quarta-feira, 18 de agosto de 2010

TSE REAFIRMA VALIDADE DO FICHA LIMPA, MAS DISCUTE RETROATIVIDADE


O placar foi mais apertado do que o anterior, mas o Tribunal Superior Eleitoral reafirmou, nesta terça-feira (17/8), que a Lei Complementar 135/10, conhecida como Lei da Ficha Limpa, tem aplicação imediata. Por cinco votos a dois, os ministros entenderam que a lei não se enquadra no princípio da anualidade previsto no artigo 16 da Constituição Federal.

O relator do processo, ministro Marcelo Ribeiro, insistiu no ponto de que a criação de novos critérios de inelegibilidade interfere claramente no processo eleitoral. Por isso, deveria respeitar o prazo fixado constitucionalmente. De acordo com o artigo 16 da Constituição, “a lei que alterar o processo eleitoral entrará em vigor na data de sua publicação, não se aplicando à eleição que ocorra até um ano da data de sua vigência”.

Como a Lei da Ficha Limpa foi sancionada em junho, há apenas quatro meses das eleições, não poderia barrar candidaturas antes de junho de 2011. Na prática, seria aplicada apenas para as eleições de 2012. Apenas o ministro Marco Aurélio acompanhou Ribeiro. “Ninguém em sã consciência, a meu ver, poderia afirmar que a Lei Complementar 135 não altera o processo eleitoral”, afirmou Marco. “Não vejo como se colocar em segundo plano o que se contém no artigo 16 da Carta da República”, reforçou.

O argumento da dupla, contudo, foi vencido pela maioria. O presidente do TSE, ministro Ricardo Lewandowski, que havia pedido vista dos autos na sessão passada, anotou em seu voto que o prazo de um ano para a aplicação de lei só se justifica nos casos em que há deformação do processo eleitoral. Ou seja, nos casos em que desequilibra a disputa, beneficiando ou prejudicando determinadas candidaturas.

Como a Lei da Ficha Limpa é linear, ou seja, se aplica para todos indistintamente, não se pode afirmar que ele interfere no processo eleitoral. Logo, sua aplicação é imediata. Lewandowski também reafirmou seu entendimento de que as condições de elegibilidade são critérios. E, como critérios, são aferidos no momento do registro da candidatura.

O presidente também sustentou que, como a Lei Complementar 135 revogou grande parte da Lei Complementar 64/90, se o tribunal entendesse que não se aplica para essas eleições, não haveria lei para reger a maior parte das condições de elegibilidade.

O ministro Marcelo Ribeiro respondeu sobre este ponto. Segundo ele, é claro que se o TSE decidisse que a Lei da Ficha Limpa não tem aplicação já nas próximas eleições, automaticamente continuariam a valer as regras anteriores. Ou seja, não haveria vácuo legislativo.

Mas a maioria votou com o ministro Ricardo Lewandowski. Acompanharam o presidente do TSE os ministros Arnaldo Versiani, Cármen Lúcia, Aldir Passarinho Júnior e Hamilton Carvalhido.

Pena ou seleção


Depois de superar a discussão sobre a aplicação imediata da lei, os ministros passaram a discutir se a regra abrange ou não os casos de condenação anteriores à sua vigência. Para o ministro Marcelo Ribeiro, o a aplicação das sanções de inelegibilidade a fatos ocorridos antes de sua vigência fere o princípio da segurança jurídica. “Ocasiona ainda inevitável violação ao princípio de que ninguém poderá ser processado, julgado ou punido pelo mesmo fato”, votou.

A argumentação é fundamentada no inciso XXXIX do artigo 5º da Constituição: “não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal”. Assim, os condenados por órgãos colegiados antes de sanção da Lei da Ficha Limpa não poderiam sofrer as novas sanções.

O ministro Arnaldo Versiani divergiu de Ribeiro. Para ele, condição de inelegibilidade não é punição. O raciocínio é o seguinte: Dona Marisa, mulher do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, não pode concorrer. E isso não pode ser enquadrado como punição ou pena. É uma vedação de cunho eleitoral estabelecida em lei.

Outro exemplo: para se candidatar, juízes têm de pedir exoneração do cargo. E não se pode afirmar que isso é uma pena. O mesmo raciocínio se aplicaria para os novos critérios criados para barrar candidaturas. Critério de elegibilidade não é pena. Logo, não há espaço para se falar em violação ao princípio de que a lei não pode retroagir para prejudicar o réu.

