terça-feira, 7 de maio de 2013

DIVULGAR O BEM!



Sempre evitei tocar trombeta sobre ações vinculadas à caridade, em respeito ao ensinamento evangélico: quando fizerdes o bem, que não saiba a vossa mão esquerda o que faz a direita. Até bem pouco tempo julgava que a discrição e o anonimato eram a melhor forma de relacionamento com as práticas caritativas.

Minha consorte tem ponderado que essa peroração precisa ser temperada nos tempos atuais. Sacudidos pela sobrecarga de informação automática (informática), somos bombardeados a cada segundo por um turbilhão de notícias, a esmagadora maioria desairosas. Por que se divulga com tanto desassombro informações nocivas – que influenciam negativamente a população - e se teme em divulgar boas ações?

Um momento gratificante que comoveu a mim e à minha família aconteceu e acontece em um recanto. Mas não é um recanto qualquer. É um recanto sagrado. Desses do coração. (O coração, se considerarmos o corpo humano como um templo, é indiscutivelmente o seu sacrário).

Pois bem. Recanto do Sagrado Coração. Esse o nome, o espaço, a instituição, o local da nossa agradável iluminação. Ali cheguei a convite de dois companheiros de clube de serviço. Ali me vinculei por um desses inexplicáveis apelos da emoção.
O Recanto do Sagrado Coração é uma ampla e acolhedora casa, oficina de múltiplas atividades de afeto, porto seguro de idosos que aprendem a arte de envelhecer, salão de banquete para dezenas de moradores de rua... Tudo sob a inspirada animação de mulheres consorciadas pela fé!

Por enquanto, nossos laços relacionais se fortalecem com as Irmãs Inês, Coordenadora, e Rita, Chefe da Cozinha. Com elas descobrimos a bondade sem ingenuidade, o amor com militante fervor. Aliás, bondade e amor que não se descolam da severidade e do rigor. Conseguem a rara proeza de aliar a gentileza fina à férrea disciplina.

Com uma frequência diária ali é oferecido um almoço para mais de cem moradores de rua. Cada pessoa que conhecemos naquela Casa exibe uma saga, uma biografia de sofrimento e paciência, de heroísmo e resistência. Sempre voltamos de lá com uma sensação de que recebemos algum presente para o espírito.

Comoveu-nos a história do Luciano, um jovem que foi jogado na rua aos doze anos de idade, quando ficou sem pai, sem mãe, parente ou aderente. Disse que, dos seus contemporâneos, só ele estava vivo. Mostrou as cicatrizes de vários balaços que recebeu. Falou dos diversos processos que respondeu. Ensinou o código secreto que regula a selva de pedra da vida no céu aberto da rua, em que ninguém pode ser muito valente ou muito fraco. É uma permanente luta de equilibrista, na qual se exige uma rara habilidade para se manter vivo. Falou da sua rendição às drogas e da ação redentora da Irmã Inês, que o resgatou e o acompanhou no processo de recuperação.

Hoje, com família constituída, labora transformando pedaços de vidro em obras de arte ou vendendo lanches em uma bicicleta toda azul.

O emocionado depoimento de vida do Luciano mexeu com todos nós, especialmente com os adolescentes que vivem nadando nas ondas da internet, esse oceano virtual que geralmente nos afasta da terra firme do contato pessoal.

Muitos Lucianos e Lucianas encontram naquele sagrado recanto o refúgio salvador, o túnel iluminado, o córrego cristalino, a fonte de água pura que lhes devolve a esperança de recuperação da dignidade.

Outro dia, conversando com minha esposa, nos indagávamos como aquele monumento à caridade e ao enobrecimento humanos conseguia se manter. Segundo ela, Deus só quer de nós a boa vontade, o justo desejo, a decidida intenção, o propósito sincero. O resto ele providencia, transformando-nos em instrumentos da edificante realização.

Penso que a fraternidade brota em qualquer recanto. O nosso desafio é divulgá-la!

(Júnior Bonfim, na edição de hoje do Jornal Gazeta do Centro Oeste, Crateús, Ceará)

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