quinta-feira, 20 de maio de 2010

RISCOS REFERENCIAIS

Volto aos barrancos de minha infância,
Às gitiranas doiradas que me abençoaram,
Às veredas escuras que me deram a luz,
Aos frondosos mufumbos que me perfumaram,
Ao estrume azul do velho Curral,
Ao piso vermelho do amendoim original
E retomo as essenciais interrogações
Que só a mim me interessam:

- De que argila fui moldado?

- Qual o húmus que sustenta minha canafistula pessoal?

- Onde aportarei em minha errante caminhada?

Se ainda estou sem resposta,
Pelo menos um alento de carnaúba carrego,
Do drama que minha tia Dalva nunca escreveu
Do alforje curado no couro dos Vieiras
Do som do pífano do compadre Pedro Cabloco:

Dos três que passaram e do derradeiro que ficou
Uma lição recolhi, uma tocha se acendeu,
Uma lamparina permanece me alumiando a alma:

Hoje sou outro!


(...)

Daquele Mondubim branco, minifúndio da alma,

Onde abri os olhos para os espasmos da vida

Recordo ainda o corpo imponente do vovô Tetero,

O benjamim eternamente verde e meditativo,

O olor do gado insubmisso, a risada dos tios,

A meiguice da vovó com o cuscuz de cada dia,

Os jovens destemidos montando os alazões elegantes,

A freqüência desprendida dos visitantes,

As barras de doce consumidas às escondidas,

O esparramado sol matinal de domingo,

As poucas flores que nunca beijei,

Os festivais de teimosia dos familiares,

A lesma reacionária grudada no pulso de alguns,

O racismo estúpido se enredando nas veias,

A alegria que bailava no olhar das donzelas,

O ritmo contagiante do fogo crepitando,

A carne conservada na gordurosa lata

E as tardes embriagadas de sorriso e paciência.


(Júnior Bonfim)

Nenhum comentário: