sábado, 14 de setembro de 2019

ENSINANÇAS ADVOCATÍCIAS

Cedo descobri que o manual da advocacia é um manancial de sabedoria! Nas suas cercanias, a labareda do fascínio há consumido minha alma. Hoje, meu coração coleciona cada lição extraída desse múnus impulsionado pela manivela da emoção.

Eis algumas dessas indicações:


1. A seara advocatícia é solo fértil, terra plena de latência, incubadora de sementes, ofício de oportunidades. Se há uma turbulência na política, um choque na economia, um frenesi social ou uma altercação em qualquer estação da estrada de ferro humana, lá está a advocacia para oferecer o lenitivo e apontar as propriedades que atenuam os desconfortos.

2. Deveríamos reconsiderar os conceitos de legitimidade ativa e passiva. O Processo é uma arena que se quer democrática, assemelhada à Dialética, onde uma tese e antítese almejam a prestação jurisdicional, a ser oferecida em forma de síntese.

3. A Consultoria é uma das nossas tarefas fundamentais, prevenindo a litigiosidade. À Calamandrei, “matando os litígios logo no início com sábios conselhos de negociação, e fazendo o possível para que eles não atinjam aquele paroxismo doentio que torna indispensável a recuperação na clínica judiciária”. Esse o magistério do nosso Código de Ética, em seu artigo 2º, VI: “estimular a conciliação entre os litigantes, prevenindo, sempre que possível, a instauração de litígios”.

4. O causídico é um pedreiro livre, construtor de teses. Suas asserções poderão compor o edifício jurisprudencial. Essa artesania exige dedicação ímpar e extremado zelo.

5. Lidamos com a busca da verdade, a mais profunda e delicada fonte. Ao contrário do que propagam, a verdade não é para ser dita de maneira nua e crua, sob o impacto da arrogância. Extraí-la, sim; impô-la, não. Como fazê-lo?! Ao modo dos grandes mestres, devemos suscitá-la pelo uso de parábolas, pela reflexão.

6. As cizânias são orientadas por normas invisíveis, compostas pela energia das partes. Atuando no Eleitoral, recebi certa feita dois clientes de municípios distintos. O primeiro, com uma causa aparentemente simples: defesa em impugnação de candidatura. Caso: uma conta desaprovada pelo Tribunal de Contas por atecnias, sem aplicação de nota de improbidade. Com o segundo, ocorria o inverso: cinco condenações, três delas com improbidade. Ao primeiro, dei conta das enormes chances de êxito; ao segundo, das abissais dificuldades. Aquele era temperamental, ansioso e, quiçá, irascível; este era tranquilo, generoso e desprendido. O pleito simples se complicou e foi indeferido; o caso complexo fluiu e vencemos. Portanto, ao adentrar em uma causa, observe a energia das partes. Há uma Legislação Espiritual que rege as lides. Mire os seus sinais!

7. Para bem servir, lapide-se. Entregue-se à solidão reflexiva, à ausculta silenciosa, à concentração do espírito. Verás que a introversão solitária te tornará uma pessoa mais solidária.

8. Somos convidados a ser agentes da civilizatória purgação. Sejamos, com entusiasmo e elegância, dignos dessa fabulosa missão!

(Júnior Bonfim)



CARTA PARA DIMAS!

Gracias, generoso poeta!

Rememoro, com entusiasmada tranquilidade, aquele nosso não planejado encontro em uma patriótica cafeteria, no último sábado do mês mais florido e primaveril que existe, o sorridente mês de maio (responsável por minha interação com o arraial humano).

Mimoseaste-me com a última fornada de teus sempre deliciosos pães literários – o primeiro, uma procissão aérea de pássaros canoros segurando codificações e tochas cerimoniosas (Codicírio - sic); o segundo, uma graciosa exposição de molduras reflexivas renovando uma profissão de fé na Justiça (Ensaios de Teoria do Direito) – e eu estou a me deliciar com ambos.

Camarada: és agraciado pela fortuna! Quando a luz te alcançou, tinhas na mão uma Pá e, nascido na Lavras, logo descobriste teu propósito: ser obreiro da Palavra!

(Às vezes me interrogo: como um Rio, dito Salgado, produziu um ser tão doce?! Louvada seja tua ‘Mangabeira de Lavras que, do mundo, é o batente, mobília do céu, posta na mente’.).

Bem sabeis que, entre nós, como sói ocorrer com os magnetizados com a possibilidade da transcendência, há o desenvolvimento suave de uma comunicação indecifrável, desprovida dos artefatos do verbo, liberta dos vieses silábicos, longe das obliquidades fonéticas e das esguelhas sonoras.

Vez por outra os poetas, assim como os profetas, somos convidados a percorrer as discretas, paradoxais e invisíveis trilhas do mutismo dialógico.

Contam que Buda, o profeta da felicidade desperta, certa feita estava para fazer uma de suas famosas preleções para milhares de discípulos, que acorreram ao seu encontro de um raio de muitos quilômetros. Quando o mestre religioso apareceu, vinha segurando uma flor. O tempo passava, os seguidores aguardavam ansiosamente a preleção, e o oráculo permanecia silente. Apenas olhava para a flor. A multidão ficou impaciente, mas um dos seus mais próximos místicos, Mahakashyapa, que não conseguiu se segurar por mais tempo, explodiu em uma bela risada. Buda acenou-lhe para que se aproximasse, entregou-lhe a flor e disse à multidão: “Tudo o que podia ser dado a vocês com palavras eu já lhes dei; mas com esta flor dou a Mahakashyapa a chave de todos os ensinamentos”.

