quinta-feira, 28 de maio de 2009

UM CINTURÃO, DE GRACILIANO RAMOS

Nunca escrevo em primeira pessoa, mas como vou me confessar, não há modo melhor de me expressar. Faz noventa dias que assumi a defesa criminal de pessoas que, tenho certeza, inocentes. Li e reli as muitas páginas dos autos e, a cada releitura, mais me convenci de que não há crime, não há responsabilidade criminal.

Percebi – isso, sim - a coleção de arbitrariedades da polícia judiciária, bem como a incapacidade de juízes e tribunais de lidarem com casos de repercussão na mídia. Notei que o conteúdo do inquérito policial não importa, pois, há magistrados que não querem decidir as questões trazidas à apreciação, como se reconhecer algum direito a meus clientes lhes significasse prejudicar a imagem pública.

Criou-se um caldo de suposições e insinuações de tal tamanho que declarar alguma das muitas nulidades, ou mesmo a inexistência do crime, tornou-se algo impossível enquanto os jornais aludirem o andamento da causa. Nesse ciclo favorável à expiação, troca-se a justiça pela aparência, o trabalho de motivação pelas frases genéricas, o conteúdo real pela etiqueta da gravidade dos fatos.

Quem quiser a prova da saga defensiva, posso contar que foram mais de dez medidas rechaçadas pelo Poder Judiciário, sob vários pretextos, sendo comum, em muitos deles, a postergação da análise. Direito a juiz imparcial, prova legítima, autodefesa, informação, paridade de armas, privacidade, moralidade da administração pública, tudo se exibe secundário num clima de perseguição obscuro, onde há medo da imprensa e da maldita "voz das ruas".

Como a situação me incomoda no fundo da alma, contei a odisséia a um amigo muito culto. Ele, professor de história, não se espantou ao ouvir sobre meu caminho errático nos tribunais. Lembrou de muita coisa da história brasileira. Falamos da saga do Barão de Mauá, outro empresário injustiçado pelas astúcias do poder. Ao final, fez menção a um conto de Graciliano Ramos.

Diante da força e significado do texto, resolvi divulgá-lo com dois objetivos. De um lado, dividir com o leitor esse texto extraordinário da literatura brasileira, de outro, encaminhá-lo àqueles que desprezaram, num primeiro momento, meus argumentos defensivos.

Nessa confissão, o perdão depende da sensibilidade com que se encare o conto. Se não houver esperança, ao menos, cada destinatário tem a chance, ao fim, de se reconhecer em alguma passagem.

(Antônio Sergio Altieri de Moraes Pitombo – Advogado).

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