terça-feira, 15 de março de 2011

OLHAI AS ÁRVORES DA CIDADE…


Existem notícias que nos deixam incomodados e às vezes penetram, como afiadas peixeiras, a melancia da nossa alma.

Há alguns dias a Professora Lindalva F. Carvalho e Machado lançou um libelo contra o assassinato de um majestoso flamboyant, com registro de 25 anos de idade, que enfeitava a Praça da Rodoviária de Crateús.

Ali está sendo construída uma pista de skate, esporte em ascensão no meio adolescente e juvenil. Sem objeções à realização da obra. Com todas as perorações a favor da preservação da árvore.

O brado da professora fez eco no mais recôndito de muita gente. Até porque essa prática ganha dínamos de reincidência freqüente e todos se quedam silentes. Há algum tempo golpearam árvore na Rua Frei Vidal, depois na Rua Firmino Rosa, em seguida na Rua Desembargador Olavo Frota, agora defronte à Rodoviária.

Essa escalada predatória precisa ser estancada. É óbvio que há um longo e paciente magistério de humanização, de combate ao embrutecimento, que necessita ser posto em prática. Sobremodo, é imperioso que o iniciemos.

Fomos orientados a olhar o mundo apenas como espaço onde homens e mulheres devem reinar. Crescemos rotulando de avançada a pessoa que cultua a democracia – o poder nas mãos do povo. Porém, há um estágio superior que precisa ser almejado: a biocracia – o poder nas mãos de todos os seres vivos. Ou seja, este planeta que habitamos não é propriedade exclusiva dos animais humanos, ditos racionais. É o lar sagrado de todos os outros seres vivos, da totalidade das espécies (inclusive animais ‘irracionais’, planetas e plantas). São Francisco, o mais ecológico dos homens canonizados, tinha essa compreensão de fraternidade cósmica muito clara. Poeta, glorificava o Deus da Natureza louvando “o irmão Sol, pela luz do dia; a irmã Lua e as irmãs Estrelas, claras irmãs silenciosas e luminosas, suspensas no ar; a irmã Nuvem, pela fina chuva que consola; o irmão Vento, que rebrama e rola; pela preciosa, bondosa água, irmã útil e bela, que brota humilde; pela maravilha que rebrilha no Lume, o irmão ardente, tão forte, que amanhece a noite escura, e tão amável, que alumia a gente (...)Louvado seja pelos seus amores, pela irmã madre Terra e seus primores, Árvores, frutos, ervas, pão e flores”.

Sei que são muitos os que consideram fora de propósito gastar tempo e tinta, papel e palavra com a defesa de um tema oriundo da e dessa Natureza. Entendo e respeito quem julga ser coisa sem importância cortar árvores. Eu também já pensei assim. Sucede que o mundo, assim como nós, evolui e deve evoluir.

As árvores, filhas primorosas da mãe Terra, exalam vida. Quem planta, cuida ou zela por uma árvore sabe que há um elo sentimental que une esses dois viventes seres. Pouca gente raciocinou que aquelas frondosas e centenárias árvores da Rua Desembargador Olavo Frota estavam umbilicalmente ligadas à história daquela via urbana e dos seus habitantes. Constituíam patrimônio público. Se fôssemos aspergidos com o óleo da sensibilidade e entendêssemos que as árvores, tal e qual cada um de nós, têm palpitação vital – certamente as olharíamos de outra maneira.

Felizmente, há registros de que é crescente o número de cidades que têm adotado métodos e medidas para preservação, manejo e expansão das árvores, de acordo com as demandas técnicas e as manifestações de interesse das comunidades locais, implementando o seu Plano Diretor de Arborização Urbana.

Eis uma ação digna de justo registro, destacada loa. Em Porto Alegre, por exemplo, foi feito um inventário das árvores da cidade. Lá existe mais de um milhão e trezentas mil árvores em vias públicas, cuja distribuição beneficia um número de pessoas ainda maior que o atingido pelos parques e praças.

Alguém já imaginou se soubéssemos quantos exemplares arbóreos habitam a nossa Urbe? Se existisse um inventário, uma ficha histórica de cada um, distinguindo as espécies nativas das exóticas, compondo um quadro real da diversidade desses organismos vivos?

A sabedoria dos nossos ancestrais, oralmente transmitida, reza que não há mal que não traga um bem. A maldade demolidora do formoso flamboyant que enfeitava a Praça da Rodoviária suscitou o correto clamor da Professora Lindalva. Que ele sacuda as estruturas da nossa insensibilidade. Que sirva de sirene nos ouvidos das autoridades. Que repique solene, como um permanente sino de catedral, na consciência de cada um: “Olhai as árvores da cidade...”


(Por Júnior Bonfim, na edição de hoje do Jornal Gazeta do Centro Oeste, Crateús, Ceará)

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