terça-feira, 4 de março de 2014

HISTORINHA DE CARNAVAL


Se tem uma coisa de que tenho medo é de cobra. Me pelo!...

Pois bem. Numa manhã de domingo de mil novecentos e lá se foi, eu ainda um menino, meu irmão me botou na garupa de sua vespa e desabamos para o interior. Manhãzinha fresca, rodagem boa, minha cabeça chega fervilhava com as possibilidades de aventura à minha frente. Era invê o mundo se abrindo em outros, sabe?

Eu muito pequeno, agarrado à cintura de meu irmão, via as coisas apenas assim meio de lado, passando em disparada - árvores, bichos, algumas gentes. Distante, por entre matos e morros, definitivamente se escondendo do povo, uma casinha quase de brinquedo, cor de barro e cinza. Certo momento, dois olhos amarelos me espreitaram de uma capoeira rala - pensei em dragões. Seria?... Pior: e se fosse a terrível sussuarana? Valei-me!... Pelo sim, pelo não, me cheguei mais ao meu irmão.

Quando chegamos, vixe!, foi uma festa. O povo todo me pegando, dizendo "valha como tá grande"; as mulheres me oferecendo bolo, mãos alisando meus cabelos. E dos cantos, por detrás das pernas dos adultos, pares e pares de olhos esbugalhados me observando. Não demorou nada eu já era amigo de tudo quanto era menino que existia ali.

Ave! Pense como eu pabulei!... Aquele tico de gente contando vantagem, hum. Na verdade, eu estava era maravilhado com absolutamente tudo que me caia nas vistas. Menino da cidade, sem qualquer contato com as coisas do campo (no campo), tudo para mim era novidade.

Tenha ideia: me carregaram até um quarto grande e alto onde eu senti todos os cheiros do mundo de uma lapada só. Me embriaguei. Ali tinha frutas, tinha carne, tinha queijo, caixões que iam até o teto lotados de farinha, feijão... Um desses caixões, veja só, estava pela boca de rapadura, batida, alfinim. Fiquei besta.

Mais para o finalzinho da tarde, o sol esfriando, foi hora de pegar o gado na solta e trazer para o curral. Fui junto, é claro.

Nem meia hora e lá vem a gente de volta pela estrada, tangendo os bichos. Eu, com certeza, era o que mais gritava. "Eeeeeeeê, gado!" E batia forte com um cipó na cerca do caminho. E a cada batida, e a cada grito, mais e mais eu me empolgava. E a empolgação foi tanta que quebrei o cipó.

Ora, cipó quebrado, só fiz atirar fora o pedaço que ficou na minha mão e, ato contínuo, me virei para a cerca e agarrei o primeiro que vi. Aí aconteceram duas coisas muito estranhas. A primeira: os dois meninos que andavam comigo (todos os dois mais ou menos do meu tope) simplesmente pularam a cerca do outro lado da estrada e meteram o pé na carreira. A segunda: o cipó claramente se mexeu na minha mão. Vivo. E eu lembro de ter pensado assim: "Aivai!"

Depois eu só lembro de estar correndo desembestado no rumo de casa, o coração no ponto de sair pela boca, absolutamente certo de que a danada da cobra vinha pega não pega, nos meus calcanhares. Pensei em tudo que diziam da cobra-cipó, de como ela corria atrás da gente e, se pegasse, dava umas lapadas com seu rabo fino e a sina do sujeito era ficar tão magro quanto ela. Juro que já me via só o palito. E morto.

Esbarrei de correr apenas quando estava dentro de casa, quase desmaiado de cansaço e medo, amarelo, amarelo. Não chorei porque não tinha forças, mas deus sabe o quanto eu queria.

Mais tarde, quando de novo montei na vespa de meu irmão, atracado às suas costas, meu único desejo era chegar logo de volta em minha casa, à segurança de meu velho e conhecido território. O interior me pareceu um lugar muito perigoso. Certamente as pessoas que ali habitam são de outra estirpe, uma gente deveras destemida. Alguma dúvida?...

Okay. Certo. Beleza. Muito bonito. Mas você deve estar aí se perguntando: afinal, cadê o carnaval nesta história?... Seguinte: e o risco que eu corri de nunca mais ver um não conta não, oxente?!

(Lourival Veras)

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