quinta-feira, 29 de agosto de 2013

REVENDO GONZAGÃO NOS VERSOS DE DIDEUS SALES


Falar a respeito da obra monumental de Luís Gonzaga é tarefa das mais desvanecedoras, posto que trata-se de personalidade que deve ser inscrita entre os gênios da música popular brasileira com raízes fincadas nos adustos sertões nordestinos. A música de Gonzaga e seus parceiros foi haurida no solo seco dos sertões do Meu Padim Ciço e de Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião, mas paradoxalmente fértil para inspiração de quem nos proporciona a imensidão de muitos sonhares através da musicalidade de sua sanfona e de seu canto que encanta e protesta.

Todavia, encantamento redobrado é quando nos deparamos com poeta cantando e contando a história de outro poeta. Dideus Sales, poeta forjado sob o sol escaldante dos sertões do Crateús, onde o vento de Aracati já chega cansado e morno lá pelas horas décimas da noite, hoje habita na beira do mar da própria Aracati, berço de inspirados poetas, onde ele foi buscar vendavais de inspiração, mercê da qual nos tem oferecido para libações literárias, um poesia cuja relevância sonora e rítmica o inscreve entre os grandes nomes da poesia popular brasileira.

Neste ano em que se comemora em todos os quadrantes do Brasil, o centenário de nascimento de Luís Gonzaga, sanfoneiro insuperável e cantador inconfundível, eis que o poeta Dideus Sales dedilha sua lira e em versos cheios de fervor e melodia, conta a vida do filho de Januário, num preito de ímpar homenagem àquele cuja voz soa à audição do povo nordestino como um hino perene de estímulo à resistência e à luta pela liberdade e pelo direito inalienável a uma vida digna.

Os que somos nordestinos, comprometidos com os valores mais firmes e autóctones da raça sertaneja, rude e quase nômade, que ainda agora, em pleno século XXI se debate diante de uma seca atroz, cantamos dolentemente a “Asa Branca”, a “Triste Partida” enquanto reafirmamos a crença em que “seu doto uma esmola a um homem que são ou lhe mata de vergonha ou vicia o cidadão”.

Esta sertanidade, a um tempo cheia de langor e de um sentimento de inquebrantável resistência diante das agruras da vida, se faz presente tanto na obra musical de Luís Gonzaga, quanto na obra poética de Dideus Sales. Quero crer que esta irmanação de espírito é a fonte de onde fluiu a inspiração que se faz presente nesta breve biografia versificada que ora Dideus nos presenteia.

Repito à saciedade quão belos são a poética e a música que emanam da criação desses dois artistas. E não descuro do fato – assim o entendo – que o chão crestado do Crateús e do Exu que os viu germinar, bem como o sol escaldante que lhes deu a luz que os faz brilharem além dos limites da nordestinidade, contêm a força que se esparge sobre todos nós através da imaginação aguçada pela Poesia. Dideus vai além dos limites de sua capacidade criativa toda vez que escreve. Desta feita, intuído pelos sonhos gonzagueanos e introjetado dos mais profundos desejos que o sertão desperta, não foi diferente. Temos uma obra poética para se ler e reler prazerosamente.

Barros Alves - Jornalista - no Jornal O ESTADO de hoje

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