quarta-feira, 30 de junho de 2010

MARINA CANDIDATA


A candidatura da senadora Marina Silva para a Presidência da República em 2010 foi recebida com entusiasmo por ambientalistas e por um setor não desprezível da classe média. Salvo engano, ela é a primeira candidata do Acre à Presidência.

Isso, por si só, é surpreendente. Mineiros, gaúchos, nordestinos, paulistas e cariocas já exerceram o cargo de primeiro mandatário do país. Que uma humilde acreana seja candidata a esse posto máximo, é algo que não pode ser minimizado, muito menos desprezado.

O Acre foi um território boliviano até 1903, quando foi conquistado por seringueiros nordestinos, esses "caboclos titânicos que ocuparam e povoaram o deserto", segundo Euclides da Cunha.

Da seringueira da Amazônia foi extraída a borracha, que, entre 1880 e 1915, alimentou vários setores da indústria europeia e norte-americana. O trabalho nos seringais era um inferno. O próprio Euclides, que viajou pela Amazônia em 1905, escreveu uma frase lapidar sobre o seringueiro: "é um homem que trabalha para escravizar-se".

Marina Silva nasceu no interior do Acre, conheceu o trabalho árduo nos seringais, "a mais criminosa organização de trabalho", para usar as palavras de Euclides, cujo livro póstumo, À margem da história (1909), reúne seus ensaios amazônicos.

À semelhança de Lula, Marina é uma brasileira que veio do mundo dos desvalidos. Mas, ao contrário do atual presidente, ela frequentou uma universidade, diplomou-se, e não migrou para uma metrópole do sudeste. Permaneceu no Acre, onde militou numa Pastoral da Terra e fez uma notável carreira política como militante do PT. Não menos aguerrida é sua luta pela preservação do meio ambiente. Ou melhor, pelo uso dos recursos da natureza em equilíbrio e harmonia com o sistema produtivo.

O desenvolvimento sustentável é um desafio à imensa maioria dos países, e não apenas os da periferia. Basta lembrar que George W. Bush, quando presidente dos Estados Unidos, ignorou, com a arrogância que lhe é peculiar, o Tratado de Kioto. O desenvolvimento a qualquer custo pode ser ― e em vários aspectos já é ― catastrófico para o futuro da humanidade.

Descontente com a política ambiental do governo Lula, a senadora Marina Silva filiou-se ao Partido Verde. Sua candidatura à Presidência certamente ofuscará a dos candidatos de outros partidos pequenos, a maioria totalmente inexpressivos. Mas ela deverá enfrentar as contradições, incoerências e até mesmo aberrações de seu novo partido, que fez alianças com o governo do Mato Grosso, cuja política ambiental é, no mínimo, desastrosa.

Falta ao Partido Verde um programa detalhado e claro sobre as grandes questões nacionais. Além da devastação da floresta e da poluição dos rios, há outros problemas gravíssimos na Amazônia: a pobreza, a miséria, o desemprego e a ausência de infraestrutura nas capitais da região.

Além disso, o PV é frágil e esgarçado. Não tem densidade eleitoral nem representatividade nos estados e municípios. Talvez não seja possível reestruturar o partido e estabelecer uma relação orgânica entre um projeto de governo e a sociedade. Essa relação será difícil de ser construída em pouco tempo.

Mesmo se Marina Silva for eleita, seu primeiro grande desafio será a governabilidade. Como o PV vai obter uma maioria no congresso nacional? Com minoria no congresso, é impossível governar. É nesse momento que a chantagem e a barganha por cargos entram escancaradamente em cena e minam as boas intenções de qualquer Presidente da República.

Ainda assim, a candidatura da senadora do Acre é bem-vinda, pois dá substância ao debate eleitoral, além de ameaçar ou, quem sabe, desarmar a polarização entre tucanos e petistas. No entanto, penso que o mais urgente para o país é uma mudança radical do nosso sistema político. Entre outras coisas, essa reforma profunda deveria extinguir a imunidade parlamentar, que rima muito bem com a impunidade vergonhosa de deputados e senadores de todos os partidos. Mas são eles que legislam conforme a dança e as cores da festa. Verde, vermelha, azul ou amarela, pouco importam as cores. O que interessa é a festa. Ou a farra, para ser mais exato.

(Milton Hatoum)

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