terça-feira, 16 de setembro de 2014

A RESSURREIÇÃO DA UTOPIA!


Admiro profundamente o músico brasileiro Milton Nascimento. Ele pertence a uma estirpe musical que soube aliar, com fulgurante talento, a boa música e o bom conteúdo. Letra e melodia se misturando em um baile de grandeza, itinerário telúrico, exercício reflexivo, eflúvio de excelência.

Dentre suas canções, tenho especial predileção por “Coração Civil”. Ela aborda um tema que me é caro: a utopia. Admiremos a letra, produto de uma parceria de Milton e Fernando Brant: “Quero a utopia, quero tudo e mais/ Quero a felicidade nos olhos de um pai/ Quero a alegria muita gente feliz/ Quero que a justiça reine em meu país/ Quero a liberdade, quero o vinho e o pão/ Quero ser amizade, quero amor, prazer/ Quero nossa cidade sempre ensolarada/ Os meninos e o povo no poder, eu quero ver
São José da Costa Rica, coração civil/ Me inspire no meu sonho de amor Brasil/ Se o poeta é o que sonha o que vai ser real/ Vou sonhar coisas boas que o homem faz/ E esperar pelos frutos no quintal/ Sem polícia, nem a milícia, nem feitiço, cadê poder?/ Viva a preguiça, viva a malícia que só a gente é que sabe ter/ Assim dizendo a minha utopia eu vou levando a vida/ Eu vou viver bem melhor/ Doido pra ver o meu sonho teimoso um dia se realizar”.

A Utopia – cujo berço etimológico é a união dos radicais gregos οὐ, ‘não’ e τόπος, ‘lugar’; portanto, o ‘não-lugar’ ou ‘lugar que não existe’ - tem como significado mais comum a idéia de um território ou mundo ideal, imaginário, fantástico – produto da usina de sonhos da mente humana. (O termo foi popularizado por Thomas More, pois serviu de título para uma de suas obras escritas em latim por volta de 1516. Segundo a versão de vários historiadores, More se fascinou pelas narrações extraordinárias de Américo Vespúcio sobre a recém avistada ilha de Fernando de Noronha, em 1503. Thomas More decidiu então escrever sobre um lugar novo e puro onde existiria uma sociedade perfeita.)

O fato é que sonho com a ressurreição da utopia na política. A cada novo prélio eleitoral – mesmo mirandoos astres e desastres da vida pública, as notícias desairosas, o alargamento das práticas depreciativas – renovo esse desejo de triunfo da boa política. Desejover no púlpito do debate eleitoral a imperiosa agenda da compatibilidade do desenvolvimento com respeito ao equilíbrio do meio ambiente. Desejo ver a higienização da prédica política. Palpita no ar uma necessidade premente: a importância cardeal da eliminação desse discurso tóxico da agressão mútua, sem conseguir ver mérito em nada docontendor; urge eliminar essa sanha irracional de se buscar destruir o outro, ter de desqualificá-lo.

Esse respeito pelo outro, embora suas idéias sejam absolutamente contrárias às nossas, é uma das principais facetas daquilo que se convencionou chamar de ética. Por que, nas disputas eleitorais, há que se recorrer ao desespero, ao vale-tudo, à máxima de que ‘em política, o feio é perder’? Em verdade, o feio – na política e na vida – não é perder uma batalha, mas abrir mão da trilha da correção, da construção de princípios, do culto aos valores essenciais.

Infelizmente, em quase todas as urbes do território nacional ainda prevalece esse modo corrosivo de agir político. Porém, impende questionar: - Por que, para me eleger, tenho que explorar os defeitos do outro ao invés de apresentar minhas qualidades?... - Por que, ao assumir o poder, tenho que seguir a mesma rota obsessiva de buscar desqualificar os antecessores?...

Nessas divagações lembro os faróis, as sentinelas altivas, os monumentos da dignidade, os memoriais do exemplo, como o americano Martin Luther King, que bradou: "Sonho com o dia em que a Justiça correrá como água e a retidão como um rio caudaloso. Eu tenho um sonho em que minhas quatro pequenas crianças vão um dia viver em uma Nação onde elas serão julgadas não pela cor da pele, mas pelo conteúdo de seu caráter".Ou a reflexão singela e generosa de Madre Teresa de Calcutá: "o mundo que Deus nos deu é mais do que suficiente para todos; existe riqueza mais do que sobra para todos. É só uma questão de reparti-la bem, sem egoísmo".Na mesma linha, a fala iluminada de Gandhi: "o caminho da paz é o caminho da verdade. Ser honesto é ainda mais importante do que ser pacífico. A mentira é a mãe da violência. Um homem sincero não pode permanecer violento por muito tempo".

Alguém pode dizer que isto é sonho, devaneio, utopia! Pode ser. Mesmo assim, prefiro seguir na mesma estrada de Eduardo Galeano: “A utopia está lá no horizonte. Aproximo-me dois passos, ela se afasta dois passos. Caminho dez passos e o horizonte corre dez passos. Por mais que eu caminhe, jamais alcançarei. Para que serve a utopia? Serve para isso: para que eu não deixe de caminhar”.

(Júnior Bonfim, na edição de hoje do Jornal Gazeta do Centro Oeste)

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