Ao custo de R$ 3 milhões, o projeto pretende estimular o desenvolvimento econômico sustentável dos municípios catarinenses por meio do aumento da capacidade de investimento, qualificação dos serviços e dos servidores públicos, e melhoria da gestão para questões estratégicas. Com isso, quer dar um choque de qualidade na precária administração das prefeituras. Vários prefeitos e empresários já aderiram, entre eles Jorge Gerdau.

A Anvisa e os clandestinos

Donas de casa, pessoas responsáveis, continuam a sentir falta do álcool líquido mais forte nas prateleiras de supermercados e recusam aquele mais fraco ou o gel. Enquanto isso, os postos de gasolina continuam a vender o álcool mais forte (etanol) em garrafas pet para pessoas nem tão responsáveis assim. Usam este produto negado às donas de casa para fazer suas fogueiras nessas noites frias de outono ou então para, depois de muitos goles a mais, acender suas churrasqueiras. A Anvisa é a responsável por tamanha incoerência : proíbe o álcool 92 INPM para pessoas sérias e empurra outros consumidores para a clandestinidade, passíveis de acidentes. O governo Federal precisa entender que a sociedade brasileira não precisa da tutela da Anvisa.

Cachorro-quente e Aluízio

Aluizista roxo, que tinha no dedo polegar erguido um dos seus símbolos, o comerciante Francisquinho Nunes do Café e Bar Mossoró não se descuidava no culto à sua paixão. Em seu comércio no centro da cidade de Mossoró, com clientela diversificada, não tergiversava na hora de expressar sua preferência política. Para causar embaraço a Francisquinho, partidários do deputado Vingt Rosado ou mesmo circunstantes diversos, apenas à cata de diversão, chegam ao Café e Bar Mossoró e tascam o pedido. Um deles repete o que outros já vinham provocando:

- Francisquinho, dois cachorros-quentes.

Aliado ao pedido verbal, o cliente sinaliza com dois dedos formando um "V" de Vingt Rosado, ferrenho adversário do líder Aluízio Alves. Incontinenti, o comerciante não amolece, nem cai na armadilha simbológica.

- Está certo! Vai um e um - avisa ele, sinalizando com o polegar erguido duas vezes

(Historinha contada por Carlos Santos em "Só Rindo 2".)

Conselho aos diretores da ANAC

Esta coluna dedica sua última nota a pequenos conselhos a políticos, governantes, membros dos Poderes e líderes nacionais. Na última coluna, o espaço foi destinado ao governador de SP, Geraldo Alckmin. Hoje, volta sua atenção aos dirigentes da ANAC:

1. A infraestrutura de serviços nos aeroportos e a falta de controle sobre as companhias aéreas atestam a ineficiência da Agência dirigida por Vossas Excelências.

2. Assumam suas responsabilidades, fiscalizem de maneira exemplar as companhias aéreas, atentem para as queixas dos consumidores, procurem cumprir de maneira rigorosa as funções que cabe à ANAC executar.

3. O Brasil se prepara para sediar os dois mais importantes eventos do calendário esportivo mundial. A continuarem os buracos, vazios e descontroles no sistema de transportes aéreos, o país será submetido à mais intensa bateria de críticas e denúncias de sua história. Atentem para evitar esse descalabro.

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(Gaudêncio Torquato)

segunda-feira, 27 de maio de 2013

O CRIME DO CASARÃO



Como as borboletas, que passam por uma metamorfose, as ocasiões explodem de seus casulos, após uma longa maturação, só para que os eventos se reagrupem nas prateleiras do mundo. Desabrochar é, simplesmente, uma exigência primordial da vida. O Universo em sua essência é um desejo de manifestação, em eclosão! O ano de 1925 desenrola-se de seu invólucro filamentoso, no sul do País, trazendo o perfume de modernidade, pela química mental de Osvaldo de Aranha e pelos fecundos pincéis de Tarsila de Amaral, que lançam o manifesto de poesia chamado Pau-Brasil, enfatizando a necessidade de brotar, de ressurgir nativamente, como vida nova.

No mesmo antropófago ano, nos Sertões de Crateús, não saímos do capucho. Quase nada acontecia de singularidade, nem pelas bucólicas ruas, nem pelas lúgubres praças, sequer pelos corações ou pelas almas dos citadinos, pois em tudo reinava uma rusticidade habitual e uma calma fora do comum. O passado existe no presente demente e o futuro nunca virá.

