quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

CONJUNTURA NACIONAL

Nada é tudo
Cícero do Carmo Lima, simpático, vestido de branco, chapéu pequeno, óculos escuros, dentes de ouro, sempre com sua inseparável bicicleta, era uma figura diferente no Ceará. Na década de 60, Ciço Rico foi um vereador muito querido em Ipu, no Ceará. Semi-analfabeto, achava-se um intelectual. No palanque, era o penúltimo a falar. Sua presença atraía a atenção. Coisas engraçadas em profusão. Principalmente no fechamento do discurso. Certa noite, num comício realizado em frente a Praça de Iracema, o locutor faz a convocação: agora, vamos ouvir o vereador Cícero do Carmo Lima. Aplausos prolongados. Descontraidamente, inicia o discurso. Ovações continuadas. Os aplausos o incentivavam a esticar a fala. No final, o fecho glorioso e filosófico, sob gritos frenéticos e (falsos) dos jovens: ipuenses, para terminar eu concluo que "Tudo, tudo é nada, e nada, nada, nada, repito, nada é tudo".

E vamos à ordem do dia
A coluna de hoje procura destacar aspectos e abordagens que abrem a nova administração do país.

O ciclo da razão
O Brasil abre as portas para o ciclo da razão. Fecham-se as cortinas da era da emoção. Sai um ator carismático do palco. Entra um perfil técnico para comandar a nação. As massas, em um primeiro momento, vão se ressentir. Depois se acostumarão. Mas a lembrança do carisma ficará na memória e no coração. Por isso, Lula continuará presente na cena política. Mas não poderá aparecer em demasia para não empanar a imagem da nova administração. Dilma imprimirá sua marca: firme controle da gestão, cobrança, monitoramento, resultados. Apertará os calos dos ministros. Mais que as mãos suaves de Lula.

A festa de Brasília
Este consultor acompanhou de perto a movimentação de Brasília. Posse de presidente da República e vice é sempre uma festa. O discurso de Dilma no Congresso foi um panorama sobre os temas brasileiros. Não carregava o tom retumbante de Lula, mas parecia mais sério e responsável. Sem as tiradas improvisadas, o sarcasmo ou o chiste. Trata-se da expressão mais técnica, mais racional. No Parlatório, Dilma fez um resumo da fala no Congresso. Um pouco mais popular. Referiu-se a Lula e às mulheres, algumas vezes. Agradecimento e homenagem.

No Itamaraty
A festa no Itamaraty reuniu umas 2 mil pessoas. Gente de todos os tipos e regiões. Gente humilde, políticos regionais, ministros, líderes importantes, governadores, autoridades e Chefes de Estado. Muito vinho, uísque e bebidas leves. Barulho infernal. Michel Temer, muito cumprimentado, irradiava satisfação. Dilma, sempre portando a faixa presidencial, foi embora logo. Hillary Clinton saiu 8 minutos antes da chegada de Dilma.

Otimismo
Este consultor teve a oportunidade de conversar com algumas personalidades. E amigos. O tom geral era de otimismo. O país, mesmo com dificuldades eventuais, caminhará firme na rota. O estilo Dilma - racional, objetivo, técnico, cobrança, exigências - dava o tom das conversas. Senso comum. As oposições ali compareceram educadamente. Esbarrei com Alckmin chegando ao Itamaraty com dona Lu, Zé Aníbal, Duarte Nogueira e mais alguns. Nos cumprimentos, a lembrança recorrente de Alckmin para este consultor: e as Porandubas? Ele é um leitor assíduo da coluna. E eu lhe disse que vou acompanhar, passo a passo, seu governo.

Estrelas da equipe
Alguns ministros abrirão amplos espaços de poder e visibilidade. Anotem estes nomes: Zé Eduardo Cardozo, da Justiça; Antônio Palocci, da Casa Civil; Orlando Silva, dos Esportes; Nelson Jobim, da Defesa; Miriam Belchior, do Planejamento; Paulo Bernardo, das Comunicações; e Guido Mantega, da Fazenda. Alexandre Tombini, do BC, estará também na roda. E, claro, o vice presidente da República, Michel Temer, que será uma espécie de escudo e pára-choque contra eventuais crises. Pano de fundo: questões de segurança pública; articulação político-institucional; Copa e Olimpíadas; compra de aviões; organização do orçamento; banda larga; eixos macroeconômicos e eventuais atritos com o Congresso.

