segunda-feira, 7 de junho de 2010

O TRISTE ARCANO

Lamento a sorte que me faz poeta,
Não que eu engenhe divinais canções;
Poeta n’alma cuja dor secreta
Do peito faz-me rebentar vulcões!...
Tenho um segredo que na fria lousa
Comigo à terra deverá baixar;
No peito guardo-o, pois ali repousa
O triste arcano que me faz penar.

Embalde tenho consumido os anos
Em falsas cismas... em penar sem fim;
Não saiba o mundo, de fatais enganos,
Aquele arcano... que só cumpre a mim!
A campa gélida comigo desça.
São desventuras que convém calar;
Basta que eu saiba-o (2) e que Deus conheça
O triste arcano, que me faz penar.

Dize-lo aos homens... não no (3) quer o peito;
Que importa aos homens o segredo meu?
Soubera-o o anjo... se não fosse afeito
Àquelas juras... como o penso eu.
Porém os anjos não perjuram... minto!
É triste a cisma que me faz chorar!
Do peito viva no fiel recinto
O triste arcano, que me fez penar.

Feliz julgai-me! Não no sou, por certo!
Anri meu peito, vê-lo-eis de dor
Contudo, enfermo, qual baixei incerto,
Lançado às rochas por um mar de horro.
Segredo infausto que, talvez na campa,
Meus curtos dias me fará murchar!
E a lousa (4) apenas saberão que estampa
O triste arcano, que me faz penar.

Rireis! – qu’importa – não permita o fado
A sorte, um anjo, ou a mulher, ou Deus
Que o peito vosso, qual o meu, penado
Concentre males como os males meus.
Males que pode desfazer somente
Um riso d’anjo... de mulher falaz... (5)
Mas não que a fala, que o sorrir desmente
O triste arcano, que me faz penar.

Corram meus dias lacrimosos, mestos, (6)
Julgem-me os homens, por demais feliz;
Fruindo julguem-me prazeres festos, (7)
E ocultem versos o que o rosto diz!
Comigo – aos sorvos – beberei meus males
Até meus dias, meu viver findar;
Nem leve a brisa pelos amplos vales
O triste arcano, que me faz penar.

Embalde tenho consumido os anos
Em falsas cismas... em penar sem fim;
Não saiba o mundo, de fatais enganos,
Aquele arcano... que só cumpre a mim!
À campa gélida comigo desça:
Basta que eu saiba e que Deus conheça
O triste arcano, que me faz penar.


Comentários:

1) Arcano. Segredo profundo. É o latim arcanu, secreto, oculto.
2) Que eu saiba-o. Na tempo em que José Coriolano escreveu ainda não estava disciplinada a colocação dos pronomes átonos.
3) No. Nos clássicos, principalmente, o pronome átono, acusativo de 3ª pessoa, o, a, os, as assume, por assimilação, a forma no, na, nos, nas, depois de vozes nasais.
- Viam-no chegar.
- Não na deixariam prear impunemente (Rui).
- Que não sabe a arte, não na estima (Camões).
No português de hoje, depois de bem, não e quem, vai desaparecendo o modelo clássico: não o desejo, por exemplo.
4) Lousa.
5) Falaz. Que engana intencionalmente.
6) Mestos. Tristes.
7) Festos. O mesmo que festivos. Pronúncia aberta (fés).


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JB,que presente!Temos um Camões bem aqui ao lado.

Paulo Nazareno

2 comentários:

Anônimo disse...

JB,que presente!Temos um Camões bem aqui ao lado.

Paulo Nazareno disse...

não foi um "anônimo"JB;fui eu.