sexta-feira, 31 de janeiro de 2014

QUASE POESIA!


Estimado Paz,

O bom carteiro e pombo invisível das boas novas fez chegar até a mim a tua missiva em forma de pedido. Como recusar esse quase apelo?!

É óbvio que, antes do mais, preciso fazer um reparo: tenho mais alento que talento. Por isso, em determinado momento, descobri o valor das ‘palavras ao vento’! Cada dia, abstraindo ilusões, firmo o convencimento de evitar comparações. Melhor do que ‘com-parar’ é ‘parar-com’. Comparar distancia, separa; parar-com aproxima, une, integra.

Assim, ao parar-com e mirar tua obra, senti-me arrastado pela brisa de humildade que dela exala: cedi ao leve encanto que permeia teu canto, suave manto, flor de espanto, sotaque de esperanto.

Confesso que desconhecia tua filiação à confraria do coração. Não te sabia da estirpe da poesia, noturno do meio-dia, aparentado da alegria. A poesia, passeio das asas da emoção pelo sagrado vale da inspiração, é uma donzela encantadora e cheia de opinião, que nunca aceita a gaiola de egoísmo da nossa mão. Às vezes, quando por um rasgo de soberba e presunção, imaginamos tê-la em sujeição, ela some de nós (adeus, inspiração!). Ou, mesmo já feita matéria e passada na casca da gramática - quando a supomos estática - desaparece em um passe de mágica.

É, meu camarada, os versos não têm idade. Alguns nascem, crescem, permanecem invisíveis, nunca perecem e, um belo dia, aparecem. Mirando teu pomar diligente, recordei um passado quase recente: meus primeiros contatos flamejantes com os versos, essas dóceis criaturas, vaga-lumes da ventura, lenitivos feitos clarões às almas obscuras (daí nasceu minhas Poesias Adolescentes e... Maduras).

Profissional da engenharia, esta é indiscutivelmente a tua mais fulgurante construção: a edificação da poesia, pilastras com desenho de árvores em sinfonia, concreto desarmado saltitando na betoneira da melodia!

Principias mostrando que a deusa da ritmada solenidade te bafejou com a melhor herdade: o húmus radical da humildade. Emocionas, no agradecimento de luz, do Escritor Celestial ao povo de Crateús. Dilatas o carinho aos amigos in pectore do teu caminho: Zacarias, Paulo Flor e Vicentinho. Não olvidaste o Venâncio, que está em outra dimensão, e lá recebe o afago da gratidão. Elasteces a rima aos amigos e amigas que elevam a autoestima. Abres o cofre dos pendores a todos os professores e, suprema lição, também estendes a mão aos que te lançam as pedras da rejeição.

Amigos do juazeiro e da palma: quem, pelos campos azuis dessas estrofes passeia com calma, descobre que eles brotaram de uma grande alma. A paciência, que é a ciência da paz, arranchou-se no peitoril deste Paz! A paciência, sapiência de quem faz, antídoto à ansiedade fugaz, acompanha este Paz! A paciência, experiência tenaz, flexibilidade eficaz, é a bússola deste Paz!
Nada revela mais o ser e seu emblema do que o poema. Nada transcende mais a humana criatura do que o verso feito escritura. Se, de um homem que canta, quiseres conhecer o caminho, mira o seu poético pergaminho.

Apreciei, na parte primeira, o ensurdecedor brado sem eco, a chuva torrencial do amar demais, a arte de ver e ouvir os gemidos e a estrela do coração. Pasmei-me como um solitário navegante, sob o fascínio da aurora, lindo céu de diamante, ao ler a confissão do amante suplicando a Deus que implante, na amada, colibris no semblante. Exultei com a tua conclusão fina de que a sumidade poética é pura obra divina!

Os teus cordéis – berro, farra, saga, rifa, caçada, santuário – parecem pincéis que, em simples pano, fiam obras de arte em louvor ao cotidiano!

Sem qualquer inquietude, erigiste por fim a cúpula da completude: a tua matrícula existencial é um testamento fenomenal! Registras, com sílabas de simpatia, a fortuna da gratidão pela luz de cada dia! (Aliás, com o ineditismo aguerrido de quem soma cada dia vivido).

O epílogo é uma preciosa raridade: a filha Rafaelli exibindo o teu manancial de sensibilidade!

Encerro fazendo uma correção de justiça, por amor à verdade: o quase desta poesia é um grande elogio à humildade!

(Júnior Bonfim, no prefácio do livro ‘Quase Poesia’, de Humberto Rodrigues Paz).

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