A luminosidade já se dissipa num crepúsculo vespertino no mês de julho desse mesmo ano e Dona Antônia Mirandolina Pinto não larga a camisa, nem a batina, ainda manchadas de sangue do saudoso Padre Antônio Cavalcante de Macedo e Albuquerque, seu primo. Tudo é reminiscência nas enodoadas vestes sacerdotais do Padre Macedo. Foi um crime vil, ocorrido há 27 anos. Ela recorda o tempo em que se impôs um Padrinho Vigário!

Macedo foi um Padre Colado, de 1859 até 1898, na Vila Príncipe Imperial. O título de colado era fornecido pelo governo imperial, para depois ser aprovado pelas autoridades eclesiásticas. Um sacerdote zeloso às necessidades espirituais, mas também atentava ao lado social e político de seu rebanho, condizente com um líder religioso da época.

Havia percebido que o prédio da Igreja da Matriz, Freguesia do Senhor Bom Jesus do Bonfim de Príncipe Imperial, precisava urgentemente de cuidados e ordenara a venda do gado do Padroeiro da Paróquia, nas fazendas Bom Jesus e Casa Nova, para pagar o material de construção que seria usado na reforma. Só não esperava que a frente da capela ruísse, inesperadamente, com aquele grande estrondo que apavorou toda cidade. Foi a Divina Providência quem protegeu tudo, não havia ninguém na hora e nada houve com os altares de Nossa Senhora e São Sebastião que ficam atrás da grade que dividia a nave ao meio. A Capela-Mor praticamente é a mesma construída pelos pedreiros e carpinteiros trazidos da Bahia por Dona Luiza Coelho da Rocha Passos, em 1772.

O dia mais importante no casarão do Padre foi quando ele recebeu, como hospede, o ilustre poeta e historiador cearense Antônio Bezerra de Menezes. O célebre escritor que viajava a serviço da Província do Estado colhendo dados geográficos e políticos das cidades, dos povoados, das vilas do Ceará e, por longos e penosos seis meses andou montado em lombos de animais para escrever o Livro Rotas de viagem. Havia descido a ladeira do Ipu, mas antes passara pela Gruta de Ubajara e por Ibiapina, seguira para ipueiras, passando pelo Distrito de Paz (Santa Quitéria) e agora estava na vila de Príncipe Imperial, mas não demoraria, pois teria que ir à São João do Príncipe (Tauá).

O grande historiador relata sua aventura pelo interior da Província, em 1884, onde registra as seguintes impressões sobre o Padre Macêdo: “Precisando de informações mais circunstanciadas acerca da vila, me dirigi à casa do Reverendo Vigário Macedo, homem respeitável por sua idade, sua delicadeza, sua inteligência, que pouco adiantado ao que eu havia colhido de outros, presenteou-me com uma preciosidade encontrada na profunda escavação que fez o rio Poti na grande enchente de 1879. Era a extremidade superior ou pelviana do fêmur de um mamífero extinto. . .” E continua narrando seu encontro com o sacerdote: “Referiu-me o Padre Macêdo que o rio Poti, rasgando uma das margens, deixou sobre à terra uma ossada de um animal tão descomunal, que o povo fazia das vértebras cadeiras, e as omoplatas de muitos palmos de comprimento servia de tábuas, sobre as quais as lavadeiras batiam a roupa.” E Conclui: “A população é cuidadosamente arrolada pelo Reverendo, que me informou conter a vila 900 almas, e toda a freguesia 4.300 pessoas.”

A poeirenta Vila tinha sido transferida para o território da Província do Ceará há pouco tempo, e não demorariam em elaborarem um decreto batizando-a por Cratheús, terra dos guerreiros Kara-thi-us.

Na época em que as decisões políticas desabrochavam como de um casulo no seio da igreja, onde se processava até as eleições, o Padre Macedo tem uma atuação política intensa, e chegou a ser eleito Deputado Provincial pelo Piauí. Publicou uma carta denuncia no Jornal “O Cearense”, em 09/12/1856, acusando o Coronel Joaquim Domingos Moreira, chefe político em Crateús como um dos implicados no perverso assassinato do padre Inácio Ribeiro de Melo.

