sábado, 29 de maio de 2010

ABPAT

Quando cruzava as veredas da infância em busca dos alpendres onde repousavam as prosas caseiras, tinha por hábito dedicar atenção especial aos mais sábios – que, àquela época, confundiam-se com os mais velhos. Estes, a rigor, tinham a alma maturada na moenda da experiência. Costumavam extrair ensinamentos existenciais até das empreitadas triviais.

Dentre as pérolas de sapiência que jorravam da bica d’água da vida, uma ainda hoje me chocalha os tímpanos. É a de que a correta grafia do Escritor Sagrado, Aquele que lapidou o Livro do Universo, costuma ser desenhada com letras enviesadas.

Encontro nos galhos da minha própria árvore familiar um exemplo dessa assertiva: há vários ramos da família Bonfim acometidos por uma ataxia degenerativa. (Segundo pesquisadores, Ataxia, do grego ataxis, quer dizer sem ordem ou incoordenação, é um sintoma, não uma doença específica ou um diagnóstico. Significa a perda de coordenação dos movimentos musculares voluntários; é um termo que cobre uma grande variedade de desordens neurológicas e, portanto, pode fazer parte do quadro clínico de numerosas doenças do sistema nervoso. A ataxia pode afetar os dedos, as mãos, os braços, as pernas, o corpo, a fala ou o movimento dos olhos. A que afeta parte da família é autossômica dominante, de início tardio e lenta progressão. Primeiramente é caracterizada por um prejuízo gradual da coordenação motora, resultante de disfunção e degeneração do cerebelo, podendo haver também um comprometimento da retina).

Pois bem. Em meio a esse delicado problema – que poderia ser um fator de distanciamento dos membros do clã – surgiu a idéia de constituição de um objeto de agregação: a Associação Beneficente em Prol de Portadores de ATAXIA (ABPAT), que nasceu em Crateús mas que tem no Distrito Federal (a segunda maior colônia de membros da família no País) o seu núcleo mais expressivo.

Mensalmente, a ABPAT-Brasília se reúne. Presente em uma dessas reuniões, vi o Eduardo Rodrigues, filho do saudoso “Tio Janjão” e da dona Mariinha, compartilhar um depoimento comovente. (Além de graduado funcionário do Banco Central do Brasil, Eduardo Paula Rodrigues, Presidente atual da Instituição, é atleta profissional, exímio maratonista, com participação em destacados certames nacionais e internacionais. No domingo, 30 de maio de 2010, corre representando o Brasil na África em uma maratona de 90 km). Disse Eduardo que a Associação era, para ele, algo muito caro, pois ali conseguira uma inimaginável aproximação fraterna com muitos familiares antes até desconhecidos. Os encontros mensais, além de espaço de debate sobre as Ações associativas, são também momentos de lazer e descontração.

Anualmente, ocorre uma festa dançante, na modalidade forró, que se realiza nas dependências do Clube Pandiá Calógenas, no Setor Militar Urbano de Brasília. Mais que um evento da família, é uma congregação de conterrâneos cearenses, em especial de Crateús. Este ano o calendário assinalou o 12º forró consecutivo. A atração principal foi o sanfoneiro crateuense Edilson Vieira, que abriu sua participação tocando o Hino Nacional Brasileiro e, na seqüencia, a música “Sou de Crateús”:

Sou de Crateús, cidade maravilhosa/ Terra de mulher cheirosa e de cabra trabalhador/ seu Padroeiro é Nosso Senhor do Bonfim/ Que além de nosso Padrinho é nosso Santo Protetor.

Minha cidade, Crateús é uma beleza/ Parece que a natureza combinou com a mão divina/ a Serra Grande é cortada pelo Poty/ Que deságua no Piauí e vai banhar a Teresina/


A festa foi um sucesso! Como bem-sucedido, a despeito das adversidades, é o trabalho filantrópico da ABPAT, levando o conforto da palavra, a mão caridosa, os bens indispensáveis e o afeto espiritual para os parentes necessitados.

Recordo as exatas palavras dos sábios da minha tenra idade: “Deus escreve certo por linhas tortas!”

(Júnior Bonfim - na edição de hoje do Jornal Gazeta do Centro Oeste, Crateús, Ceará)

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