terça-feira, 29 de maio de 2012

SOBRE CALMA E PACIÊNCIA



Perto de Tóquio vivia um grande samurai, já idoso, que agora se dedicava a ensinar o zen aos jovens. Apesar de sua idade, corria a lenda de que ainda era capaz de derrotar qualquer adversário.

Certa tarde, um guerreiro conhecido por sua total falta de escrúpulos apareceu por ali. Era famoso por utilizar a técnica da provocação: esperava que seu adversário fizesse o primeiro movimento e, dotado de uma inteligência privilegiada para reparar os erros cometidos, contra-atacava com velocidade fulminante. O jovem e impaciente guerreiro jamais havia perdido uma luta. Conhecendo a reputação do samurai, estava ali para derrotá-lo, e aumentar sua fama.

Todos os estudantes se manifestaram contra a ideia, mas o velho aceitou o desafio. Foram todos para a praça da cidade, e o jovem começou a insultar o velho mestre. Chutou algumas pedras em sua direção, cuspiu em seu rosto, gritou todos os insultos conhecidos, ofendendo inclusive seus ancestrais. Durante horas fez tudo para provocá-lo, mas o velho permaneceu impassível. No final da tarde, sentindo-se já exausto e humilhado, o impetuoso guerreiro retirou-se.

Desapontados pelo fato do mestre aceitar tantos insultos e provocações, os alunos perguntaram:

- "Como o senhor pode suportar tanta indignidade? Por que não usou sua espada, mesmo sabendo que podia perder a luta, ao invés de mostrar-se covarde diante de todos nós?"

- "Se alguém chega até você com um presente, e você não o aceita, a quem pertence o presente?" - perguntou o Samurai.

"A quem tentou entregá-lo" - respondeu um dos discípulos.

"O mesmo vale para a inveja, a raiva, e os insultos" - disse o mestre. "Quando não são aceitos, continuam pertencendo a quem os carregava consigo. A sua paz interior, depende exclusivamente de você. As pessoas não podem lhe tirar a calma, só se você permitir..."

A autoria da estória ou História acima me é desconhecida. No entanto, a reflexão que suscita é inquestionável. Ela saltou na prateleira da minha memória quando vi reações irascíveis em redes sociais a colocações que fiz no espaço deste periódico.

Primeiro quero pontuar que considero a internet uma das mais extraordinárias criações da moenda humana. É inimaginável como seria o complexo das relações entre as pessoas, ante os desafios das modernas gerações, se não existisse essa aldeia virtual que nos coloca de mãos dadas sob a mesma tenda global.

Porém, esse instrumento fantástico de massificação da produção científica, esse fascinante armazém do conhecimento acumulado, essa fonte inesgotável de recursos – que deveria ser a ecumênica e sagrada montanha da fraternidade universal – ás vezes é transformado em uma verdadeira arena grega. Internautas viram gladiadores. Transformam-se em ferozes animais. Substituem a sociabilidade pela selvageria. Ao invés do debate, optam pelo deboche. No lugar da racional discussão, preferem a irracional agressão. Devemos procurar nos abster de dar reflexo a esse tipo de postura.

É nessas horas que vejo mais nitidamente a relevância da calma e da paciência. Calma e paciência! Ou... paciência e calma! Palavras que se completam.

A calma, que nasceu do Latim tardio (vejam a coincidência!), vem de cauma, “o calor do meio-dia (quando tudo fica quieto)”. Ou, do Grego kauma, “calor (principalmente o do sol)”, de kaiein, “queimar”.

Por sua vez, a palavra paciência –do Latim patientia, “resistência, paciência”, do verbo pati, “agüentar, sofrer”, derivada de addurare, ou durare, “durar, resistir, perseverar”, alterando-se depois o sentido para “suportar, agüentar”. E, aqui, vale lembrar que agüentar vem do Italiano agguantare, “segurar firme”.

No grego bíblico a paciência é conhecida como makrothumia, traduzida como “tardio em vinganças incorretas”. É uma palavra composta, consistindo em makros (longo ou grande) e thumia (temperamento). Assim, literalmente significa ter um "fusível longo" ao contrário de ser curto/rápido, temperamental. Daí o motivo de chamarmos as pessoas explosivas e que têm dificuldade de regular as próprias emoções de “pavio curto”...

Quando a intolerância bate à nossa porta, devemos aguentar firme, resistir, pois devolver de bate pronto é fácil. Deixar saltar o nosso urso interior é simples. Difícil, complexo, exigente e delicado é domar os ímpetos, resistir à imprudência, manter longo o fusível dos sentimentos.

Certamente foi nessa esteira que o duque de La Rochefoucauld elaborou o pensamento de que “a moderação das pessoas felizes deriva da calma que a boa fortuna dá ao seu temperamento”.

Paciência e calma. A paciência – ou o ato de suportar as adversidades e aguentar firme ante os solavancos da existência - pode ser vista como a ciência da paz; a calma – essa quietude que é produto da queima das gorduras temperamentais - é viver em concordância com a alma.

William Shakespeare dizia que “as águas correm mansamente onde o leito é mais profundo”. Ao contrário do que sugere a superfície do mundo, os calmos e pacientes são muito mais profundos!

(Júnior Bonfim, na edição de hoje do Jornal Gazeta do Centro Oeste, Crateús, Ceará)

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Paulo Nazareno deixou um novo comentário sobre a sua postagem "SOBRE CALMA E PACIÊNCIA":

O Livro Tibetano do Viver e do Morrer, de Sogyal Rinpoche.De todos os que lí,foi o que mais me modificou.

Este episódio que citas,o encontraras lá.

Carpe Diem.

PN.



Um comentário:

Paulo Nazareno disse...

O Livro Tibetano do Viver e do Morrer, de Sogyal Rinpoche.De todos os que lí,foi o que mais me modificou.
Este episódio que citas,o encontraras lá.
Carpe Diem.
PN.