Certa vez ocorreu um desentendimento entre o Padre Macêdo e o coronel Jacob de Melo Falcão. O Coronel chamara o padre de “ladrão” e esse processara o coronel, resultando em um compensação monetária determinada pela justiça, de 5.000$000, um grande prejuízo ao bolsos do referido coronel. O riquíssimo fazendeiro Jacob foi o 1º Intendente (prefeito) de Crateús e guardava seu ouro e a sua prata em três Mocós (grandes bolsas de couro de bode em forma de gotas d’água). Além de mesquinho extremoso, tinha o apelido de Casca Grossa, coisa que o deixara muito irritado. A despensa da casa do velho Intendente era repleta de mantimento, chouriço, carne de gado e porco pré-cozidas na banha para durar longo tempo, tinha ainda longas tábuas com rapaduras, queijos e manteiga da terra, mas tudo trancado a sete chaves e se um filho saboreasse alguma coisa, era uma surra na certa. O verdadeiro Senhor Nonô da novela. Muito severo com os filhos, tratava-os como se fossem animais, mas para gente de fora era amável e cortês. O povo dizia: O Casca Grossa tem Boca de mel, coração de fel! Coronel Jacob, o inimigo de Padre Macedo, era um sujeito vingativo e ficou remoendo uma desforra.

Após um dia de atividades eclesiásticas, resolvendo questões sagradas e profanas que sempre apareciam na sua frente, o Padre Macedo deixa o sacristão encarregado de bater no sino da Igreja as costumeiras badaladas das nove da noite e dirigiu-se à sua residência, um soberbo casarão por trás da Catedral, do lado esquerdo de um terreno baldio, muito bem arborizado. Não ver a hora de tirar a pesada batina preta, fazer uma refeição leve e orar para que Deus lhe conceda forças, espirituais e físicas, para completar os 40 anos à frente da Igreja do Senhor do Bonfim. Às noites da Villa Príncipe imperial é um descampado de solidão e a pálida lua é uma prerrogativa dos gatos e dos ébrios!

Ao ver uma jovem mulher choramingando pelos cantos da cozinha, o Padre percebe que houve um desentendimento domiciliar e procura se inteirar do que houve. As senhoras que cuidam do seu bem estar, logo revelam: - Foi o Adriano, meu Padrinho, que agora inventou um enxerimento e umas gaiatices com a gente! O cansaço imediatamente desaparece, pois o sangue fervilha por todo corpo do sacerdote de 65 anos e vai, colérico, confronta-se com o criado desrespeitoso.

- Mas que é isso, Adriano, você não pode desacatar as mulheres da minha casa!

O olhar faísca de raiva e parte para cima do criado, mas o Padre não ver o brilho do metal refletido no ar, nem o lance da mão assassina na intenção malévola. A lâmina amolada rasga a imaculada batina preta, e mancha a camisa branca com o rubor da vida que escorre pelo corpo do Padre Macedo.

Adriano pula a janela e livre, ganha à rua, escorrendo como uma sombra pela noite angustiante, enquanto o sacristão badala no sino da Matriz, ainda sem o adorno das suas duas torres. A morte é uma entidade imaginária que ceifa à vida quando menos se espera. E há algum tempo, um poeta crateuense, o Coriolano, que por longo tempo estivera esquecido e agora é revivificado, deixara uns versos langorosos sobre a vida e a morte: “É breve o viver d’aurora / Mas nessa vida d’uma hora / Brilha, fulgura e colora / Tudo ao seu alvorecer / Pura nasce e morre pura / Não sabe se há desventura, / Mas a humana criatura / Nasce e sofre até morrer.”

Tudo que não é lembrado se estiola, se olvida, como a grama que privada da luz do sol se acinzenta e morre. Dona Mirandolina agarrada na batina manchada de sangue do seu querido primo ainda desconfia da causa da morte do Padrinho Vigário e pergunta-se: Quem realmente matou o Padre Macedo, se a lâmina afiada e vingativa dos temperamentos políticos ou o enigmático acaso de um instante gratuito? Coisas que nem os poetas sabem explicar.

Passo, como sempre faço, em frente à belíssima Igreja da Matriz, o signo maior dos Sertões de Crateús, reverencio o disposto galo da Torre direita e também me pergunto: “Quantas vezes o Padrinho Vigário Macedo sonhou com este alto prisma erguido aos céus e nem imaginou que, um dia, poderia estar empoleirado no seu ápice!”

Raimundo Cândido