Reforma política? Difícil
Pois é, os anúncios se espalham: a reforma política vem aí. Lideranças políticas, a nova presidente da República, o ex-presidente Lula, todos expressam contundente defesa desta reforma. O novo ministro das Relações Institucionais, o bigodudo deputado Luiz Sérgio, do PT do Rio de Janeiro, garante que vai escudar a proposta. Este consultor coloca as dúvidas: o que fazer de início? Mudar o que? O sistema de voto? Qual o modelo ideal? Distrital puro ou misto? Fidelidade partidária? Mas essa já existe. Cláusula de barreira? Os partidos pequenos não toparão. Reforma do código eleitoral? Isso é possível. Mas que aspectos deverão ser contemplados?

Diálogo, uma quimera
O mesmo ministro Luiz Sérgio diz que vai implantar a política do diálogo. Quer evitar atritos entre os partidos da base aliada. Mas esse diálogo, pelo que se sabe, é palavra-chave da Secretaria de Relações Institucionais. Padilha, que de lá saiu para assumir o Ministério da Saúde, quase foi às vias de fato com o líder do PMDB, deputado Henrique Alves. E sempre insistia no diálogo. Só existe diálogo entre partes que desejam efetiva parceria. E, pelo visto, o PT está indo com muita sede ao pote na corrida por postos e cargos. PT é assim: primeiro, ele; segundo, ele; terceiro, ele. Por isso, o diálogo é uma quimera.

E a tributária?
No caso da reforma tributária, o ponto de partida deverá ser o relatório do deputado Sandro Mabel (PR/GO). Não será um debate fácil. Há muita polêmica, a partir da incidência de tributos sobre a riqueza. Outro aspecto diz respeito à desoneração da folha. Teme-se a perda de recursos hoje destinados à Previdência Social. A questão do ICMS deve ser objeto de amplas negociações com os governadores. O objetivo é fazer acordos para reduzir o tributo em áreas específicas, como energia.

Mabel será candidato?
Por falar em Sandro Mabel, eis que ele joga um balão de ensaio: poderá sair como candidato à presidência da Câmara. Marco Maia será alvo de insatisfações de alas partidárias insatisfeitas com a partilha de espaços e cargos. Mabel irá até o fim? Seria um bom candidato.

No vácuo
O grande tribuno Carlos Lacerda, da UDN, fazia inflamado discurso na Câmara dos Deputados, quando um colega pediu aparte: "Vossa Excelência pode falar o quanto quiser, porque o que me entra por um ouvido sai imediatamente pelo outro". Ao que lhe respondeu Lacerda: "Impossível, nobre colega, o som não se propaga no vácuo!"

Linhas de combate e ocupação
Nas próximas semanas, veremos muito combate no campo do poder. PT e PMDB disputam, palmo a palmo, espaço no setor elétrico. PMDB dominava a área. PT quer desbancá-lo. Alvo principal é a Eletrobrás. Nos Correios, PT já levou a melhor. Na Saúde, começa a ocupar todos os espaços. O líder Henrique Alves, do PMDB, tem dificuldades em administrar a indignação da bancada peemedebista. Na área da Integração Nacional, PMDB, que a dominava por completo, ficará apenas com o DNOCS.

Concessão nos aeroportos
Desta vez, dá para acreditar: a concessão de aeroportos ao setor privado toma forma. Nelson Jobim é a favor. A presidente Dilma já deu sinal positivo. Sinal de que o novo governo incentivará a participação privada na infraestrutura.

Dando as caras
A presidente Dilma vai começar a mostrar a cara para o mundo. Primeiras viagens já confirmas: EUA, China, Argentina, Uruguai, Peru e Bulgária. Dilma já deu uma boa sugestão ao secretário geral da ONU, Ban Ki-Mon: abrir uma Escola da ONU no Brasil com foco no estudo e debate da Segurança e Desenvolvimento Social.

Qualidades dos serviços
Novo governo emite bons sinais. O novo ministro da Saúde, Alexandre Padilha, quer implantar contratos de gestão baseados em metas a partir de indicadores nacionais de saúde. Garantia de qualidade e acesso da população aos serviços.

