quarta-feira, 31 de julho de 2013

CONJUNTURA NACIONAL

"Oi, nós, hein, falano ingrês"

Brejo das Freiras é uma Estância Termal nos confins da Paraíba, perto de Uiraúna e Souza. Trata-se de um lugar para relaxamento e repouso. O governo da PB tinha (não sei se ainda tem) um hotel, com uma estrutura para banhos em águas quentes. Década de 70. Apolônio, o garçom, velho conhecido dos fregueses da região, recebe, certo dia, um hóspede de outras plagas. Pessoa desconhecida. Lá pelas tantas, quase terminando a refeição, o senhor levanta a mão, chama Apolônio e pede:

- Meu caro, quero H2O.

Susto e surpresa. Anos e anos de serviços ali no restaurante e ninguém, até aquele momento, havia pedido aquilo. Que diabo seria H2O? Apolônio, solícito:

- Pois não, um instante!

Aflito, correu na direção da única pessoa que, no hotel, poderia adivinhar o pedido do hóspede. Tratava-se de Luiz Edilson Estrela, apelidado de Boréu (por causa dos olhos grandes de caboré), contumaz boêmio, acostumado aos salamaleques da vida.

- Boréu, tem um senhor ali pedindo H2O. Que diabo é isso?

Desconfiado, pego sem jeito, Boréu coça o queixo, olha pro alto, tenta se lembrar de algo parecido com a fonética. Desanimado, manda ver:

- Apolônio, sei não. Consulte o Freitas.

Freitas era o diretor do Grupo Escolar, o respeitado intelectual da região. Localizado, o professor tirou a dúvida no ato:

- H2O é água, seus imbecis. Quer dizer água.

Apressado, Apolônio levou ao freguês uma jarra do líquido. Depois, no corredor, glosando o feito, gritou em direção a Boréu:

- Ah, ah, ah, esse sujeito achava que nós não sabia ingrês. Lascou-se!

A passagem de Francisco

O papa Francisco fez história no Brasil. Sua passagem de uma semana nesses trópicos ficará marcada no calendário da Igreja Católica, no coração dos jovens e de milhões de brasileiras e brasileiros de todos os espaços e profissões, e, também na cabeça dos políticos. O pontífice, com sua simplicidade, encantou a todos. E abriu uma locução muito fértil, que certamente ficou gravada nos sistemas cognitivos. Pregou uma igreja mais despojada do fausto e da burocracia; uma igreja capaz de sair da casca onde se abriga para ir de encontro aos pobres e marginalizados. Abençoou multidões. Beijou criancinhas. Não esmoreceu um minuto. O papa até pareceu o milagre que um país devastado pelo desencanto ganhou.

Puxão de orelhas

O papa deu um puxão de orelhas - por mais que tenha sido suave, como se apresenta - na igreja burocrática, que se afastou das periferias, e nos políticos. Incitou os padres e bispos a reencontrarem o caminho das ovelhas perdidas. Fez uma bela peroração nessa direção. E condenou a corrupção, a ambição pelo dinheiro, a vida escravizada pelo consumismo desvairado. Puxou a orelha dos atores da velha política, incitando-os a abrir espaço aos jovens. Foi bem claro: "a nossa geração se demonstrará à altura da promessa contida em cada jovem quando souber abrir-lhe espaço". Um recado adequado no momento oportuno para a platéia certa.

Cabral e a humildade

Sérgio Cabral, o governador que recebe o maior tiroteio das ruas, mostra-se, agora, humilde. Diz que aprendeu lições de humildade com o Papa Francisco. Viva.

Os jovens

Ao lembrar que a juventude é a "janela pela qual o futuro entra no mundo", no discurso que abriu sua agenda no país, o Papa Francisco quis ressaltar o motivo de sua peregrinação - presença na Jornada Mundial da Juventude - e também alertar os políticos que aos jovens devem ser dadas condições para exercer de maneira condigna seu papel na sociedade. A população jovem brasileira soma 51 milhões de pessoas - 10 milhões entre 15 a 17 anos, 23,1 milhões entre 18 a 24 anos e 17,5 milhões entre 25 a 29 anos - sendo, nos últimos tempos, o motor da mobilização social nas grandes e médias cidades do país. Como agrupamento mais descontente com a classe política, desfralda o simbolismo citado pelo carismático pontífice para fustigar as fortalezas do poder e, à sua maneira, aplainar os caminhos de um amanhã que se lhe apresenta sombrio, uma existência que ameaça ser mais sofrida que a de seus pais.

