domingo, 10 de outubro de 2010

OS SETE PONTOS. OU: OS MISTIFICADORES JÁ PERDERAM A ELEIÇÃO!


Eu continuo sem saber quem vai ganhar as eleições. O que sei é que o resultado nunca esteve tão indefinido, desta feita até para aqueles que deram a disputa como resolvida. Os arquivos dos jornais estão por aí. Faziam-se crônicas sobre o triste destino de Serra; tratava-se a divisão de cargos do “governo Dilma” como um dado da realidade. A opinião dos jornalistas — com raras, raríssimas exceções mesmo! — era soprada por potentados morais acima de qualquer suspeita como Marcos Coimbra, do Vox Populi, ou Ricardo Guedes, do Sensus. Aqueles um pouquinho mais exigentes buscavam Carlos Augusto Montenegro. Os que pretendiam chutar com muita credibilidade só decretavam a vitória de Dilma no primeiro turno depois de ouvir Mauro Paulino, do Datafolha. E havia, finalmente, os que somavam todos esses — indo de Paulino, num extremo do possível, a Coimbra, no outro extremo — para tirar uma média…

A pratica foi inaugurada na redação de São Paulo do Estadão. Um dia esse jornal há de ter, na totalidade, a qualidade técnica de seus editoriais ou a coragem e percuciência de Dora Kramer! Esta é uma predição benigna, um bom augúrio! Outros augúrios, para outros veículos, não prodigalizo porque me atenho ao que é possível…

E, no entanto, está aí: segundo o Datafolha, sete pontos separam o tucano José Serra (41%) da petista Dilma Rousseff (48%). Sete! Numa eleição de segundo turno, valem 3,5 pontos. No mesmo instituto, há três semanas, a diferença entre os dois era de 22 pontos: 57% a 35%. Em 21 dias, o tucano teria ganhado 8 milhões de eleitores, e Dilma teria perdido 12,15 milhões. Possível? Pode ser. A quatro dias do primeiro turno, no dia 29, o Ibope apontava nada menos de 23 pontos de distância. Agora, dadas as margens de erro, ela pode ser de meros três pontos. Será o eleitorado tão inconstante assim?

Quero reiterar: eu não sei quem vai ganhar as eleições. “Eles”, estes de que falo (que não vão mudar de ramo, claro; continuarão a buscar motivos novos para justificar seus erros), é que sabiam. Decretavam, com fatalismo cínico: “O povo quer é consumir; ninguém está nem aí para escândalos”. Será que não? Tamanha “mudança” do eleitorado terá se dado só por causa do debate sobre a descriminação do aborto (já falo sobre o assunto e sobre a demofobia de Elio Gaspari)?

A vigarice intelectual ganhava ares de ciência. Números comprovadamente errados — basta ver o resultado das urnas — geravam infográficos que tingiam o Brasil de vermelho, no que não era uma onda, mas uma verdadeira tsunami tóxica, que a tudo contaminava. Era a realização de uma predição que vinha de priscas eras: com mais de 70% de popularidade, Lula fará a sua sucessora, e não há política que possa mudar isso. Afinal, como era mesmo, “é a economia, idiota!” Ela certamente conta. Mas “será sempre a política, idiota!”.

Serra estava liquidado, e, entanto, na largada do segundo turno, perder mesmo, segundo o Datafolha, ele só perde no Nordeste (62% a 31%). No Sul, está cinco pontos à frente (43% a 48%); no Sudeste, três (41% a 44%) e, no Norte Centro-Oeste, 2.

“O Reinaldo critica pesquisas, mas fala sobre elas para dizer que Serra melhorou?” EU NÃO CRITICO PESQUISAS. Repito o que já escrevi aqui e falei em vídeo na VEJA online: critiquei o “interpretacionismo”; os que usam números para antever resultados e decretar o fim antecipado do processo eleitoral. Jornais, revistas, sites noticiosos etc passaram a considerar que os institutos substituíam os eleitores. E eles não substituem. Não sei quem vai ganhar a eleição. Caso Serra seja o vitorioso, algumas penas deveria silenciar de vergonha. Mas não o farão porque não poderão usar o que não têm.

Mas o que moveu essa gente? Há os venais de sempre, e nada há a dizer a respeito deles porque são convictos como um táxi — não os de Nova York, que só aceitam levar a gente para um determinado lugar se também estiverem indo para lá, hehe… Há os ideológicos, que buscam o mesmo resultado dos vendidos, distorcendo a verdade por convicção; acreditam que a canalhice, quando crença ou ideologia, se torna uma virtude. E há os covardes de sempre — talvez sejam os piores, já digo a razão —, que temem a patrulha e emprestam substantivos e adjetivos novos ao consenso. Então se deixam engravidar pelo ouvido.

Resultado: o segundo turno está aí, ninguém pode mais “prever” o resultado, e alguns dados da equação até contam em favor do candidato tucano: o PSDB elegeu governadores em primeiro turno, por exemplo, nos dois maiores colégios eleitorais do país: São Paulo e Minas — além de Paraná e Tocantins; disputa o segundo em cinco outros. Como Serra vinha da “derrota certa”, sua candidatura ressurge revigorada; como Dilma vinha da “vitória certa”, sua candidatura deu sinais de fadiga, o que não quer dizer que não possa se recuperar.

À diferença do que sugerem as cheerleaders da candidatura Dilma, que se comportam agora como viúvas ressentidas e, obviamente precoces, o segundo turno é um sinal de vitalidade da democracia: não basta Lula mandar para acontecer. No mínimo, o eleitor pede mais esclarecimentos. E está aí em razão de conjunto de fatores — a polêmica sobre o aborto é uma delas, mas certamente não será a única. Quem sabe a própria imprensa fique melhor diante dessa realidade e aprenda, quando menos, a ser prudente, por mais difícil que seja. E fácil não é mesmo.

Relembrando: na pesquisa de hoje, Dilma aparece com 48%, e Serra, com 41%. No texto em que trata dos números, escreve Fernando Rodrigues na Folha:
“No dias 1º e 2 de outubro (…), Dilma teria 52% contra 40% de Serra (…) Dilma perdeu quatro pontos percentuais. A petista teve uma oscilação na margem de erro máxima da pesquisa”.

Está errado! Duvido que Mauro Paulino, o chefe do Datafolha endosse essa afirmação do redator. Ela não teve “oscilação” coisa nenhuma! Teve queda mesmo, FORA DA MARGEM DE ERRO, que é de dois pontos para mais ou para menos.

Esse quadro pode mudar depois de uma semana de propaganda na TV? Pode, sim. Meus textos compreendem essa possibilidade. Não faço antevisões, previsões, predições, maldições, nada. “Eles” fizeram — e estou certo de que acharão este texto muito parcial… Alô, analistas! Comecem a ouvir menos o João Santana e a ouvir mais o povo…

O segundo turno está aí, indefinido! Por pouco as urnas não foram seqüestradas pela associação entre marqueteiros, pesquiseiros e “analistas”. Pode dar Serra, pode dar Dilma. Em qualquer dos casos, os mistificadores da “análise” já perderam a eleição vergonhosamente.

(Por Reinaldo Azevedo)

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