terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

VALMIR CAMPELO


Todos os principais profetas e poetas da humanidade elegeram o amor como o tema essencial da nossa trajetória existencial. O maior dos profetas, o Jovem Galileu, bradou que toda a sua doutrina se resumia no amor. Camões, o iluminado poeta da alma lusitana, sintetizou a contraditória unidade dessa imperscrutável gruta da intimidade: “É dor que desatina sem doer”. O amor é, portanto, o sol e o sal da terra. Quando inocula a veia do coração de um homem, transforma a sua história pessoal.

O amor entrou na vida de Valmir Campelo como um nó de gravata. Ou melhor, através de um nó de gravata. Não de um nó qualquer, mas um clássico nó de Windsor, aquele que exala o charme e a elegância britânicos.

Tinha treze anos e vivia a aurora juvenil. Pisava o paralelepípedo de sua terra natal, Crateús, na Rua Coronel Lúcio, quando se viu atraído pela beleza magnética de Marizalva, uma amiga das suas irmãs, flor menina de 10 anos de idade. Certa noite, antes de sair para uma festa no Clube Caça e Pesca, pediu que “Zalva” (como carinhosamente se refere a ela) puxasse o nó da gravata. Quando ela concluiu, ele sentenciou: “Vá se acostumando, porque vou casar com você”. Ela saiu em disparada...

Quando a donzela completou 17 anos, ficaram noivos. Um ano depois casaram. Foi em um baile carnavalesco, após alguns goles de cerveja, que Valmir armou-se de coragem e, ao som da marchinha Máscara Negra, sincronizou os passos para pedir a mão da moça em casamento. O pai, o lendário e carismático médico Olavo Cardoso, escorado no arame da cerca do Clube Caça e Pesca, nada falou. A única reação foi chorar. As lágrimas que derramou, no entanto, eram de alegria. Sabia que aquele casal receberia a promissora unção de uma vida abençoada. Em 17 de julho de 1968 subiram, um a um, os degraus do altar do matrimônio.

Subir religiosamente cada degrau da escada da vida é a principal imagem que Valmir verbaliza ao relembrar sua épica trajetória. Com dezessete anos mudou-se para o cérebro das decisões nacionais, a capital que nascia, Brasília, a fim de acompanhar a irmã, Maria Valdira, que tinha sido aprovada em concurso para a Câmara dos Deputados. Dentre os onze irmãos, fora escolhido porque era o único que estava concluindo o Ginásio. Como qualquer pioneiro, sobretudo originário do Nordeste, conheceu as intempéries que desafiam os bandeirantes. E foi subindo cada degrau, sempre dando passos proporcionais à própria força. Começou como auxiliar no Governo do Distrito Federal (GDF), passou a escriturário, na seqüência a chefe de serviço, depois chefe de divisão, em seguida chefe de departamento e, por fim, Secretário de Governo.

O mesmo percurso ascendente caracterizou sua experiência como Administrador Regional (que equivale a Prefeito nas demais unidades da federação). Iniciou na menor cidade do DF, Brazlândia, como o mais jovem dos Administradores. De lá foi para o Gama, de nível intermediário, onde ficou de 1974 a 1981. Coroou essa experiência comandando o maior conglomerado urbano do DF, Taguatinga, no período de 1981 a 1985. Nessa quadra uma grande seca se abateu sobre o Nordeste e Valmir se notabilizou por liderar um arrojado movimento de solidariedade às vítimas da estiagem. Lembra ele que, após a seca, igual estrago foi causado por um grande inverno, ensejando nova arrancada de comunhão solidária.

A imagem solene da escada e a obediência meticulosa ao seu escalonamento acompanharam o filho da senhora Raimunda Campelo Bezerra (que, nonagenária, deixou este mundo há pouco meses) quando se sentiu atraído por aquilo que os gregos chamavam de ‘pólis’. Nas eleições de 1986, embora o seu nome disparasse nas pesquisas para o Senado da República, resolveu começar pelo degrau inferior: Deputado Federal. Foi o parlamentar mais votado da história de Brasília, consagrado por mais de 10% (dez por cento) do eleitorado. Em 1990, manteve a performance: elegeu-se Senador. De cada três brasilienses, dois votaram nele. Em 1994, estava pronto para pisar o último degrau de político pioneiro. Candidato a Governador após vencer enormes resistências internas, conseguiu o maior número de sufrágios no primeiro turno. No segundo, todas as demais correntes se uniram para impedir sua vitória.

Em 1997, pela unanimidade dos seus pares, é indicado Ministro do Tribunal de Contas da União. Na mais alta Corte de Contas do País manteve o ritual de pisar formal e paulatinamente cada escalão da série de nível: Presidente de Câmara, Corregedor, Vice-Presidente e Presidente. É o decano da Casa. Sente-se confortado em saber que colaborou diretamente para evitar que, só no ano passado, mais de 50 bilhões de reais fossem desviados dos cofres públicos. A madureza dos anos permitiu discernir que esse labor contraria interesses poderosos, que vez por outra manifesta a insatisfação plantando notícias caluniosas nos órgãos de imprensa.

Mantêm-se firme como os rochedos da terra que lhe brindou com a luz. Sabe que transmitiu aos três filhos – Frederico, Ricardo e Luis Henrique – a mesma educação obreira herdada do seu pai, o senhor João Amaro Bezerra. Aos dezoito anos todos já estavam mergulhados no oceano do trabalho. Com dois diplomas universitários cada um, ocupam posições de liderança e relevo na esfera pública e na iniciativa privada.

O julgador das contas públicas da União evita decidir em cima da letra fria do processo. Sente muito quando tem que usar o tacão punitivo. Na balança dos Éditos que lavra, busca o equilíbrio entre razão e sensibilidade. Sensibilidade que aflora quando abre o álbum das recordações. Recordações dos sofrimentos e alegrias dos conterrâneos. Conterrâneos com os quais jogava bola depois das aulas. Aulas de professoras como a Madrinha Francisca Rosa, a primeira professora, e outras como a dona Natália, Iramir Rego, Rosa Morais, Rosa Virginia e outras. Outras eram também as parcerias nas tertúlias, nas quadrilhas, no Rádio Baile Expedito Machado e nas fogueiras. Fogueiras que permanecem no terreiro da alma e nas noites amenas do coração. Coração despido de mágoa e ressentimento. Ressentimento que nunca o atingiu nem mesmo quando obstruíram o sonho de governar Brasília, pois – formado em Comunicação Social pela UNB, com cursos de Administração Pública na Alemanha e uma história de vida sem rival – era de longe o mais preparado. Preparado continua. Continua com o principal: o amor!


(Por Júnior Bonfim – publicado na edição de hoje do Jornal Gazeta do Centro Oeste, Crateús, Ceará)

Nenhum comentário: