terça-feira, 23 de julho de 2013

APRENDER COM OS INIMIGOS


Narra a história que, em uma das guerras civis romanas, César derrotou Pompeu. Por nutrir grande admiração pelo contendor, uma das primeiras ordens de César foi para que fossem reerguidas as estátuas derrubadas do grande general abatido e morto. O gesto germinou em Cícero, memorável orador, a seguinte frase: “Ao reerguer as estatuas de Pompeu, César consolidou as suas”.

A rotatória mundana nos impede de tratar, com o signo do respeito, os que miram o mundo com lentes diferenciadas das nossas. No espaço conturbado da política, especialmente, somos tentados a rechaçar toda e qualquer análise oriunda dos círculos adversários. Os governos, de uma maneira geral, têm enormes dificuldades de aceitar a palavra contrária; com isso, abdicam de respirar o ar livre da renovação e da superação. Não devia ser assim. Ao repelirmos as observações divergentes, sem deixar que elas passem pela peneira da nossa consciência, perdemos uma grande oportunidade evolutiva.

O filho do carpinteiro José, dito Nazareno, argumentou certa feita: se fizerem o bem apenas aqueles que são bons com vocês, que méritos tereis? Até os publicanos agem assim...

Aprender com os inimigos... Eis um grande desafio, sobretudo para aqueles que ocupam cargos de mando, de comando, de direção. O poder temporal, quanto mais forte e ostensivo, mais impulsiona os que o exercem à busca da facilidade, geralmente traduzida no apego à pseudo unanimidade, no culto ao absolutismo, na prática da intolerância com a divergência.

Quão bom seria se os que ocupam os tronos soubessem recolher as lições que emergem dos que os denunciam!

O pensador grego Plutarco escreveu um tratado ensinando ‘Como Tirar Proveito dos Seus Inimigos’. Vejamos uma das suas observações:

"A água do mar é pouco potável e tem um gosto ruim; mas sustenta os peixes, favorece os trajetos em todos os sentidos, é uma via de acesso e um veículo para aqueles que a utilizam. O fogo queima quem o toca; mas fornece luz e calor, serve a uma infinidade de usos para aqueles que sabem utilizá-lo. Examina igualmente teu inimigo: esta criatura, de um outro lado, nociva e intratável, não dá, de alguma maneira, ensejo de ser útil? Não pode prestar-se a algum uso particular?"

No magistério de Plutarco, “as partes de nossa vida que são doentias, fracas, afetadas atraem nosso inimigo (...) Isso nos obriga a viver com cautela, a prestar atenção em si, a nada fazer nem nada dizer estouvada e irrefletidamente”.

Em uma peroração atualíssima sobre o risco do raciocínio totalitário, conta que, "quando pensavam e diziam que o poderio romano estava fora de perigo (após a destruição de Cartago e a sujeição da Grécia)", Nasica, político de então, advertiu: "Pois bem, é agora que estamos em perigo! Porque não sobraram rivais... que possam nos inspirar vergonha ou medo".

Noutro giro, advertindo para a necessidade de distinguir amigos de bajuladores, o livro sustenta que devemos ficar atentos a quem só nos cobre de elogios e sempre concorda com nossas opiniões: "O bajulador é inteiramente semelhante ao camaleão, que pode assumir todas as cores exceto a branca."

Segundo Plutarco, a semelhança dos gostos está na origem da amizade, enquanto o bajulador a dissimula: "O que fundamenta antes de tudo a amizade é a identidade dos regimes de vida e a semelhança dos costumes; e, geralmente, a similitude dos gestos e das aversões é a primeira coisa que nos liga e nos prende, através das sensações. O bajulador percebe-o perfeitamente; e, como um objeto que se talha, ele se transforma e se modela, adaptando-se e conformando-se, por imitação, àqueles de quem procura ganhar o coração."

"Visto que hoje a amizade só eleva fracamente voz, quando se trata de falar com franqueza, e que, verbosa na lisonja, é silenciosa nos conselhos, é da boca de nossos inimigos que, às vezes, é preciso ouvir a verdade".

Plutarco recorre a outro filósofo grego, Xenofonte, para resumir o pensamento exposto em seu pequeno ensaio: “É próprio de um homem ponderado tirar proveito de seus inimigos”.

Os inimigos, reflete Plutarco, como que nos obrigam a andar pela linha reta, uma vez que seus olhos estão continuamente sobre nós, ávidos por captar nossas faltas e propagandeá-las. Eles exercem uma espécie de censura benigna sobre nós. Impedem-nos de sermos moralmente frouxos.

Em Diógenes, outro cultuado produto do pensamento grego, Plutarco busca a citação para mostrar o ponto central de sua tese: “Como me defenderei contra meu inimigo? Tornando-me, eu próprio, virtuoso”.

(Júnior Bonfim, na edição de hoje do Jornal Gazeta do Centro Oeste, Crateús, Ceará)

Um comentário:

Manoel veras disse...

Parabéns amigo Júnior. Você, com o seu talento nato no unir das letras nos orgulha. Abs.