sexta-feira, 9 de outubro de 2009

ORAÇÃO DE UM JUIZ

Acima da obediência que a Justiça impõe coercitivamente aos cidadãos – através de uma série de penalizações, considerando-se que os processos, em si mesmos, já representam alta carga de tensão emocional, que inclusive adoece as pessoas mais sensíveis – é necessário que cada um procure encher-se do sentimento de Fraternidade.

Somente plenificando-se dessa compreensão interior – que transforma-se em atitudes pacíficas e benfazejas em relação aos outros – é que o ser humano tem condições de viver em harmonia no meio onde é levado a desenvolver sua vida de relação.

Devemos nos desvincular um tanto das preocupações jurídicas e voltar os olhos para os seres humanos, levando em conta suas potencialidades como filhos de Deus.

Os debates jurídicos têm muito de frieza em relação aos seres humanos em si, tratados muitas vezes como meros dados nas estatísticas ou como criaturas manipuláveis pela vontade arbitrária dos donos do poder.

Quando nos debruçamos sobre os problemas humanos com os olhos da Fraternidade é que surgem as verdadeiras soluções para seus problemas, que nunca passam pela vitória de uns e humilhação de outros, pois, na verdade, todos merecem ter oportunidade de crescerem perante Deus.

As grandes almas – dentre as quais Mohandas Gandhi – superaram os meros julgamentos humanos e passaram a enxergar cada criatura com os olhos voltados para a essência divina de cada um. Por isso, pensam em todos num grande amplexo que supera todas as divergências.

Se não há condição de aplicar essa ideologia em todos os momentos dos processos judiciais – porque representam ainda muito da agressividade do próprio Estado – que, pelo menos nos momentos de reflexão, se imbua a mente dessa suavidade, que alivia a pressão das idéias de julgar os semelhantes, rotulando-os com uma certa carga de ódio mal disfarçado.

É necessária uma imersão periódica nas correntes da reflexão filosófica e religiosa para retornarmos arejados e em condições de continuar analisando culpas alheias e ódios sempre irracionais de uns contra outros.

Nem todo mundo inveja nossa profissão de analisar com uma balança fidelíssima quem é o menos culpado dos litigantes e cirurgiar os tecidos necrosados dos desavindos sem causar-lhes a morte.

Somente Deus pode nos manter íntegros nessas lutas entre ódios terríveis das partes, fazendo-nos não cometer injustiças e tentar pacificá-los.

Assim, tenho orado a Deus para enxergar com olhos de Fraternidade cada um que sou levado a julgar no meu duro ofício de juiz.

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(por Luiz Guilherme Marques, magistrado em Juiz de Fora, MG)

Um comentário:

lb disse...

Patativa do Assaré


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Aos Poetas Clássicos





Poetas niversitário,
Poetas de Cademia,
De rico vocabularo
Cheio de mitologia;
Se a gente canta o que pensa,
Eu quero pedir licença,
Pois mesmo sem português
Neste livrinho apresento
O prazê e o sofrimento
De um poeta camponês.

Eu nasci aqui no mato,
Vivi sempre a trabaiá,
Neste meu pobre recato,
Eu não pude estudá.
No verdô de minha idade,
Só tive a felicidade
De dá um pequeno insaio
In dois livro do iscritô,
O famoso professô
Filisberto de Carvaio.

No premêro livro havia
Belas figuras na capa,
E no começo se lia:
A pá — O dedo do Papa,
Papa, pia, dedo, dado,
Pua, o pote de melado,
Dá-me o dado, a fera é má
E tantas coisa bonita,
Qui o meu coração parpita
Quando eu pego a rescordá.

Foi os livro de valô
Mais maió que vi no mundo,
Apenas daquele autô
Li o premêro e o segundo;
Mas, porém, esta leitura,
Me tirô da treva escura,
Mostrando o caminho certo,
Bastante me protegeu;
Eu juro que Jesus deu
Sarvação a Filisberto.

Depois que os dois livro eu li,
Fiquei me sintindo bem,
E ôtras coisinha aprendi
Sem tê lição de ninguém.
Na minha pobre linguage,
A minha lira servage
Canto o que minha arma sente
E o meu coração incerra,
As coisa de minha terra
E a vida de minha gente.

Poeta niversitaro,
Poeta de cademia,
De rico vocabularo
Cheio de mitologia,
Tarvez este meu livrinho
Não vá recebê carinho,
Nem lugio e nem istima,
Mas garanto sê fié
E não istruí papé
Com poesia sem rima.

Cheio de rima e sintindo
Quero iscrevê meu volume,
Pra não ficá parecido
Com a fulô sem perfume;
A poesia sem rima,
Bastante me disanima
E alegria não me dá;
Não tem sabô a leitura,
Parece uma noite iscura
Sem istrela e sem luá.

Se um dotô me perguntá
Se o verso sem rima presta,
Calado eu não vou ficá,
A minha resposta é esta:
— Sem a rima, a poesia
Perde arguma simpatia
E uma parte do primô;
Não merece munta parma,
É como o corpo sem arma
E o coração sem amô.

Meu caro amigo poeta,
Qui faz poesia branca,
Não me chame de pateta
Por esta opinião franca.
Nasci entre a natureza,
Sempre adorando as beleza
Das obra do Criadô,
Uvindo o vento na serva
E vendo no campo a reva
Pintadinha de fulô.

Sou um caboco rocêro,
Sem letra e sem istrução;
O meu verso tem o chêro
Da poêra do sertão;
Vivo nesta solidade
Bem destante da cidade
Onde a ciença guverna.
Tudo meu é naturá,
Não sou capaz de gostá
Da poesia moderna.

Dêste jeito Deus me quis
E assim eu me sinto bem;
Me considero feliz
Sem nunca invejá quem tem
Profundo conhecimento.
Ou ligêro como o vento
Ou divagá como a lêsma,
Tudo sofre a mesma prova,
Vai batê na fria cova;
Esta vida é sempre a mesma.