terça-feira, 24 de julho de 2012

CONSIDERAI MIRAR O SOL



O carrossel da vida, o encarrilhamento das obrigações diárias, o acorrentamento à necessidade de cumprir prazos, o imperativo dos compromissos profissionais, a inafastabilidade da peleja permanente pela sobrevivência – constituem invariavelmente óbice à imprescindível abertura das asas da alma à liberdade do voo.

Por óbvio, isso nos impede de mirar seres, coisas, objetos e pessoas sem as peles artificiais que as revestem. O tsunami das convenções grupais é tão violento que faz submergir qualquer ilha de resistência ao roldão do lugar comum. Somos todos arrastados pelas caudalosas ondas que lavam o cérebro da coletividade. Pensamos conforme nos orienta a cartilha do grupo ao qual estamos filiados. Agimos segundo seu fascículo conceitual. Rezamos em sintonia com aquele catecismo imposto pelo núcleo religioso cujo fio de fé professamos.

Nesses tempos de campanha eleitoral aflora a convicção de que a política é uma das arenas em que mais veementemente explode esse ímpeto gladiador alimentado pela passionalidade. Tornamo-nos instrumentos desse combustível fóssil extraído do poço tubular raso dos interesses.

Deixamos de observar valores simplesmente porque quem os exibe não está na arquibancada do nosso time. Olvidamos de resaltar virtudes em razão dos protagonistas utilizarem carteiras de filiação diferenciadas da nossa. Descuramos reconhecer méritos em razão da origem ideológica de quem os ostenta.

Ninguém imagina quão grato fico quando recebo um telefonema cobrando a escritura desta Crônica. É que essa doce e solitária faina laboral no roçado germinal das letras me obriga a pensar, silenciar, meditar e sopesar. Impulsiona-me a deixar a caverna do cotidiano embaçador e perscrutar o vagalume do sonho. Força-me a mirar de frente o sol!

E, mirando a clareza solar, sentir o aroma inebriante do arco-íris da liberdade! Mergulhar entre os balseiros da essencialidade!
O fato é que, desse espaço introspectivo, às vezes fico impressionado com a fúria descomunal, a acidez verbal, o hálito de fogo que alguns costumam exalar no movimento de um prélio urnístico. Por que tanta dificuldade em controlar o tigre interior?

Nessa esteira, vez por outra, quando o nosso terreiro é iluminado por um relâmpago de lucidez, nos indagamos: temos mesmo que nos deixar levar pela correnteza do mundo? É inevitável sermos alcançado por esse redemoinho?

Consideremos que a resposta seja NÃO!

Consideremos a possibilidade de retirarmos a blusa. Caminharmos, cabelo ao vento, embalados pela sinfonia da natureza, sem chapéu, sem óculos, sem metal e sem enfeites. Contemplarmos a gratuidade mágica de pisar na terra nua, molhar os pés no primeiro pingo d’água encontrado.

Consideremos a alternativa de nos abstermos de pronunciar palavras vãs. Fazermos uma pausa na batalha. Contermos o espírito de contenda e apenas esparramarmos o átomo da admiração para festejar a querida presença da generosidade no nosso entorno.

Consideremos a abertura de uma concessão à benevolência. Consideremos compartilhar uma refeição temperada com os ingredientes da tolerância.

Consideremos, por fim, um gesto de afeto ao despojamento total, a busca de uma maior intimidade com o desapego. Consideremos uma inflexão rumo à sensibilidade, o ato heroico de admitir a ternura em nosso dia a dia. Consideremos mirar o Sol!

(Júnior Bonfim, na edição de hoje do Jornal Gazeta do Centro Oeste, Crateús, Ceará)

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