O ministro Marcelo Ribeiro, contudo, separa as causas de inelegibilidade de duas formas. Para ele, elas podem ter, ou não, caráter de sanção. De acordo com o entendimento de Ribeiro, se a inelegibilidade decorre da prática de um ilícito eleitoral, ela revela caráter de pena porque é imposta em razão da prática do ilícito. Logo, não poderia haver a retroatividade para prejudicar o candidato. Já as causas de inelegibilidade decorrentes de parentesco ou por ocupação de cargo público não são tidas como sanção. Assim, para essas, especificamente, não cabe falar de retroatividade.

A definição dessa questão foi adiada porque a ministra Cármen Lúcia pediu vista do processo. A ministra afirmou que trará seu voto na sessão da próxima quinta-feira (19/8) para julgar o tema.

A discussão acerca da Lei da Ficha Limpa foi provocada por recurso impetrado pelo candidato a deputado estadual no Ceará Francisco das Chagas. Ele foi condenado por compra de votos quando era candidato à Câmara de Vereadores da cidade de Itapipoca, no interior cearense. A decisão transitou em julgado em 2006. Como a lei prevê inelegibilidade de oito anos nestes casos, ele estaria impedido de concorrer até 2014. O Tribunal Regional Eleitoral do Ceará negou seu registro com base nesse entendimento.

(Por Rodrigo Haidar)

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MINHA OPINIÃO


Inelegibilidade é a ausência ou perda da possibilidade de alguém concorrer a um mandato eletivo.

Inelegibilidade é gênero, que tem como espécies a INATA (ORIGINÁRIA) ou COMINADA.

A inelegibilidade inata ou originária é decorrente da ausência de alguma condição de elegibilidade. Dá-se nos casos dos analfabetos, dos juízes, dos integrantes do Ministério Público e dos parentes de titular de cargo eletivo (exemplos utilizados pelo Ministro Relator), ou seja, pessoas que, devido a condições pessoais ou funcionais, são inelegíveis. Nesses casos, de fato, a inelegibilidade é apenas uma “restrição temporária”, que dura somente enquanto persistir a situação impeditiva.

Há, todavia, os casos de inelegibilidade cominada, que “é a sanção imposta pelo ordenamento jurídico, em virtude da prática de algum ato ilícito [...]”. É o que está ocorrendo mediante a aplicação da LC 135/2010. Aqui, por lógico, a inelegibilidade configura pena, e, nessa condição, há de obedecer às regras que orientam o processo penal, dentre elas a da impossibilidade da lei retroagir para prejudicar e a garantia constitucional do princípio da presunção de inocência.

Dizer que a inelegibilidade, em sua modalidade cominada (decorrência de ilícito penal) não é pena, me parece ilógico e ilegal. Ilógico porque ela é, claramente, uma sanção imposta pelo ordenamento jurídico. Ilegal porque sua natureza sancionatória encontra-se estampada na própria Lei Complementar 135, na redação do art. 22, ao chamar a inelegibilidade pelo nome: SANÇÃO. Vejamos:

Lei do Ficha Limpa

Art. 22

(..)

"XIV – julgada procedente a representação, ainda que após a proclamação dos eleitos, o Tribunal declarará a inelegibilidade do representado e de quantos hajam contribuído para a prática do ato, cominando-lhes sanção de inelegibilidade para as eleições a se realizarem nos 8 (oito) anos subsequentes à eleição em que se verificou, além da cassação do registro ou diploma do candidato diretamente beneficiado pela interferência do poder econômico ou pelo desvio ou abuso do poder de autoridade ou dos meios de comunicação, determinando a remessa dos autos ao Ministério Público Eleitoral, para instauração de processo disciplinar, se for o caso, e de ação penal, ordenando quaisquer outras providências que a espécie comportar".


Acho que esse ponto da impossibilidade da lei retroagir para prejudicar é seríssimo. Dizer que inelegibilidade cominada não é sanção é algo muito grave. Como se imaginar que a pena de suspensão dos direito políticos não é pena? Ora, impedir um político de se candidatar equivale a decretar sua morte civil. Portanto, filio-me à corrente que defende a tese que, em se tratando de inelegibilidade cominada, é pena. E, como tal, em sintonia com a Lei Maior, que é a Constituição, não pode retroagir para prejudicar. Vale daqui para frente. Para trás, narrin. É como se mudar as regras do jogo depois do apito final para alterar o resultado já anunciado. É como se chegar para uma pessoa que teve uma condenação de três anos de cadeia - depois que ele cumpriu a pena - e dizer: "Bem, agora a lei mudou. Você passou três anos preso e agora, depois de solto, vai voltar para detrás das grades e passar oito". É, além de absurdo, ilógico, ilegal, irracional, desproporcional.

A lei, que é fruto de um legitímo movimento ideológico, precisa de conformação jurídica. E os Tribunais Superiores têm que realizar esse ajuste técnico, em louvor à segurança jurídica.


(Júnior Bonfim)

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