terça-feira, 14 de setembro de 2010

OS OLEIROS


Nasci e me criei à beira do rio Serrote, tributário do Poty. Às margens desse curso natural de água, há uma elevação de terra que chamamos “croa”. Aí encontramos a melhor substância de terra moldável, a argila mais adequada para a produção de artefatos de barro cozido.

Sempre me empolguei com aquele fenômeno da infância: a produção de telhas. Inebriava-me mirando aqueles grupos de homens que se levantavam religiosamente às quatro horas da manhã e marchavam para o local de trabalho: uma pequena barraca de palha com um lastro de areia à frente, um forno de barro, um monte de lenha e outro de estrume, que se mistura à argila formando uma massa consistente como a dos bolos caseiros. Isso, mais um pouco de água e os instrumentos de moldagem era o suficiente para assistirmos ao espetáculo da transformação.

Segundo estudiosos do assunto, “calcula-se que o barro vermelho já teria sido explorado no período Neolítico (8.000 anos antes de Cristo). No fim da Idade da Pedra, iniciou-se a cozedura da argila em fornos, o que revolucionou a utilização da mesma ao conferir-lhe propriedades de resistência que viriam a permitir a sua utilização em projetos mais arrojados, de que são exemplos, segundo nos informa a Bíblia (Gênesis XI, 3) a famosa Torre de Babel, a grande muralha da China e a inscrição dos primeiros hieróglifos (a palavra escrita, base de toda a Civilização) em placas de argila”.

Há entre nós e o barro uma ligação mística, uma relação profunda, um enlace sagrado, uma conjunção transcendental. Ensina a tradição oral popular que Deus foi o primeiro Oleiro. Logo, a profissão de Oleiro é a mais antiga do mundo.

No campo filosófico, o pensador grego Plutarco, ao refletir sobre a meticulosa dedicação do trabalho de quem mergulha na arte do barro, disse: “Oleiro algum jamais molhou a argila e depois a deixou, como se os tijolos fossem fabricados do acaso.” Possivelmente, tal assertiva tenha um viés pedagógico. Pai nenhum coloca (ou deveria colocar) um ser humano no mundo ao acaso...

O mundo dos Oleiros ofereceu, também, um enorme contributo ao arsenal das expressões comuns ao cotidiano da gente simples do povo. A expressão “feito nas coxas”, por exemplo. Ao invés de qualquer conotação libidinosa, estaria ligada ao universo oleiro do tempo da escravidão. No período colonial, as telhas eram feitas em formas arredondadas e tinham um tamanho relativamente grande e semelhante ao tamanho da coxa do escravo que as moldava. Quando uma telha ou um lote de telhas saia ruim diziam que elas tinham sido feitas nas coxas do escravo e não na forma.

No sábado passado, no distrito de Curral Velho - o maior pólo de olarias do município - os oleiros se reuniram para comemorar mais uma festa do barro. Em um mesmo dia, torneio futebolístico, celebração da Santa Missa e festa dançante.

É um momento que, além da impulsão comemorativa, há que provocar uma parada reflexiva. Naquela região encontramos três estruturas fabris em atividade e dezenas de olarias artesanais. Estas últimas, constituídas basicamente de grupamentos familiares, carecem de maior organização e, sobretudo, de incentivo governamental. Desprotegidos, vivem expostos à sanha dos atravessadores. O imenso labor ainda estar por se traduzir em real melhoria do patamar de renda dos protagonistas do processo.

Que, em futuro próximo, possamos festejar o progresso educacional, o avanço na qualidade de vida e a pujança econômica daquela gente humilde e cheia de vida. Gente que, com artísticas mãos calejadas, transforma o barro cru no tijolo e na telha essenciais a todas as edificações.


(Júnior Bonfim, na edição de hoje do Jornal Gazeta do Centro-Oeste, Crateús, Ceará)

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Vou pegar a sua deixa e farei uma reportagem sobre o assunto.

Quem sabe daí seja plantada a semente de uma nova fase na vida dos oleiros e região!

Um abraço.

Silvania Claudino

Um comentário:

Unknown disse...

Vou pegar a sua deixa e farei uma repostagem sobre o assunto. Quem sabe daí seja plantada a semente de uma nova fase na vida dos oleiros e região! Um abraço. Silvania Claudino