domingo, 9 de setembro de 2012

O BRASIL ABRE UM CAMINHO

Os devotos de São Tomé, que só acreditam vendo, começam a perder as apostas feitas com os devotos de São Judas Tadeu, o patrocinador das causas impossíveis.

Pois é, o santo que dá um jeitinho nas dificuldades começa a mostrar seu poder de milagreiro até na esburacada estrada da política. Vejam.

A justiça da Suíça autorizou a devolução aos cofres do Tesouro Nacional de US$ 6,8 milhões que estavam na conta do ex-juiz Nicolau dos Santos Neto.

Há poucos dias, o Grupo do ex-senador Luiz Estevão concordou em devolver à União R$ 468 milhões, que teriam sido desviados de verba pública para a construção do Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo.

O Supremo Tribunal Federal condena à prisão um ex-presidente da Câmara dos Deputados, a segunda autoridade na linha de sucessão da presidência da República. Pune também dirigentes de bancos por gestão fraudulenta. E continua a julgar o caso de “maior desvio de dinheiro público flagrado no Brasil”, dando sinais de que os culpados no processo que reúne 38 réus serão implacavelmente condenados.

No plano eleitoral, surpresas emergem. É o caso de São Paulo, onde um candidato com curto espaço na programação eleitoral, assume a liderança do pleito. As situações narradas evidenciam a tese de que, por estas plagas, tudo é possível. As cartas marcadas do baralho já não ganham o jogo. O país começa a respirar ares de modernização institucional.

Por modernização deve-se entender mudança de valores, atitudes e expectativas. Comporta, como ensina Samuel Huntington, aspectos relacionados a padrões de vida, mobilidade social e ampliação de conhecimentos por meio da educação. São inegáveis os avanços ocorridos em algumas áreas, apesar de ainda existirem imensos arquipélagos de atraso, particularmente na saúde e educação. Na frente da mobilidade, registra-se o ingresso de 30 milhões de brasileiros na classe C.

A modernização, portanto, soma conquistas em diversas esferas: educacional, econômica, ascensão social, com reflexos na política. Nesta, por exemplo, cria ondas de mobilização social, motivando os cidadãos a trocar velhos costumes por novos padrões de socialização e comportamento.

Intensifica-se o desejo de maior participação da sociedade no processo decisório, situação expressa nas pressões sobre a base política e na escolha mais criteriosa dos atores que farão a representação nos Parlamentos e Executivos.

Na paisagem retocada com as tintas da modernização, chama a atenção a multiplicação dos centros do poder. Antes restrito às Casas Legislativas e aos Executivos das três instâncias federativas (União, Estados e municípios), o poder político agora se refunde e se redistribui pela miríade de novos circuitos de representação – movimentos, associações, grupos, entidades em defesa de minorias, gêneros, etnias e categorias profissionais -, que passam a difundir propostas, a ocupar e a fazer barulho nos corredores dos Parlamentos e da administração pública.

Diz-se, com propriedade, que esta nova ordem política aproxima-se de uma meta ansiada pela sociedade contemporânea, qual seja, a democracia participativa. Mesmo que lhe faltem elementos para compor o escopo da democracia direta – como a defesa do ideal de toda a coletividade e não apenas a defesa de setores -, o fato é que os pulmões da sociedade brasileira estão recebendo uma lufada de ar fresco.

A racionalidade se expande na esteira de um processo de autonomia individual e grupal, pelo qual as decisões passam a ser iluminadas pela chama dos direitos humanos e por um acentuado sentimento de cidadania.

Sob essa nova textura, desenvolvem-se fenômenos e eventos que costuram a nova vestimenta institucional. Veja-se, por exemplo, o julgamento do mensalão. A essa altura, já é possível inferir que as decisões dos ministros da Corte Suprema determinarão mudanças no modus operandi da política.

Zelo e atenção para as regras são valores que, de imediato, se incorporam ao cotidiano dos representantes. Ganha força a tese de que nenhum político, do mais ao menos graduado, nenhum cidadão e nenhuma instituição, por mais poderosa que seja, estarão imunes aos olhos (atentos) da Justiça.

Um julgamento como o que envolve a Ação Penal 470, cuja transparência tem sido plena, tem o condão de resgatar a confiança social na justiça e contribui para jogar uma pá de cal na tese de que apenas os pobres vão para a cadeia.

O processo abrirá o debate sobre um ordenamento político estribado no dever moral. Debate que conduzirá o corpo político, também monitorado por novos pólos de poder, a promover os ajustes necessários para atender ao clamor de núcleos participativos e críticos. Sairão fortalecidos, também, as estruturas de defesa social, fiscalização, apuração e controle, que reúnem Ministério Público, Polícia Federal, Tribunal de Contas da União, Advocacia Geral da União, Procuradoria Geral da União, entre outras.

O próprio edifício do Direito recebe uma argamassa de prestígio, não apenas pelas aulas magnas proferidas pelos ministros do STF, mas pela expressão de brilhantes advogados que demonstraram suas qualidades.

Nunca se viu uma ação penal ser tão dissecada e submetida a um escancarado portal midiático, a partir da própria TV Justiça, o que propiciou um exame por “juízes” de outras instâncias, como políticos e operadores do Direito de todas as frentes.

A par desse evento, de simbolismo ímpar e de impacto extraordinário sobre a área política, constatamos, com alegria cívica, uma montanha de recursos retornando aos cofres públicos. Quantos brasileiros acreditavam nessa hipótese? Meia dúzia?

Fecha-se a narrativa com o eleitorado. Em algumas praças, mostra autonomia ao contrariar previsões e desmanchar hipóteses. Em São Paulo, põe na frente da corrida um perfil apartado da clássica polarização entre grandes partidos. O que explica isso? Pequena resposta: a galera das arquibancadas também quer impor regras ao time como faz o técnico.


(Gaudêncio Torquato)

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