sábado, 10 de dezembro de 2011

RELEMBRANDO DOM FRAGOSO

Dom fragoso: um profeta em tensão
Entre o profetismo e as estruturas institucionais de igreja


Por Frei Hugo Fragoso, OFM

O futuro bispo Dom Fragoso nasceu na serra do Teixeira, no alto sertão paraibano. Trazia ele no sangue o grito da fome de um povo, martirizado pela seca, pelas injustiças sociais, e pela politicagem grupista. Este grito perpassará toda a sua caminhada, como força propulsora de sua voz profética.
O menino Antônio Fragoso entrou no seminário de João Pessoa pela porta da cozinha. Seu pai não tendo condições financeiras de pagar a mensalidade exigida, fragosinho foi admitido aos estudos, na qualidade de empregado, trabalhando na portaria, como menino de recados e de afazeres domésticos. Nesse trabalho em seus primeiros anos de seminário, pôde ele sentir a humilhação discriminatória, por que passavam os filhos de pais pobres, face aos seminaristas de famílias que tinham recursos para pagar a mensalidade. E isso contribuiu para um dos enfoques de sua voz profética, a interpelar as próprias estruturas da instituição eclesiástica.
O Padre Fragoso, depois de sua ordenação, foi nomeado apóstolo dos operários, sendo-lhe confiado o encargo do Círculo Operário de João Pessoa.

No Círculo Operário, logo se fez sentir a sua ação profética. Pois, ele percebeu que o círculo operário era um “movimento para operários”, e não “um movimento de operários”. Situava-se numa linha assistencialista com alguns elementos promocionais, mas não dava aos operários a autonomia de decidir sua própria caminhada. E o Pe. Fragoso transitou para a ação católica, em seu segmento de Juventude Operária Católica (JOC). Ali ele se constiuiu, no testemunho do fundador da JOC, Pe. José Cardijn,como uma das grandes vozes proféticas do mundo operário brasileiro.

O Pe. Fragoso foi então consultado pelo núncio apostólico, para ascender à cátedra episcopal. E a resposta do Pe. Fragoso foi reticente, alegando ele ao núncio sua dificuldade em aceitar a púrpura episcopal, pois ela o distanciaria dos operários. E o núncio o tranquilizou: “você vai ser bispo dos operários!”

Ao aceitar o episcopado, entre cujas funções específicas estava a de “manter a instituição”, ele assim se expressou na manifestação que lhe fizeram os seminaristas de João Pessoa, no dia de sua ordenação episcopal. Ao receber grandes aplausos dos seminaristas “por causa de suas idéias”, ele lhes deu esta resposta emblemática: ”minhas idéias, minhas idéias pessoais, vocês podem rasgar e jogar na cesta do lixo. Mas a orientação de minha igreja, de nossa igreja, vamos acatá-la respeitosamente”.

É que ele não via a igreja como um bloco monolítico, mumificado numa instituição, porém como algo em contínua construção, sob a ação do Espírito Santo. E o Espírito Santo recorria, dizia D. Fragoso, a mediações humanas, não apenas do magistério institucional, mas a todos os membros da Igreja. E proclamava ele: “ que certeza tenho eu, como bispo diocesano, de ser iluminado com exclusividade pelo espírito santo, quando ele me ilumina pela mediação dos leigos, das religiosas, do povo de Deus da igreja de Crateús?”

E aí estava a tensão mais profunda de seu profetismo, a interpelar a instituição eclesiástica.

Passo expressivo de sua caminhada episcopal foi sua nomeação para bispo de Crateús, em 1964, em plena “revolução militar”. Ao chegar à cidade de Crateús, ele teve de observar o ritual inicial de passa r pelo quartel do exército, para “o beija-mão”. Mas no dia seguinte, após as longas cerimônias de posse, houve um banquete de 200 talheres, digno de um bispo da instituição eclesiástica. Após, o longo tempo do banquete, e depois de uns cinco discursos, já quase às 4 horas da tarde, chegou a vez de D. Fragoso falar, e apresentar sua carteira de identidade. Ele começou dizendo que iria ser breve, e que queria agradecer em primeiro lugar às cozinheiras, que prepararam aquele gostoso banquete, mas que estavam até aquela hora esperando que terminassem o discursos, para poderem matar a fome. E em seguida, apresentou seu projeto episcopal:”eu não vim para Crateús ser um construtor de civilização, mas sim um humilde servidor do povo de Crateús para que ele possa construir autonomamente o seu destino!”

E depois de anos e anos a proclamar sua voz profética em ressonância internacional e amordaçamento nacional, ele teve de moderar a sua voz profética. Foi quando da prisão e tortura de seu auxiliar Pe. Geraldinho. Diante de sua prisão e tortura, D. Fragoso assumiu uma atitude de perplexidade, dizia ele sentidamente aos mais íntimos: “se eu continuar com a veemência dos meus pronunciamentos, serei aplaudido como herói, e não me irão prender por receio da repercussão nacional e internacional mas irão prender e torturar os meus pequenos auxiliares. Isto é para mim profundamente doloroso. E daí em diante procurou ele atenuar a veemência de sua voz profética.

Depois de 34 anos de ação profética na Igreja de Crateús, ele foi dispensado de sua função institucional de bispo , voltando à plenitude de seu profetismo, sem as amarras institucionais. E sentindo-se totalmente livre, poderia ele exclamar:”ai de mim se eu não falar, quando Deus me manda falar!”

E igualmente sentindo-se apenas sob a vigilância do olhar do supremo juiz, de que se julgava porta-voz, ele exerceu um profetismo de profunda radicalidade, como bem expressou no seu último livro, postumamente editado.

Resumindo toda a caminhada profética de Dom Fragoso, poderíamos a ele aplicar as palavras do Papa João XXIII. Ou seja, quando o profeta pe. Lombardi, fundador do movimento “por um mundo melhor”, teceu fortes críticas às estruturas institucionais da cúria romana, os cardeais da cúria assumiram atitude imediata de punição àquilo, que eles consideravam um verdadeiro desacato à autoridade. Foi então que o Papa João XXIII, interveio com toda a sua autoridade institucional de Papa:”calma, meus irmãos! Calma! O Pe. Lombardi teceu suas críticas por amor. E todo aquele que nos crítica por amor, deve ser ouvido!”

Dom Fragoso em sua caminhada profética fez todas as suas interpelações à instituição eclesiástica por amor à sua igreja. Aquela Igreja da qual no dia de sua ordenação episcopal, como vimos, ele expressava toda a sua dedicação:”minhas idéias pessoais, vocês podem rasgar e jogar na cesta do lixo. Mas a orientação de minha Igreja, da nossa Igreja, vamos acatar com respeito!”

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