quarta-feira, 4 de novembro de 2009

CONJUNTURA NACIONAL


Ô JARDINEIRA...

Na cidadezinha do norte do Rio de Janeiro, a procissão de Senhor Morto caminhava lenta e piedosa, na sexta-feira da paixão, com o povo cantando, de maneira compungida, os hinos sacros. O velho padre na frente, o sacristão ao lado e os fiéis atrás, cantando as músicas que o vigário puxava. De repente um pequeno ônibus, que na região chamam de "jardineira", passou perto e começou a subir a íngreme ladeira da igreja, bem em frente da procissão. No meio da ladeira, a "jardineira" afogou, encrencou, parou, deu aceleradas fortes e inúteis e começou a dar para trás, de costas. Os fiéis não viram, mas o padre, atento, viu. E ficou apavorado. A "jardineira" já despencava numa grande velocidade. O padre gritou:

- Olha a jardineira!

E os fiéis começaram a cantar, em ritmo de samba:

- Ô jardineira, por que estás tão triste? Mas o que foi que te aconteceu? Foi a camélia que caiu do galho, deu dois suspiros e depois morreu.

A "jardineira" descambou ladeira abaixo, até que parou. Não atropelou ninguém. Sob o olhar do Senhor Morto! Mas os fiéis não aguentavam de tanto rir. Sebastião Nery, em seu Folclore Político.

REFLEXOS DA CRISE

A crise política é crônica. Vem lá de trás. E se projeta nos horizontes do amanhã. Carrega os vícios dos ismos: patrimonialismo, caciquismo, mandonismo, paroquialismo, grupismo, familismo, patriarcalismo. O balcão de recompensas multiplica suas ofertas. O varejo político impera. Os Poderes imbricam funções. Os palanques se expandem nos períodos da entressafra eleitoral. E quais são os reflexos dessa crise nos costumes? Eis alguns deles:

Banalização – A repetição de escândalos, ilicitudes e desvios esquarteja o conceito de nação. Transforma o altar da pátria em entulho de lixo.

Pasteurização – Os partidos tornam-se amorfos, inodoros. Pasta incolor.

Mimetismo – Se os parlamentares não se respeitam, por que eu tenho de ser educado? Se a eles falta compostura, por que eu tenho de me comportar bem?

Descrença – Políticos entram no perigoso território da descrença, abrindo um enorme vácuo entre a esfera institucional e o universo social.

E OS REFLEXOS POSITIVOS?

Mas podemos distinguir um pequeno farol no final do túnel. Seus reflexos mostram aspectos positivos, dentre eles:

Racionalidade – Tendência para observação mais aguda dos fenômenos políticos.

Poder crítico – Expansão da crítica social e exigências mais rigorosas sobre comportamentos e atitudes.

Organicidade social – Integração de forças em torno de movimentos, núcleos, associações e entidades de todos os tipos. Que passam a fazer pressão sobre a esfera institucional.

Renovação – Tendência de grupos sociais organizados para inserir no território político perfis que encarnem o ideário de renovação.

"Se cada um se ocupasse do seu trabalho, o mundo daria as suas voltas com maior rapidez". (Lews Carroll)

FHC E O SUBPERONISMO

No seu artigo de domingo, no Estadão, Fernando Henrique faz contundente peroração contra os rumos que o governo Lula imprime ao país. O diagnóstico é duro: estamos vivenciando um subperonismo, onde imperam um sindicalismo que vive às custas do Estado, partidos fracos e fundos de pensão, que dão as cartas na direção de grandes empresas. As transgressões se multiplicam, as estruturas se enchem de amigos e apaziguados, a propaganda vende um território de felicidade "nunca visto antes neste país" e o mandatário assume a postura de um imperador acima de tudo e de todos. Ao lado do artigo do ex-presidente, o meu, relatando as peripécias de uma perereca, detalhe na paisagem do obreirismo faraônico com que Lula pretende desenhar a imagem de Dilma Rousseff.

OPOSIÇÕES DEFINHAM

Fernando Henrique, na verdade, chama a atenção das oposições, quando mostra as ilicitudes e o estilo Luiz XIV – L'état c'est moi – de Luiz Inácio. Vocês não vêem as contrafações, as ilicitudes, as barbaridades cometidas, os climas artificiais em torno da ideia – falsa – do Brasil Potência? Onde estão vocês, oposições? O PSDB dá impressão de que subiu no muro. O DEM, nervoso com as indefinições que tomam conta do parceiro (Serra? Aécio?), se esfarela. Cobra de José Serra indicações mais fortes. Apela para o governador mineiro decidir seu rumo. As cobranças se perdem nas margens da Torre de Babel.

"Não desperdice lágrimas novas em tristezas antigas". (Eurípedes)

TSUNAMI GOVERNISTA

Não por acaso, o Brasil é engolfado por um gigantesco tsunami governista. Que passa por cima de tudo e de todos. Preenche todos os buracos. Invade territórios. Define a agenda do Parlamento. Coopta quadros por todos os lados. O rolo compressor carrega tudo que encontra pela frente. O governismo é um rinoceronte. O oposicionismo é uma formiguinha. Que não chega nem a fazer cócegas na pata rinocerôntica. Quanto menos atrapalhar a caminhada do bicho feroz pelas savanas eleitorais.

A JUSTIÇA

"A justiça, lemos em Platão, é o que reserva a cada um sua parte, seu lugar, sua função, preservando assim a harmonia hierarquizada do conjunto. Seria justo dar a todos as mesmas coisas, quando deles não têm nem as mesmas necessidades nem os mesmos méritos? Exigir de todos as mesmas coisas, quando eles não têm nem as mesmas capacidades nem os mesmos encargos? Mas como manter então a igualdade, entre os homens desiguais? Ou a liberdade, entre iguais? Discutia-se isso na Grécia; continua-se a discuti-lo. O mais forte prevalece, é o que se chama política". (Pequeno tratado das grandes virtudes – André Comte-Sponville)

AÉCIO SOBE, SERRA DESCE

Impressão – singela – deste consultor. Aécio Neves, a cada semana, sobe um degrau na escada eleitoral que dá acesso ao Planalto Central. E José Serra, que estava no alto da escada, neste momento desce para o degrau do meio. Serra só subirá a montanha eleitoral que conduz à Presidência da República se contar com a ajuda de um teleférico. Mera impressão, repito, de quem observa o bico cada vez menor do tucano que habita o Palácio dos Bandeirantes. Serra só deixa o ninho do Morumbi se tiver certeza de que ganhará outro bem maior. A cada dia, esta certeza decai um grau na escala do confiômetro.

O PODER NA PLACA

Vejam o que é o poder. Um espaço chamado de recanto japonês. Três fontes jorrando. São assim chamadas: amor, saúde e inteligência. O turista fica de costas para essas bicas d'água, joga uma moeda e faz um pedido. Pois bem. O recanto não tem obra de engenharia ou arquitetura que chame a atenção. Mas a placa de inauguração da obra, esta, sim, chama muito a atenção. Tem o nome do prefeito, do vice, de secretários, assessores (incluindo o de imprensa e o jurídico), chefes de departamento e quetais. Total dos nomes ali registrados: 19. O recanto japonês fica na aprazível cidade de belas praças e ótimas termas: Poços de Caldas.

"A consciência é o mais cru dos chicotes". (Machado de Assis)

20 SUPLENTES

O Senado conta, agora, com 20 suplentes. Nenhum deles ganhou um voto. Mas são senadores da República. Esse é um estatuto que precisa ser reformulado. Para ocupar a vaga de senador que deixa a Casa, deveria ser convocado o segundo mais votado. É mais lógico e democrático.

DILMA E O 3º MANDATO

Dilma cometia, até pouco, um erro crasso. Vivia dizendo que sua eleição equivaleria ao terceiro mandato de Lula. Ora, a afirmação aponta para a anulação de sua própria personalidade. Indicaria, ainda, que o dono do mandato continuaria ser ele, Luiz Inácio. E ela seria apenas capacho, em papel secundário. Nos últimos tempos, diante da asneira e certamente alertada, a pré-candidata retirou a declaração de seu repertório.

FUNDOS DE PENSÃO

Os fundos de pensão movimentam os eixos das grandes empresas brasileiras. Só o Fundo Previ dispõe de cerca de 200 cargos nos conselhos das maiores empresas do país. Esse é o verdadeiro sindicalismo de resultados.

