domingo, 24 de abril de 2016

A SABEDORIA DO SABOR!

Leda Maria, desenhista das partituras sociais da envolvente sinfonia, colunista das molduras da concórdia e da alegria, estrelada pastora dos azulados búzios da poesia, agora nos surpreende com uma nova iguaria: um livro todo dedicado à gastronomia! Em verdade: “Família, Gastronomia e Sociedade”, os três córregos da efetiva afetividade.

Um livro talentosamente talhado é como um prato bem elaborado: há que ser suave e pacientemente degustado!

Este álbum memorial tem sol e sal, esmero e tempero, prazer e saber, amor e sabor. Aliás, saber e sabor vêm originalmente do mesmo habitat: basta mirar a fonte cristalina da palavra latina ‘sapere’ que encontraremos ‘saborear’. Por isso Horácio, poeta das odes do amanhecer, legou-nos o lema “sapere aude”, que significa “ouse saber” ou “atreva-se a saber”.

Com a serena solenidade de quem sai de uma vigília, Leda teve esse ímpeto de ousadia, juntando energia e mobília para compor um delicado mosaico com doze famílias e nos brindar com o itinerário generoso de suas gastronômicas trilhas.

Eis aqui um refinado manto que nos remete à civilização do encanto. Leda recompõe a alameda sentimental que nos transporta à nossa bela época tropical. Ao dobrarmos cada folha é como se fizéssemos uma escolha. Por um verbete vemos abrir os portões de um palacete; em outro momento, a varanda de um apartamento; noutro plano, um pascal sítio serrano.

Cresci auscultando falarem por toda parte que a culinária é uma arte. Por tudo que vi e ouvi, com essa assertiva sempre assenti. É fascinante descobrir e experimentar o que o casamento de ingredientes pode proporcionar.

Mas, além da arte e da candura, a culinária possui o aperitivo da cultura. Ao redor de uma mesa fraterna, a existência torna-se mais terna. A petição da radiante ventura é deferida e se descobre a fortuna de celebrar a vida. Há espaço para a tenebrosa travessia e para o arroubo de megalomania. Analisa-se o todo do mundo e o raso pires torna-se profundo.

Sem maiores exercícios de empenho, pelos poros da culinária brotam estrofes de arte e engenho, os suores revitalizantes da luta, os incensos da mítica labuta, o frio ardente da ternura, as calorias transcendentais da cultura, as frutíferas árvores da memória, os contagiantes orvalhos da História!

(No universo do religioso simbolismo, a mesa atingiu o ápice do misticismo. O Jovem de Nazaré, que na relva da humildade foi Rei – segurando o vinho e o pão com solene afeição - disse: comei e bebei! Desde então, para quem se proclama cristão, o móvel em que se serve a refeição é também um espaço de sagrada comunhão!)

Este livro é um portal de diamante, que se abre para receber os comensais de um banquete fascinante. Há nele o olor da especial predileção, o inconfundível aroma da envolvente sedução. A gastronomia, ordenamento jurídico do estômago e de sua fantasia, está acompanhada de outra peculiar alegoria: o roteiro de especialista montado por cada protagonista.

Como referencial de uma boa mesa, Abelardo elegeu a cozinha tailandesa, enquanto Cassandra, do ponto de vista da beleza, é apaixonada por aparelhos de louça inglesa. Em se tratando de fruta, Dona Beatriz escolheu a manga; enquanto Mana celebra a páscoa no ameno clima de Guaramiranga. Esta cultua o santo Francisco com fé, herança dos tempos de Canindé; aquela revela um segredinho: o toque da doçura em uma taça de vinho. A paulista Cybele espancou o preconceito e elegeu o baião de dois como um prato conceito. Dama das artes, Ignez Fiúza repontua o momento supréme do famoso La Boheme, espaço créme de la créme.

Porque trata da sabedoria do sabor, este é um caderno de raro esplendor. É para ser apreciado em um lugar aprazível, pois trata de um tema sensível. Ou melhor, daquilo que deve estar em primeiro plano: a essência do humano!

(Júnior Bonfim, no Prefácio do livro “Memórias Gastronômicas de Famílias Cearenses”, de autoria da Jornalista Leda Maria, Fortaleza, Ceará)

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