INSS sob novo comando
O presidente do INSS, ao que tudo indica, deverá ser Mauro Luciano Hauschild, que trabalha no gabinete do ministro José Antônio Toffoli, do STF. O nome técnico, preferido pelo ministro Garibaldi Alves, seria o de Otacílio Cartaxo, ex-secretário da Receita, responsável pela maior arrecadação do órgão em toda a história. Mas o novo ministro da Previdência decidiu acatar a indicação de Renan Calheiros. Mauro Luciano é um quadro da área jurídica. Uma espécie de peixe fora d'água no INSS. A política tem seus caminhos. Estranhos, misteriosos e insondáveis, alguns.

IMPS
Newton Cardoso, hoje deputado pelo PMDB de MG, ex-governador, numa entrevista: "Precisamos acabar com a fila do IMPS." O assessor lhe diz: "Não é IMPS, é INPS." Ele: "Nada disso. Desde lá de Brumado que eu aprendi que antes de P e B se usa M."

Tempo integral
Fernando Haddad, ministro da Educação, vai implantar ensino médio em tempo integral. Com curso regular em um turno e, no outro, o curso profissionalizante. Um Ovo de Colombo.

Alckmin: 1,5 bi de corte
Geraldo Alckmin começa dando exemplo de austeridade: cortou R$ 1,5 bilhões no Orçamento do Estado. Investimentos sofrerão redução de 20% e os gastos com custeio serão diminuídos em 10%. Alckmin também fará revisão de todos os contratos de serviços. Lupa acesa.

Richa: moratória
Já o governador do Paraná, Beto Richa, declarou moratória de 90 dias. Significa suspensão de pagamentos a fornecedores e prestadores de serviços. Quer conhecer real situação financeira do Estado.

Colombo: ICMS por 120 dias
Enquanto isso, Raimundo Colombo, de SC, extingue o artigo da lei que permitia reduzir o ICMS de 17% para uma alíquota de 0,3%, impedindo, ainda, que novas empresas entrem no programa durante o período de reavaliação.

Coutinho: exoneração dos comissionados
Na Paraíba, Ricardo Coutinho, o novo chefe do Executivo, demitiu todos os ocupantes de cargos comissionados. Lá, a folha deve fechar 2010 representando 70% da receita corrente líquida. Suspendeu, ainda, o reajuste de 27,92% concedido pelo ex-governador José Maranhão.

Rosalba: redução de 30%
No Rio Grande do Norte, a governadora Rosalba Ciarlini decidiu reduzir em 30% as verbas de cada Secretaria. Rosalba garante que fará "o RN acontecer". Quer uma gestão de resultados.

A reza de Rosário
Maria do Rosário, a ministra que assumiu a Secretaria de Direitos Humanos, reza pela cartilha da polêmica Comissão da Verdade. Defende sua aprovação. E assim recomeça o lengalenga.

Fato histórico
Já o general José Elito Siqueira, novo chefe do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência, é enfático: a existência de desaparecidos políticos durante a ditadura não deve ser motivo de vergonha, mas ser tratado como fato histórico.

Cadê o Ciro?
Ciro Distante Gomes não deu as caras. Não ganhou o Ministério da Saúde. Parece não ter gostado. Não esteve em Brasília na posse. Deve ajudar o irmão Cid Gomes, no Ceará. Algo como a Coordenação da Zona de Exportação. Até ser chamado para coisa mais importante no plano Federal.

Henrique, estressado
Henrique Alves, o aguerrido líder do PMDB na Câmara, está muito nervoso. Este consultor conhece Henrique desde os tempos de antes de ontem. E nunca viu Henrique tão estressado. O PT está invadindo todas as searas do PMDB. Com sede secular.

Vaccarezza
O deputado Cândido Vaccarezza (PT/SP) espera um convite da presidente Dilma para assumir a liderança do governo na Câmara dos Deputados. Vaccarezza é um dos mais preparados e eficazes quadros do PT.

Conselho à nova presidente
Esta coluna dedica sua última nota a pequenos conselhos a políticos, governantes e líderes nacionais. Na última coluna, o espaço foi destinado aos membros do Ministério Público. Hoje, seu conselho se dirige à nova mandatária da nação, presidente Dilma Rousseff:

1. Procure mapear o território de demandas políticas e verificar o estado das tensões.

2. Dê soluções justas e adequadas às demandas e pressões tendo como baliza o efetivo peso dos partidos na composição política.

3. Aja com cautela para evitar derrotas no Congresso logo no início do governo. Seria um péssimo início de administração começar com derrotas.

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(Gaudêncio Torquato)

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