terça-feira, 15 de janeiro de 2013

LIÇÕES DE UM ACIDENTE

A imprensa cearense noticiou, na semana pretérita, a ocorrência de um grave acidente envolvendo um ônibus, uma carreta e uma moto nas proximidades da cidade de Crateús.

Além de ter levado a óbito duas pessoas, o desastre ocasionou uma superlotação no hospital, porque dezenas de pessoas tiveram que ser atendidas. Esse acontecimento lamentável sacudiu a cidade, mobilizou a região e comoveu a todos.

Penso que, pelo menos, três lições podem ser extraídas desse evento fatídico: o imperativo de um trânsito civilizado, a força dos meios de comunicação e a eletricidade da ação solidária.

Em se tratando de trânsito, somos, indiscutivelmente e por maioria, uma população magnetizada pela imprudência. Os dados estatísticos assombram qualquer cidadão minimamente ponderado: cerca de 1,3 milhão de pessoas morrem no mundo anualmente em consequência de acidentes de trânsito. Só no Brasil, todos os anos, são aproximadamente 430 mil acidentes, com 619 mil feridos, 38 mil mortos. (é como se, diariamente, desaparecessem quatro cidades de Ipaporanga, que era o destino final do ônibus acidentado). Não por acaso a ONU (Organização das Nações Unidas) nomeou o decênio atual, iniciado em 2011, como a Década de Ação para a Segurança no Trânsito.

Essa mobilização cidadã, no sentido de sensibilizar motoristas, ciclistas e pedestres, que há de alcançar todo o tecido social, é urgente, prioritária, fundamental. Significa se deixar impregnar por aquela sensação inspirativa que levou Almir Sater a compor a música Tocando em frente: “Ando devagar porque já tive pressa/ Levo esse sorriso porque já chorei demais/ Hoje me sinto mais forte, mais feliz quem sabe/ Só levo a certeza de que muito pouco eu sei/ Eu nada sei/ Conhecer as manhas e as manhãs,/ O sabor das massas e das maçãs,/ É preciso amor pra poder pulsar,/ É preciso paz pra poder sorrir,/ É preciso a chuva para florir...”

A segunda lição com que esse lamentável episódio nos brindou foi com o potencial comunicativo dos tempos hodiernos. Os meios de comunicação social, sobretudo o rádio e a internet, protagonizaram uma extraordinária mobilização das pessoas de um modo geral e dos profissionais de saúde em especial para o desencadeamento daquela que foi a terceira lição: uma eletrizante ação de solidariedade.

Em que pese, no caso sob exame, a prática solidária tenha se resumido mais ao cuidado com as lesões que ofenderam a integridade corporal dos atingidos pelo acidente, ela é uma manifestação substantiva muito mais profunda.

A solidariedade pode ser resumida no impulso humano de incorporar, como suas, as principais manifestações do outro: a lágrima que escorre dos olhos, a dor que abre ferida na alma, a injustiça que queima o peito, a capacidade de semear esperança.

Emblemáticos homens, mitos e místicos, ou que simplesmente tocaram o arco-íris do horizonte da justiça humana, tiveram a existência temperada pelo vinho da solidariedade.

Che Guevara, o carismático rebelde, o sonhador contumaz que foi duro sem perder a ternura, deixou uma pedagógica carta escrita para seus filhos pequenos em que aconselhava a prática solidária: “Sobretudo, sejam sempre capazes de sentir profundamente qualquer injustiça praticada contra qualquer pessoa em qualquer parte do mundo. Essa é a qualidade mais linda de um revolucionário”.

Os cristãos elegeram uma simples junção de dois pedaços de madeira nos sentidos vertical e horizontal - a cruz – como símbolo excelso da união entre o celestial e o terreno. Pois, para Jesus, o Cristo, amar a Deus e ao próximo é o resumo de toda a sua boa nova.

Há alguns anos o escritor colombiano Gabriel Garcia Marquez destacou magistralmente o aprendizado que emana do verdadeiro espírito de solidariedade: “Aprendi que um homem só tem o direito de olhar um outro de cima para baixo para ajudá-lo a levantar-se”.

(Júnior Bonfim, na edição de hoje do Jornal Gazeta do Centro Oeste, Crateús, Ceará)

Nenhum comentário: