segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

2012 E OS SINAIS DE MUDANÇA

A política, costuma lembrar o ex-presidente Fernando Henrique, é a arte de criar condições para tornar possível o necessário. Para outros, como a escritora chilena radicada em Cuba, Marta Harnecher, é a arte de construir forças capazes de modificar a realidade, tornando possível um amanhã que hoje parece impossível.

Entre esses dois pensamentos e o pragmatismo que faz parte de nossa cultura política, deve ser recebida a recente manifestação de próceres do PMDB e do DEM, hoje jogando no tabuleiro dos contrários, a respeito de eventual fusão dos dois entes partidários.

Esta possibilidade, que gera surpresa na esfera política, pela condição ímpar dos contendores – de um lado, o principal parceiro do PT na aliança governista e, de outro, o aliado incondicional do PSDB na frente federal da oposição -, seria efetivada antes do pleito de 2014, alicerçando-se na hipótese de parceria bem sucedida no pleito municipal de outubro deste ano.

Feitas as contas das planilhas, peemedebistas e democratas analisariam suas performances municipais para tomar uma decisão que, seguramente, alteraria profundamente as regras do jogo ora vigentes. O que motiva as cúpulas dos dois partidos? A vontade comum de abrir um novo capítulo na política, na crença de que o atual sistema se encontra engessado ou, em termos claros, aprisionado aos tabuleiros do PT e do PSDB, que, há praticamente duas décadas, compõem a dualidade mandonista da Nação.

Se ninguém furar o bloqueio, o modelo continuará intocável. O fato é que o Brasil vai bem na economia e mal na política.

Os avanços econômicos decorrem de políticas adequadas e corajosas e das riquezas do nosso imenso território. O atraso político deriva da manutenção de um sistema institucional defasado, onde se sobressaem um Parlamento apequenado ante o Executivo, um presidencialismo de cunho imperial e um Judiciário com propensão legislativa.
Se o PIB econômico se move pelo piloto automático, o PIB político é puxado por muitos pilotos que não sabem para onde seguir. Não é de surpreender que o território político gire em círculos.

Portanto, na política reside o maior desafio nacional. Dela dependem a modernização das estruturas, os padrões da administração pública, os costumes e métodos. Por onde e como começar um processo de mudança? A resposta aponta invariavelmente para a reforma político-eleitoral, abrangendo sistemas de voto, normas partidárias e estatutos como cláusula de barreira, financiamento de campanhas, formação de coligações etc.

Por que tal escopo não é implantado? Ora, por falta de vontade política. A iniciante interlocução entre PMDB e DEM visa criar as condições para tornar possível o necessário, ou seja, aperfeiçoar a forma governativa. A manutenção do status quo interessa, sobretudo, ao PT e ao PSDB.

Esses dois sistemas partidários têm se revezado desde 1994 no comando do país. Ambos usaram (e usam) as bengalas de outros partidos para ganhar apoio no Parlamento e, assim, garantir a governabilidade. Com ofertas no balcão de recompensas – ministérios, autarquias, um quadro com 20 mil postos na administração federal – as duas forças conseguiram registrar boas marcas em seus períodos.

Aduz-se, portanto, que interessa a ambos manter a modelagem que lhes proporciona continuar ocupando o Palácio do Planalto. Ao PT vale tudo para expandir o domínio; e o PSDB se esforça para voltar a ser o figurante principal. A polarização está em seus DNAs.

Para encobrir esse posicionamento e atenuar a desconfiança de parceiros dos dois contendores, passou-se a falar em presidencialismo de coalizão. O termo, inicialmente chancelado por Sérgio Abranches, tem sido empregado desde os tempos de FHC para designar uma administração compartilhada. Ou seja, serve ao propósito de transferir aos aliados o sentimento de pertinência, de corresponsabilidade governativa.

Ao dar guarida ao conceito, o PMDB, com a estrutura partidária mais capilar, assumiu a defesa da administração colegiada. Os programas dos Ministérios estariam sob a responsabilidade dos partidos, que deveriam ser cobrados por seu desempenho.

Tornou-se evidente que a coalizão jamais ultrapassou o limite da retórica. Nunca se concretizou.

O tucanato, por sua vez, não repartiu com ninguém as glórias do Plano Real. Lembre-se que o partido tem sido acusado de isolamento. No caso do PT, fica evidente que o partido se apropriou de todos os méritos da era Lula, puxando também para si este ensaio do ciclo Dilma.

Ademais, o PT opera como religião. Pratica liturgia exclusivista e se distancia de outros, fazendo ouvidos moucos ao tal presidencialismo de coalizão. Dessa forma, o conceito perde substância, servindo apenas como enfeite.

A alternativa aventada pelo PMDB e DEM, como se pode aduzir, objetivaria adicionar novos eixos à roda política. Sair do corredor polonês em que se encontra o quadro partidário. A fusão das siglas formaria o maior aglomerado político do país, servindo como aríete para quebrar a polarização entre petistas e tucanos.

Para conferir credibilidade ao processo, a nova agremiação haveria de produzir alentado projeto para a Nação, abrigando ideários, programas e um compromisso: a implantação efetiva do presidencialismo de coalizão.

Tal proposta teria o condão de atrair levas de parceiros, agregando condições para fazer avançar o sistema político. Não significaria, como se pode imaginar, uma opção pela oposição.

A nova agremiação poderia continuar a integrar a estrutura governista. Mas imporia a mitigação do sistema presidencialista e a entronização da administração compartilhada.

Apesar de não conter todas as características do parlamentarismo, o presidencialismo de coalizão dele se aproximaria pela responsabilidade dos partidos na formulação e execução das políticas.

O pleito deste ano se prestaria, assim, a ser a base de lançamento de uma reforma político-eleitoral mais substantiva. Operação complexa, mas não impossível.



Gaudêncio Torquato, jornalista, é professor titular da USP e consultor político e de comunicação

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