Meus limites

"Os limites da minha linguagem denotam os limites do meu mundo". Wittgenstein.

Proximidade

A peroração com a qual explicou a perda de fiéis da Igreja Católica enfatizou o distanciamento entre ela e o povo. Contou casos que revelaram a razão pela qual parcela dos católicos migrou para as igrejas evangélicas. Pois bem, esse distanciamento também ocorre na esfera da política. Os representantes se distanciam a olhos vistos dos representados, o que contribui para explicar a intensa movimentação que se vê na sociedade, principalmente dos jovens, que se afastam da esfera política por conta das formas tradicionais de representação, o modus operandi dos atores, as ações e atitudes escandalosas que sujam a imagem dos representantes nas instâncias federativas.

Horizontes mais claros

Os sinais dados pelo Papa jesuíta abrirão novos horizontes. Veremos um país mais corajoso e rebelde. Ele próprio convidou os jovens a serem revolucionários, audazes, rebeldes. Uma espécie de endosso aos jovens nas ruas. As manifestações deverão continuar. Setoriais e pontuais. Os grupamentos descobriram que podem mudar o rumo das coisas. Por isso mesmo, as pressões de lá para cá, das margens para o centro da política, serão mais intensas. Os horizontes serão mais claros. A transparência, maior. A vigilância, mais acesa. Ninguém estará imune ao bombardeio das ruas e ao tiroteio midiático.

Entender o jovem

Se a política não descobrir quem é esse jovem que vai às ruas e as razões que o movem será enterrada. Aliás, esse processo já se iniciou. Entender o jovem exige, primeiro, inseri-lo no quadro de transformações ocorridas nas últimas décadas. Karl Popper e Konrad Lorenz constatam, em sua obra "O Futuro Está Aberto", a existência de um abrangente processo de massificação na sociedade, caracterizado, sobretudo, pela perda de valores. O fim da Guerra Fria desfez as clássicas divisões ideológicas. Os países romperam fronteiras, integrando-se aos mercados globais e acompanhando a evolução tecnológica. O capital físico, variável-mor do crescimento econômico, cedeu lugar ao capital humano, caracterizado pelo conjunto de capacitações que as pessoas ganham por meio da educação, do treinamento e da experiência para desempenhar suas atividades com competência. Essa é a nova ordem que instiga os jovens.

Pragmatismo

Quando falta a matéria prima deste novo ciclo - que caracteriza a Sociedade da Informação e do Conhecimento - a frustração se estabelece. Da frustração para a revolta, o passo é curto, a rebeldia se impõe. Não estão os jovens preocupados com ideologia, direita ou esquerda. Pode ser que, em um ou outro país, o fundamentalismo de cunho religioso seja o leit motiv das mobilizações. Por aqui, o pragmatismo abre alas. Nossos jovens não vivenciaram os anos de chumbo. Apenas uns poucos ouviram de seus pais os ecos dolorosos do passado. A preocupação que os move agrega coisas como educação, emprego, melhoria dos serviços públicos. Reivindicam condições para competir em um mercado cada vez mais exigente. Se nossa geração não souber abrir espaço para a juventude, a janela do futuro ficará fechada. Abram ouvidos, políticos e dirigentes, à profecia do Papa Francisco.

Agosto, mês do cachorro louco

Agosto se abre com perspectivas sombrias. Lá para meados do mês, aguardam-se ações congressuais em resposta aos vetos da presidente Dilma. Hoje, a aposta é a de que alguns vetos presidenciais a matérias aprovadas pelo Congresso serão derrubados: o veto ao dispositivo da lei que permitia a transferência por herança da autorização para exploração de serviço de táxi; e o veto ao projeto de lei que previa a extinção da multa rescisória de 10% sobre o saldo do FGTS paga pelos empregadores nas demissões sem justa causa. A presidente sancionou, com um veto, a lei que estabelece novas regras para o rateio do FPE (Fundo de Participação dos Estados). O projeto foi aprovado pelo Senado no fim de junho. E deverá vetar outros projetos como a destinação dos royalties do petróleo para a educação e saúde e o que cria a aposentadoria especial para garçons.