DUAS IMAGENS

Recebo duas imagens via internet. A primeira mostra o presidente Barack Obama em reunião com assessores. Sobre a mesa, garrafas d'água, copos de plástico, canetas esferográficas simples. A segunda imagem é uma paisagem do sertão nordestino. Ao fundo, um prédio simples, mais parecendo um grupo escolar a ser inaugurado. Chão de terra batida. Sobre ele, um imenso tapete vermelho, que operários tentam grudar no chão, para que os pés de Sua Excelência, o presidente Luiz Inácio, não toquem na poeira. Naquela paisagem insólita, os garçons devem ter aparecido de branco, alinhados, de colarinho engomado e gestos estudados, servindo champanha em flutes de cristal.

DILMA EM MG

Quem acha que a campanha eleitoral de 2010 ainda não começou, atente para este fato. Em Minas Gerais, os anúncios publicitários do PT estão sendo devidamente usados pela ministra Dilma Rousseff. Não para anunciar obras, não para fazer peroração em torno de algum projeto do governo. Ela aparece na telinha para dizer que muitos mineiros não sabem, mas ela é mineira, uai. Para completar o anúncio orgulhoso, completa com a informação de que foi bater em outras paragens, mas o coração é mineiro. Ou seja, a ministra tenta mostrar a mineirice no segundo maior colégio eleitoral do país.

SORRIDENTE

Em tempo: a ministra mostra-se sorridente todo tempo.

PP IRÁ COM QUEM?

O presidente do PP é o senador Dornelles. Que vem a ser primo de Aécio Neves. Mais mineiro do que nunca, o senador Francisco Dornelles diz que uma coisa é pessoa física, outra coisa é pessoa jurídica. Portanto, o PP poderá caminhar com Dilma, levado por Lula e Maluf. Como a pessoa física pode influenciar a jurídica, o PP também flerta com o PSDB. Claro, se o candidato for Aécio Neves.

E O CIRENSE, HEIN?

Ciro, o cearense, em final de semana, é visto de bermudas e chinelos nos bairros charmosos do Rio; em feriados, despacha-se para a terrinha nordestina, onde fincou suas estacas políticas. Vez ou outra, ele se lembra que mudou o título de eleitor para São Paulo, onde aparece para dar entrevistas. Ciro, depois de alcançar a onisciência, ganha o status da onipresença.

SEM GRAÇA

Uma campanha eleitoral sem Ciro é sem graça. Ciro é chefe da artilharia.

FAUNA POLÍTICA

Acham José Serra parecido com tartaruga. Anda devagar quase parando. Parece também com boi. Sossegado, tranquilo, esforçado. Dilma se parece com borboleta, está sempre voando por onde tem PAC. Mas tem semelhança com pombo, sempre de conversinhas. Ciro Gomes está mais para cavalo. Dá patada para todos os lados. Mas tem jeito também de pavão. Aécio Neves é gato, esperto e companheiro. Lula está mais para leão, poderoso, dominador. Quem tem jeito de macaco?

"Já quis ser ateu, mas desisti. Eles não têm feriados". (Henny Youngman)

RENASCER

Faz pouco tempo. O bispo Estevam Hernandes e a bispa Sônia Hernandes passaram uma boa temporada trancafiados nos EUA. Domingo, lideraram uma passeata de um milhão de pessoas pelas ruas de São Paulo. Isso é o que se chama Renascer.

LEVI-STRAUSS

Morreu Lévi-Strauss, o cientista francês que escreveu "Os Tristes Trópicos". Descreveu a selva de Mato Grosso como o ambiente mais hostil ao homem sobre a superfície do planeta. Strauss era amigo do Brasil e do seu povo.

CONSELHO A DILMA ROUSSEFF

Esta coluna dedica sua última nota a pequenos conselhos a políticos, governantes e líderes nacionais. Na edição passada, o espaço foi destinado aos ministros do TSE. Hoje, volta sua atenção a ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff:

1. Ministra, procure compor sua imagem sem descaracterizar a identidade. Quando a imagem é muito artificial, o eleitor consegue descobrir a taxa de falsidade.

2. Identidade é personalidade, história, caráter, cultura, experiência de vida. Imagem é a sombra da identidade. Se é muito afastada do corpo, a imagem torna a pessoa deformada.

3. Procure ser sincera nos atos, gestos e atitudes.

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(Por Gaudêncio Torquato)

Um comentário:

Dalinha Catunda disse...

Olá Júnior,
Gosto de assinar o ponto em seu blog.
A salada de temas é bem interessante, um pouco de notícias sérias, outro tanto de engraçadas e assim nessa variedade você vai nos cativando.
A da Jardineira é ótima! as do Seu Lunga imperdíveis.
Um abraço,
Dalinha