Com efeito, Buda, assim como todos os grandes reitores do espírito e arquitetos da claridade, sabia que a chave de todos os ensinamentos não podia ser dada por meio da comunicação verbal.

É isso. Os que conseguem ultrapassar o ardiloso pântano da mera sedução verbal, descobrem a semente imorredoura. E não por acaso se enfastiam com as veleidades e, sobretudo, com as mediocridades que animam certas convenções sociais. Pertences a essa alta estirpe. Por isso que, inesperadamente, pássaro solitário, constantemente bates asas com destino ao platô sagrado do eu mais profundo.

E lá retomas a bússola que orienta teus passos essenciais, reafirmas o credo no primado da inteligência, entoas o hino à sabedoria, celebras o culto à leveza, conectas com o teu divino, escutas a sinfonia da alma, acendes a pira olímpica da liberdade e recuperas as partituras da amizade. E nesta recuperação sabes que podes contar comigo. Não te tenho em outra circunscrição senão na de um amigo.

Conte invariavelmente comigo e pode agendar um momento fraterno, um átimo eterno, um instante de alegria, uma pausa tipo melodia, para partilharmos um dedo de prosa e outro de poesia!

Gracias, canoro mestre!

(Júnior Bonfim, na Revista Gente de Ação)

DESEMBARGADORA NAILDE PINHEIRO


Principio minha fala lembrando que não são poucos os que afirmam que “por trás de um grande homem existe sempre uma grande mulher”. Outros, no afã de externar generosidade, avançaram e asseveraram que “é ao lado do homem que encontramos a grande mulher”. Perdoem-me, mas penso diferente.

Mulheres há que, sem fixação, indiferença ou rejeição ao consorte, constroem marca própria!

A desembargadora Maria Nailde Pinheiro Nogueira é uma delas. Seu trajeto existencial é marcado pelo percurso sereno, pelo caminhar sintonizado com o sol dos grandes valores.
Mirem essa galeria de ex-Presidentes do nosso Tribunal Regional Eleitoral. Nela, as mulheres rareiam. São exceções que confirmam a regra da gana pela primazia masculina...
Sonorizou as cordas musicais da sensibilidade quando aqui mencionaram mulheres que se destacaram ao longo da caminhada da humanidade.

De fato, o útero da História é pródigo em exemplos de admiráveis fêmeas de terra e guerra: Cleópatra, além de deslumbrante e sedutora, era inteligente e culta, cuja notória esperteza manteve as fronteiras do seu reino; Joana D’Arc, jovem camponesa que vestiu a farda militar e foi protagonista de uma guerra que restabeleceu a dignidade francesa, além de ser queimada pela mesma Igreja que, séculos depois, reconheceu sua santidade; Isabel de Castela, a rainha espanhola que patrocinou a descoberta da América por Cristóvão Colombo; a catarinense Anita Garibaldi, a combatente da Revolução Farroupilha, mulher muito à frente de seu tempo; e, mais recentemente, Madre Teresa de Calcutá, cujo apostolado extraordinário foi o mais patente exemplo de que “prova de amor maior não há que doar a vida pelo irmão”...

No tempo histórico em que está fiando o seu mister, a desembargadora Nailde Pinheiro é detentora de qualidades que a tornam uma mulher diferenciada. Permitam-me que confidencie um dos momentos em que testemunhei isso.

Quando concorri a uma das vagas reservadas à advocacia neste Tribunal, realizei aquele périplo obrigatório de entrega do currículo e apresentação pessoal aos magistrados do TJCE. Ao adentrar no gabinete da desembargadora Nailde, ela informou que já tinha passado vista nos meus apontamentos. Preparei-me para a sabatina convencional sobre temas jurídicos, opiniões sobre composição de Cortes Julgadoras, inflexões jurisprudenciais ocorridas nos últimos tempos etc. Qual não foi minha surpresa quando, brilho nos olhos, ela disse:

- Gostei do que você consignou sobre a família (“lócus afetivo primeiro, ambiente privilegiado de integração e espaço fundamental para o processo de formação humana”) e, sobretudo, de mencionar que “nas folgas, inventando sabores, adora queimar aborrecimentos, restaurar energias e aquecer amizades à beira de um fogão”.

Naquele momento, conclui que estava diante uma julgadora que cultiva um raro sentimento nesses tempos de embrutecimento: o humanismo!

A desembargadora Nailde, que encheu este Tribunal de flores e espalhou o perfume da benevolência sobre todos os espaços desta Casa, merece de todos nós o buquê do reconhecimento.

E hoje, que ela se despede deste espaço, não temos motivo para lamentos ou tristezas.

É com alegria que nos despedimos.

Porque, após tantos anos de dedicação à Justiça Eleitoral Alecarina, a senhora parte para voos mais ousados e nos brinda com o brilho imorredouro da sensatez e da sensibilidade.

Boa sorte!

(Palavras proferidas na Sessão de Despedida da Desembargadora Maria Nailde Pinheiro Nogueira da Presidência do TRE/CE em 29.01.2019)