domingo, 31 de março de 2013

O JOIO LEGISLATIVO

Perguntaram a Sólon, um dos sete sábios da Grécia antiga, se havia produzido boa legislação para os atenienses. Respondeu: “dei-lhes as melhores leis que podiam suportar”.

Perguntaram ao barão de Montesquieu, o formulador da teoria da separação dos poderes, quais as boas leis que um país deve ter? Respondeu: “quando vou a um país, não examino se há boas leis, mas se são executadas as que existem, pois há boas normas por toda a parte”.

Pergunte-se a um representante do povo no Parlamento brasileiro que critérios guiam a tarefa legislativa. É provável que aponte o numero de projetos apresentados – sem destaque para o mérito –, corroborando a ideia de que, em nossa seara parlamentar, vale mais a quantidade do feijão plantado sobre a terra, do qual pouco se aproveita, do que a qualidade da semente.

Amparados pela força da lei, coisas estapafúrdias como o Dia da Jóia Folheada (toda última terça feira de agosto), o Dia das Estrelas do Oriente, a Semana do Bebê e outras esquisitices povoam o manual do joio legislativo escrito por parcela ponderável do corpo parlamentar. Instados fossem a discorrer sobre a natureza de nossas leis, os Sólons tupiniquins poderiam sacar a resposta: “são as leis que os brasileiros têm de aguentar”.

Cada povo com sua medida legislativa.

Não bastasse a progressão geométrica do que se pode chamar de Produto Nacional Bruto da Inocuidade Legislativa (PNBIL), forças exógenas emprestam sua colaboração para adensar o volume de normas inúteis.

A Copa das Confederações e a Copa do Mundo, sob o escudo da Federação Internacional de Futebol (FIFA), anunciam um conjunto de normas para mudar o comportamento do torcedor brasileiro.

Serão terminantemente proibidos nos estádios xingamentos a jogadores, juízes e suas progenitoras, censura que acabará abarcando os elogios, porquanto no burburinho de torcidas inflamadas ouvido nenhum será capaz de distinguir onomatopeias positivas de palavrões. Risível, não?

O fato é que a FIFA quer mudar por decreto a maneira brasileira de ser. Obrigar torcedor fanático a entrar em ordem unida e adotar comportamento considerado exemplar é tentar tapar o sol com a peneira.

Tem mais: que ninguém tente se levantar para comemorar um gol de seu time ou reclamar impedimento de jogador do time adversário. Cerveja pode, mas fumar, nem pensar. Dito isto, vem a pergunta: como os pregadores dos bons costumes em estádios de futebol controlarão o ímpeto expressivo da massa? Brigadas da FIFA vigiarão seus movimentos?

Esses são os nossos Trópicos. A fúria legiferante que entope as vias institucionais e chega ao cotidiano, afetando de um modo ou de outro a vida das pessoas, tem muitas significações.

Para começar, somos um país que ainda não cortou as amarras da secular árvore do carimbo, “preciosidade” trazida pelos colonizadores portugueses. O carimbo foi criado por D. Diniz nos idos de 1305 para conferir autenticidade a documentos. Concedido a “homens bons”, nomeados pelo rei, que juravam fidelidade aos santos evangelhos, incrustou-se na vida brasileira, a ponto de atravessar, incólume, mais de cinco séculos.

Deixa sua tinta forte na própria era digital. A autenticação e os selinhos de cartórios trazem obsoletos costumes ao nosso cotidiano, pavimentando os caminhos da burocracia. Explica-se o cartorialismo ainda pela capacidade de fortalecer a estrutura de autoridade; esta, por sua vez, se expande na esteira de leis que procuram impor a ordem do mundo ideal.

Trata-se da visão platônica de plasmar a realidade por força da lei.

A célebre pergunta – você sabe com quem está falando? – expressa a ideia de que o poder deriva do cargo de quem o detém. O brasileiro, mais que outros povos, exibe esta bandeira. A floresta legislativa se agiganta nessa vertente.

De 2000 a 2010, o país criou 75.517 leis, somando legislações ordinárias e complementares estaduais e federais, além de decretos federais, o que dá 6.865 leis por ano.

Em 2012, na Alemanha, o Parlamento foi muito criticado por ter aprovado 20 leis. A imprensa considerou excessivo o número. Lembre-se que os anglo-saxões organizam a vida sob o direito consuetudinário, ancorado em costumes. Poucas leis bastam.

Outra questão é a desobediência ao império legal. Infringir a lei torna-se rotina no país. Não por acaso, entramos no chiste como quarta modalidade de sociedade no mundo. A primeira é a inglesa, onde tudo é permitido, com exceção do que é proibido; a segunda é a alemã, onde tudo é proibido, salvo o que for permitido; a terceira é a totalitária, onde tudo é proibido mesmo o que for permitido e a quarta é a brasileira, onde tudo é permitido mesmo o que for proibido.

Nossas leis caem no esquecimento. Proibição de películas escuras nos automóveis? Uso de cinto de segurança no banco traseiro? Dirigir com apenas uma mão no volante? Levar estojo de primeiros socorros nos veículos? Afinal, essas coisas foram ou não revogadas? Por via das dúvidas, não se cumpre a legislação. E ainda há um monte de leis inconstitucionais.

Nos últimos 10 anos, o STF julgou quase 3 mil Ações Diretas de Inconstitucionalidade; mais de 20% foram julgadas inconstitucionais.

Imensa quantidade do arsenal legislativo não atinge a vida dos cidadãos. São floreios para adornar uma galeria de homenageados. Datas comemorativas e louvações tomam a agenda de nossos representantes.

Por último, pérolas formam o Produto Nacional Bruto da Inocuidade Legislativa: em Santa Maria (RS),um vereador propôs a lei do silêncio dos animais, para evitar latidos de cachorros após 22 horas; em Catanduva (SP), um projeto ditava que os doentes deveriam morrer em cidades vizinhas por conta da superlotação das sepulturas; em Sobral (CE), sugeriu-se construir Torres Gêmeas para abrigar a prefeitura e as secretarias; em Manaus, um vereador queria instalar um neutralizador de odores nos caminhões de lixo e, em Porto Alegre, cavalos e burros teriam de usar fraldas, “com exceção dos que participarem de eventos”.

Ufa!


(Gaudêncio Torquato)

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