sexta-feira, 23 de abril de 2010

GILMAR MENDES SE EXPÕE A BOMBARDEIO PELO YOUTUBE

Entrevista coletiva, todo jornalista sabe disso, costuma ser das coisas mais entediantes do mundo. Imagine, então, uma entrevista coletiva feita pela internet, com 956 internautas no papel de entrevistadores? Pois se faltou alguma coisa na entrevista do presidente do STF pelo Youtube, na última sexta-feira (16/4), foi tédio. E sobrou emoção. Houve de tudo um pouco — perguntas agressivas, incômodas, encomendadas, nenhuma combinada antes ou para afagar o entrevistado. O ministro Gilmar Mendes respondeu a todas, sem perder a calma. Quem não viu, ainda pode ver pelo canal do STF no Youtube.

A entrevista se inclui na programação de atos que marca a despedida do ministro Gilmar Mendes da presidência do Supremo Tribunal Federal. E coroa a política de comunicação da corte sob sua gestão, baseada na contínua busca pela transparência e pelo contato com a sociedade, dispensando intermediários. Feita através do canal de vídeos que o Supremo tem no Youtube, a entrevista seguiu o modelo da que foi concedida pelo presidente americano Barack Obama, dos Estados Unidos, logo após sua eleição para o cargo. E não se tem notícia de outra semelhante.

Durante uma semana os internautas puderam registrar seus questionamentos pela internet, sobre onze temas pré-estabelecidos. Os internautas podiam também votar nas perguntas que achassem mais interessantes. Depois de cinco dias, 956 internautas registraram 408 perguntas e 12.425 votos nas suas preferidas. As 11 mais votadas foram levadas para a entrevista transmitida pelo Youtube na tarde de sexta-feira (16/4). As perguntas foram selecionadas pelo Google, que administra do site de vídeos, sem interferência da TV Justiça ou do STF.

Para começar, Daniel Dantas e De Sanctis. Em vez de uma, o ministro teve de dar respostas para seis perguntas que rememoraram e questionaram seu comportamento no transcorrer da operação da Polícia Federal que ficou conhecida como Satiagraha. Lembram-se? Denunciado pela tentativa de suborno contra um delegado da Polícia Federal, o banqueiro Daniel Dantas foi preso temporariamente por determinação do juiz Fausto Martin De Sanctis, da 6ª Vara Federal de São Paulo. Um pedido de Habeas Corpus com liminar para sua libertação chegou às mãos do ministro que o deferiu. Dantas foi solto e em seguida nova ordem de prisão — desta vez, provisória — foi emitida pelo juiz De Sanctis e cumprida pela PF. Novo pedido de HC foi julgado e deferido pelo ministro Gilmar Mendes.

Os internautas não usaram meias palavras para perguntar: o senhor desrepeitou o juiz De Sanctis... foi criticado pelos próprios colegas do Supremo... Só o senhor está certo? Qual a prova que o senhor aceitaria para manter na prisão o banqueiro condenado a 10 anos por corrupção? Por que a Justiça dos EUA levou seis meses para prender o Madoff e aqui Justiça deixa solto o Daniel Dantas que foi condenado a 10 anos de prisão?

Gilmar Mendes lembrou que sua posição no caso foi respaldada e confirmada pelo Pleno do STF. Falou do Sistema Jabuticaba, que só existe no Brasil: “um sistema em que um ministro da suprema corte está jungido à decisão de um juiz de primeiro grau e que um juiz de primeiro grau pode desrespeitar uma decisão do STF”. Lembrou que, ao contrário do que sai nos jornais, o STF não dá Habeas Corpus apenas para os ricos: “No ano passado o Supremo concedeu 18 Habeas Corpus em casos de bagatela”.

Fez uma cronologia dos fatos na segunda prisão de Daniel Dantas para demonstrar a existência de um consórcio entre o juiz, o delegado da PF e o promotor: o Habeas Corpus libertou o banqueiro às 23h; às 5h ele saiu da prisão; às 9h ele foi intimado para prestar depoimento e as 14h estava preso de novo. “Prova que antes da decisão do Supremo já se preparava a nova prisão, combinada entre juiz, delegado e promotor.”

As trapalhadas do delegado Protógenes Queiroz, cujo nome não é pronunciado mas que foi o primeiro encarregado de conduzir as investigações contra o banqueiro Daniel Dantas, voltou à tela quando uma pergunta abordou a questão do suposto grampo de uma conversa do presidente do Supremo com o senador Demóstenes Torres. Gilmar lembrou então que mais de 80 agentes da Abin, a Agência de Inteligência do governo federal, foram empregados em função policial completamente estranha a suas atribuições funcionais.

Outra pergunta para provocar o ministro: o foro especial para políticos corruptos não é um incentivo à impunidade? O ministro diz que é a favor do foro especial desde que isso não rime com impunidade. “É preciso dar uma dinâmica ao processo criminal, quer ele tramite no Supremo ou no primeiro grau”. E contou que o STF conta hoje com um juízo de instrução para dar dinâmica aos processos criminais da corte. “Falhas nas Justiça criminal existem e o CNJ fez deste 2010 o ano da Justiça Penal.”

Outra pergunta foi direto no corpo do presidente do ministro. “Ano passado uma revista afirmou que o 'senhor foi coronelzinho durante muitos anos em Diamantino, elegendo e reelegendo pessoas de sua confiança para beneficiar sua família'”. Gilmar Mendes respondeu à altura: “Esta publicação se qualifica como uma digna pistolagem jornalística e fez uma série de ataques a mim.” Esclareceu que só participou da eleição de seu irmão para a prefeitura da cidade quando era advogado-geral da União. “Meu bisavô foi desembargador em Mato Grosso, nunca tive capangas, minha família nunca se envolveu com a violência.”

Outra pergunta coloca o presidente do STF como voz da “direita conservadora brasileira”. Gilmar Mendes responde com alguns dos feitos à frente do Supremo: temos defendido um sistema eficiente de saúde pública para todos; avançamos no que diz respeito à fidelidade partidária; editamos a súmula das algemas, que passou a evitar abusos notórios; lançamos no CNJ o mutirão carcerário que beneficiou 20 mil presos com a liberdade; na falta de assistência judiciária, lançamos a advocacia voluntária. Isso é política de direita conservadora?

Mais uma vez foi interpelado com a expressão de que juiz só deve falar nos autos. “O que é falar nos autos quando se tem uma missão institucional?” Para o presidente do STF, afirma Gilmar, não existem autos. Existe, sim, a obrigação de se manifestar em questões institucionais e políticas. “O presidente do STF enquanto chefe de um poder da República, tem uma missão institucional. Ele trata de processos e trata de política. Quando diz que a Constituição tem de ser respeitada e que não pode haver invasão de terra ele está em sua missão política e para isso não tem autos, não tem processo.” Aliás, era isso que ele, em sua última semana como presidente do Supremo Tribunal Federal, estava fazendo naquela tarde de sexta-feira.

(Fonte: CONJUR)

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