Acirramento

Com a derrubada dos vetos, a tendência é de acirramento mais forte entre governo e base aliada. As relações entre PMDB e PT são tensas. Sobraria a Dilma a alternativa de se "vitimizar", jogando sobre o Congresso a culpa pelo atraso, pela inércia, pela inação. Mas é preciso ter em mente que a "vitimização" só daria resultado caso a presidente tivesse boa acolhida popular. Já teve. Hoje, está embaixo no ranking do prestigio. A imagem do governo está esgarçada. Sua identidade era a de gerente, um perfil que exprimia comando, controle, organização. Quebrou-se. A administração não mostra coisas novas. Patina. O clima é de desorganização, bagunça, interrogações, querelas até entre alas do PT, uma querendo mudança na economia, outra defendendo o status quo.

MD fracassa

A fusão entre PMN e PPS, para formar a MD (Mobilização Democrática) fracassou. A nova sigla era articulada pelo deputado Roberto Freire (PPS/SP) e poderia abrigar a candidatura de José Serra à presidência em 2014.

Alckmin

O governador Geraldo Alckmin, ao que se comenta, gostaria de ter em SP dois palanques, um do Aécio, outro do Serra. Juntos, ajudariam sua campanha.

Marina e as chances

Marina Silva é a pré-candidata que mais se beneficia com a agitação das ruas. Mas uma campanha presidencial precisa de muita coisa: bala para entrar na guerra (recursos), tempo de exposição na mídia eleitoral, um discurso denso sobre o país e apoios de partidos. Se Marina, por uma dessas curvas da política, chegasse ao pódio do poder central, teria condições de governar? Suas proposições são poéticas e sonháticas. O Brasil real é outra coisa.

"Lula nunca saiu"

Ao dizer que não há sentido no movimento "Volta, Lula", porque este nunca saiu, a presidente Dilma não apenas quis dizer que eles são indissociáveis mas devem repartir tudo: acertos e erros. Ou seja, se Lula voltar no lugar dela, isso é uma prova de que ambos fracassaram. Esta é a leitura deste consultor. Uma vacina contra os que defendem a candidatura do ex-presidente.

O álcool que faz falta

A ABRASPEA - Associação Brasileira dos Produtores e Envasadores de Álcool - quer recuperar, com embargos ao TRF, em Brasília, o direito de produzir e comercializar o álcool líquido em graduações mais elevadas. A Anvisa, de maneira arbitrária e com base em números falsos sobre acidentes, proibiu este comércio. Para a ABRASPEA, a agência oficial quer apenas surrupiar dos consumidores brasileiros o seu direito de escolha. Afinal, o álcool líquido é de uso comum das famílias brasileiras há séculos e faz muita falta para as donas de casa e em qualquer lugar que reclame uma limpeza mais rigorosa.

Conselho à presidente Dilma

Esta coluna dedica sua última nota a pequenos conselhos a políticos, governantes, membros dos Poderes e líderes nacionais. Na última coluna, o espaço foi destinado aos líderes e dirigentes. Hoje, dirige-se à presidente Dilma:

1. O ambiente político está tenso. A base aliada ameaça derrubar os vetos de Vossa Excelência. A hora sugere uma atitude de modéstia e simplicidade - à moda Francisco - e uma articulação eficiente com a classe política.

2. A economia carece de novos rumos. Trata-se de um consenso entre economistas e cientistas sociais. O ciclo do incentivo ao consumismo se mostra esgotado. O país clama pela volta dos investimentos.

3. Aceite a real politik. Se plebiscito não pode ser feito para patrocinar uma reforma a vigorar já em 2014, use o bom senso e debata com a esfera política os caminhos mais viáveis a serem seguidos. Evite derrotas continuadas nas Casas Congressuais.

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(Gaudêncio Torquato)

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