quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

CÉSAR VALE



No dia 30 de novembro de 1895, ao proferir mais uma de suas primorosas peças de oratória, em solenidade realizada no maior órgão de imprensa à época – o Jornal do Comércio - Ruy Barbosa assim inicia: “SENHORES: Em um desses processos famosos, cujos autores a história arquiva, o interrogatório começou por este diálogo entre o réu e o presidente do tribunal: ‘- Acusado, vosso nome? - Francisco Renato, Visconde de Chateaubriand. – Vossa profissão? – Jornalista. ’ É deste modo que se qualificava, em 1833, à barra do júri, o grande poeta, o grande artista, o grande regenerador literário, o maior dos modernos escritores franceses, o homem que escrevera O Gênio do Cristianismo, traduzira Milton e arrostara Bonaparte. Tão múltipla era a sua atividade, em tantas esferas da inteligência era primaz o escritor, o historiador, o diplomata, o administrador, o antigo par de França, tantos títulos tinha, e de todos se esqueceu, para se condecorar, perante os seus juízes, com o de simples jornalista”.

Fazia Ruy esse intróito para externar o frescor de encanto que o sacudia por se encontrar na condição de confrade no círculo ilustre dos homens de imprensa de sua geração, mercê da distinção que lhe era conferida. Três foram os púlpitos em que o genial baiano forjou sua trajetória: nas páginas da Imprensa, nas barras dos Tribunais e na Tribuna do Congresso. A Liberdade, o Direito e a Justiça foram a trinca de unidade que abrasou sua vida laboriosa. De todas, porém, o jornalismo era a estrela mais radiosa: "E jornalista é que eu nasci, jornalista é que eu sou, de jornalista não me hão de demitir enquanto houver imprensa, a imprensa for livre, e este resto de liberdade nos indicar que a pátria respira".

Dedilho estas sílabas sob a envolvente brisa da Serra das Matas, onde estou por dever de ofício. Aqui, no antigo Arraial da Telha, hoje Monsenhor Tabosa, nasceu em 07 de outubro de 1939, filho de Antônio do Vale Filho e Ignez Aguiar Vale, um jornalista de nome nobre e filiado à plêiade de Chateaubriand e Ruy: Sebastião César Aguiar Vale!

Em verdade, pouco tempo depois do seu nascimento, a família foi residir em Crateús, cidade que o acolheu como filho e à qual está sentimental e literalmente filiado. Na terra do Senhor do Bonfim, desfrutou os anos doirados da infância, brincando de jogar pião e castanha, pega-pega, “mãos ao alto”, pitéu recheado de cera de abelha e enfeitado com tampinhas de refrigerantes e muitas outras travessuras. Teceu o linho de inúmeras amizades nessas manhãs memoráveis e armazenou, na caixa de memória da alma, fatos que hoje recompõe nas páginas da Gazeta do Centro Oeste, noticioso que compila sob a linotipia do coração e que transformou no mais longevo periódico das tórridas plagas do Poty.

Discípulo de D. José Tupinambá da Frota no Seminário de Sobral, meditou por boa estação pelos pórticos eclesiais, onde apreendeu a sabedoria monasterial e se enamorou do Latim, cujas locuções essenciais acalenta com habilidade oracular. Serviu como acólito na Igreja Matriz de Crateús quando era vigário o Padre Bonfim. Com o desassombro de um bandeirante da fé, peregrinou muitas vezes na garupa da moto do meu parente sacerdote em incursões missionárias, visitas pastorais e, em especial, para levar aos enfermos o sacramento da extrema unção, costume da época. Por falar em moto, no vigor dos seus dezessete anos um trágico episódio testaria sua força e resistência. Atropelado por uma motocicleta na Praça do Mercado, próximo à atual Rádio Educadora, amargou pesado choque em uma das pernas, que foi fraturada em três partes. Encaminhado para Fortaleza, em 1957, ficou meses internado na antiga Policlínica sem conseguir a reabilitação. Para agravar a situação, os seus rins foram seriamente afetados por enormes cálculos renais. Teve que buscar auxílio médico no Hospital das Clínicas, na cidade de São Paulo, onde permaneceu por um ano. Nesse hospital, enfrentou duas cirurgias: uma nos rins - que lhe deixou uma marca permanente - e outra na perna fraturada, inclusive com enxerto no calcanhar. Como um indomável guerreiro, de tudo se reergueu altivo para sorver o cálice da superação.

Em Fortaleza, onde se estabeleceu depois dessa batalha, laborou por muitos anos em atividades comerciais e se bacharelou em Jornalismo pela Universidade Federal do Ceará. Seu pendor jornalístico reluziu nas páginas do renomado Jornal O Povo.

Desde que retornou a Crateús, com um cetro de bravura, resistência e heroísmo mantém de pé o Jornal GAZETA DO CENTRO OESTE, circulando quinzenalmente pelos mais longínquos rincões da nossa pátria verde-amarela, azul e branca. Já enfrentou pesadas tempestades. Sua pena, não raro, vira uma peixeira afiada para lavar a honra da cidadania aviltada ou uma simples palha de carnaúba, que desdenha com incomparável ironia a arrogância fútil dos espíritos medíocres.

Degustador de vinhos e livros, aprecia a boa prosa e o convívio fraterno, sobretudo com a família. Do primeiro enlace matrimonial com Leda Montenegro Vale (in memorian), é pai de Maria Tereza, Claudio César e Danielle. Com Leudinha, atual esposa, rejuvenesceu o coração ao ver nascer Tereza Danielle, que enche de enlevo o cotidiano do casal.

Ave, César, militante da audácia, imperador da fortuna que a traça não corrói, atleta que conduz a pira olímpica do jornalismo combatente, oleiro que manuseia a argila preciosa do pensamento libertário, talentoso escriba das sílabas independentes! Ave, César, conserva teu reino: uma invisível gleba de terra, escriturada em papel real e virtual, que acolhe o brado do mundo e faz germinar gitiranas de luz!

(Por Júnior Bonfim, publicado na edição de Janeiro/09 da Revista GENTE DE AÇÃO)

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