terça-feira, 20 de julho de 2010

FICHA LIMPA?!


Este ano o maior espetáculo futebolístico da terra, a Copa do Mundo, nos familiarizou com a África do Sul. Acendeu-nos a lamparina da emoção ver, em especial, o mais espiritualizado líder político do planeta, Nelson Mandela, saudar a sua gente no encerramento do evento.

Ao liderar um extraordinário movimento que libertou sua pátria dos grilhões do preconceito, Mandela inscreveu seu nome na lápide sagrada da história. Ricardo Stengel, repórter americano, conviveu durante anos com o líder sul-africano na consecução de um projeto biográfico. Escreveu “Os Caminhos de Mandela – lições de vida, amor e coragem”, um livro encantador que elenca as principais lições existenciais extraídas da trajetória heróica do homem que exterminou a apartação entre negros e branco sul-africanos.

Em determinado trecho livro, Stengel registra: “Alguns chamam de cegueira, outros de ingenuidade, mas Mandela considera quase todo mundo virtuoso, até prova em contrário. Ele começa com a suposição de que você está lidando com ele de boa-fé. Acredita nisso – assim como fingir que ser corajoso pode levar a atos de coragem real – julgando que o que há de bom nas outras pessoas melhora as chances de que revelarão o melhor de si. É extraordinário que um homem que foi maltratado a maior parte da sua vida possa tanto ver o que há de bom nos outros”.

Veja o que há de bom nos outros. Esse é o título do capítulo onde se lê a reflexão acima.

Vivemos uma quadra delicada da existência humana. Como um veio vulcânico latejando nos subterrâneos da alma, o ser humano se debate sobre os fundamentos da vida e a colaboração última do conhecimento. Não raro as massas populares, na imperiosa ânsia de corrigir distorções, se rendem a movimentos passionais e apelos ideológicos.

Um justo dínamo que alvoroçou setores conscientes da sociedade brasileira foi a luta pela ética na política, traduzido no tema “ficha limpa”. Em resumo, trata-se de uma batalha para extirpar da vida pública figuras que distorcem o verdadeiro sentido da atividade política, que é o serviço à comunidade, a partir da declaração de inelegibilidade.

O problema é que, na esteira dessa pugna saudável, nos deparamos com equívocos que, por razões de justiça, reclamam reparos. Um deles é o viés maniqueísta: a divisão grosseira e simplista que generaliza e empurra para o esgoto toda e qualquer pessoa que figure no enfrentamento de uma pendência administrativa (um julgamento por uma Corte de Contas) ou judicial (decisão de um colegiado de juízes). E, em conseqüência, essas pessoas sofrem verdadeiro processo inquisitivo, de linchamento moral, de justiçamento antecipado.

Conheço casos de pessoas que sofreram injustiças, que ainda estão lutando para provar a inocência, mas que, por figurarem em lista do TCM, amargam as auguras de uma culpa que não deram causa. Acompanhei, por exemplo, a luta da professora Maria da Conceição Machado Lima, a popular Machadinha. Ela estava na Secretaria de Educação de Crateús no período de implantação do Fundef. Criteriosa, sempre procurou laborar nos trilhos da legalidade. Agiu corretamente. Foi vítima de denúncias infundadas. Durante a tramitação do seu processo no TCM, submeteu-se a uma cirurgia oftalmológica. Enviou o atestado médico ao Conselheiro Relator do seu processo e solicitou prorrogação de prazo. Imaginando se tratar de manobra protelatória, o Relator indeferiu o pedido. Suas contas foram julgadas à revelia. Tenta, por todos os meios em direito admitidos, provar a inocência. Mas seu nome ainda está lá. Na lista. É justo rotulá-la de “ficha suja”? Penso que não.

Imagino que deveríamos ser mais comedidos na emissão de juízos de valor sobre esses casos. Nem todo mundo que está na lista é satanás; nem todo mundo que está fora é santo. Há pessoas virtuosas nesse meio. Que foram vítimas e não algozes. Talvez devêssemos evitar o dedo em riste, a opinião implacável, o julgamento impiedoso. Até porque o mundo não se divide entre bons e maus, limpos e sujos. Em cada um de nós há estilhaços defeituosos e substâncias de estrelas. Melhor é fazermos como Mandela: Ver o que há de bom nos outros.

(Por Júnior Bonfim – na edição de hoje do Jornal Gazeta do Centro Oeste, Crateús, Ceará)

Um comentário:

Anônimo disse...

Junior,
corretíssima a sua avaliação a respeito da notável Profa. Machadinha.
Exercer cargo político quase sempre é um ônus, para àqueles que fizeram no serviço público uma carreira de doação e competência, caso da Profa. Machadinha.