quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

OBSERVATÓRIO

Principio a derradeira coluna de 2011 com um texto de Malba Tahan. “Sincera é uma palavra doce e confiável. Sincera é uma palavra que acolhe. E essa é uma palavra que deveria estar no vocabulário de toda alma. Sincera foi uma palavra inventada pelos romanos. Sincero vem do velho, do velhíssimo latim... Eis a poética viagem que fez sincero de Roma até aqui: Os romanos fabricavam certos vasos de uma cera especial. Essa cera era, às vezes, tão pura e perfeita que os vasos se tornavam transparentes. Em alguns casos, chegava-se a se distinguir um objeto - um colar, uma pulseira ou um dado - que estivesse colocado no interior do vaso. Para o vaso, assim fino e límpido, dizia o romano vaidoso: - Como é lindo... parece até que não tem cera! -"Sine-cera" queria dizer: -"sem cera", uma qualidade de vaso perfeito, finíssimo, delicado, que deixava ver através de suas paredes. Da antiga cerâmica romana, o vocábulo passou a ter um significado muito mais elevado. Sincero é aquele que é franco, leal, verdadeiro, que não oculta, que não usa disfarces, malícias ou dissimulações. O sincero, à semelhança do vaso, deixa ver, através de suas palavras, os nobres sentimentos de seu coração”.

O ANO TERMINA

É praxe encerrarmos o intervalo de tempo no qual a Terra demora a dar uma volta completa em torno do Sol – que batizamos “ano” - com um movimento de introspecção, de mergulho nas águas íntimas de nós mesmos, em um processo de auto-avaliação. E isso é bom. Vital, essencial, imprescindível. Porém, para que essa inflexão seja bem sucedida, urge que sejamos como os vasos romanos: transparentes, sinceros, verdadeiros. E essa postura deve irromper da gleba individual para o território coletivo. Que observação fazer, então, de uma urbe que encerra o calendário anual após celebrar um centenário?

O REGISTRO

Embora na cidade três Revistas tenham circulado (uma organizada pela Prefeitura; outra por João Aguiar e a “Gente de Ação”, de Dideus Sales) com excelentes apontamentos sobre o centenário, indubitavelmente o livro CRATEÚS: 100 ANOS! é o mais expressivo registro sobre o assunto. Os membros da Academia de Letras de Crateús se esmeraram para compilar uma obra de fôlego, digna de ser lida pelas atuais e futuras gerações. Que os espaços de difusão do saber e as fornalhas que aquecem as brasas da inteligência na cidade socializem esse álbum histórico de grande valia.

MARCO

Como um mourão que delimita espaços, esse livro definiu a geografia da nossa alma, lapidou a esmeralda da memória, sacudiu os fantasmas e crismou nossa vocação. É um barco que nos transporta às fontes primárias, às raízes originais. Faz-nos deslizar pelo leitoso rio dos nossos sonhos. Convida-nos ao êxtase ante aquilo que o Padre Geraldinho pontuou como “os amplos e vastos sertões de Crateús, no formato de um grande e imenso anfiteatro florístico e numa abrangência física e majestática que lhes imprime beleza e peculiaridade próprias”. É, pois, um marco.

QUEBRA DE PARADIGMAS

Esse livro, sobretudo, quebra paradigmas. Por exemplo: sempre alimentamos a idéia de que nossa cidade nunca teve grandes escritores. Isso é um estereótipo que vimos cair por terra. Escritores, de pena luminosa e asas de condor, sempre tivemos. Aliás, o fundador da literatura piauiense, o Príncipe dos Poetas, o nobre das letras, o Camões do século XIX nasceu nesta Vila de Príncipe Imperial: José Coriolano de Sousa Lima. Se, no campo das letras, descobrimos isso, em outras áreas também fomos surpreendidos com os componentes de garra e guerra, a posição de guarda e a postura de vanguarda sempre recorrentes na nossa história. Um particular jeito de buscar respeito.

QUEBRA DE PARADIGMAS II

Está provado que tudo nasce da nossa mente. Buda nos ensinou: “Nós somos o que pensamos. Tudo o que somos surge de nossos pensamentos. Com o pensamento, construímos e destruímos o mundo. O pensamento nos segue como uma carroça segue a parelha de bois”. Chegou a hora de fazermos uma inflexão no nosso pensamento coletivo. Vamos nos quedar eternamente aos complexos de inferioridade, reproduzindo a cantilena de que não nos destacamos porque nossa cidade é ‘fim de linha’? Ora, no mundo de hoje não existem mais fronteiras. A China vende seus produtos aqui por um preço inferior aos produtores locais. Isso é um fenômeno da globalização. Somos uma aldeia global.

QUEBRA DE PARADIGMAS III

Nossa prática política também precisa ser repensada. Mesmo nas disputas mais renhidas, como sói ocorrer nas pugnas eleitorais sucessórias locais, é possível inaugurarmos um modelo comportamental diferenciado. Por que não optarmos pelo bom combate, sob as regras da decência? Por que cedermos às tentações do jogo rasteiro, das encrespações grosseiras? É chegado o momento histórico de levarmos à arena dos embates a essência da fidalguia, o bálsamo das boas maneiras, o perfume da elegância. Obviamente, para chegarmos a esse patamar, urge que usemos a vestimenta branca da sinceridade. Não só os políticos, nossos representantes, mas todos os cidadãos, os representados. Sem cera, desprovidos de malícias e do apoio das milícias, será possível edificarmos uma cidade melhor. Sinceridade! Conheçamo-la. Ela nos libertará.

PARA REFLETIR

"Fale a verdade, seja ela qual for, clara e objetivamente, usando um toque de voz tranqüilo e agradável, liberto de qualquer preconceito ou hostilidade." (Dalai-Lama)

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(Júnior Bonfim, na edição de hoje do Jornal Gazeta do Centro Oeste, Crateús, Ceará)

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