terça-feira, 29 de março de 2011

O VERBO É PARTICIPAR


Adoramos verdades absolutas. Exaltamos os dogmas, as definições que nos são impostas e que nos cabe aceitar sem discussão. É como se, apegados a um dogma, estivéssemos tranqüilos, à sombra de uma árvore colossal. Uma dessas ‘verdades absolutas’ é a de que o povo tem sempre razão. Somatório das individualidades, esse coletivo às vezes também se equivoca. Olvida de por a mão na algibeira da razão, age pelo combustível do impulso ou embalado pelas notas sedutoras da emoção.

Rubem Alves lembra que

“Seria maravilhoso se o povo agisse de forma racional, segundo a verdade e segundo os interesses da coletividade. É sobre esse pressuposto que se constrói o ideal da democracia. Mas uma das características do povo é a facilidade com que ele é enganado. O povo é movido pelo poder das imagens e não pelo poder da razão. Quem decide as eleições – e a democracia - são os produtores de imagens. Os votos, nas eleições, dizem quem é o artista que produz as imagens mais sedutoras. O povo não pensa. Somente os indivíduos pensam. Mas o povo detesta os indivíduos que se recusam a ser assimilados à coletividade. Uma coisa é o ideal democrático, que eu amo. Outra coisa são as práticas de engano pelas quais o povo é seduzido. O povo é a massa de manobra sobre a qual os espertos trabalham. Nem Freud, nem Nietzsche e nem Jesus Cristo confiavam no povo. Jesus Cristo foi crucificado pelo voto popular, que elegeu Barrabás. Durante a Revolução Cultural na China de Mao-Tse-Tung, o povo queimava violinos em nome da verdade proletária. Não sei que outras coisas o povo é capaz de queimar. O nazismo era um movimento popular. O povo alemão amava (Hitler) o Führer. O mais famoso dos automóveis foi criado pelo governo alemão para o povo: o Volkswagen. Volk, em alemão, quer dizer “povo“...” (...) De vez em quando, raramente, o povo fica bonito. Mas, para que esse acontecimento raro aconteça é preciso que um poeta entoe uma canção e o povo escute: ‘Caminhando e cantando e seguindo a canção...’ Isso é tarefa para os artistas e educadores: O povo que amo não é uma realidade. É uma esperança.”

É óbvio que, quando rompe a cercadura da manipulação, o povo tende a seguir a trilha da retidão. Nos dias atuais um fenômeno tem ajudado muito na disponibilização de dados para que a massa popular possa usar o prumo do discernimento: a internet. O acesso às informações, o avanço das redes sociais, o crescente robustecimento de sítios livres no território inesgotável da web – se constitui na mais auspiciosa oportunidade de ascensão à luz da razão e de fortalecimento à inteligência popular.

Os munícipes de Crateús, nos próximos dias, serão convidados a elaborar uma nova Carta de Princípios da Municipalidade. A Lei Fundamental do Município, a que organiza o conjunto das relações locais, a Lei Orgânica Municipal será revista, rediscutida, reformulada, atualizada. Qual a garantia que podemos ter de que essa Lei será melhor que a atual? A participação popular.
Participar é o verbo da vez. José Saramago dizia que a única alternativa a tudo aquilo que tem a ver com a vida social é a participação. E mais: ‘A sentença mortal das democracias é a renúncia dos cidadãos à participação. Os principais responsáveis somos nós mesmos, quando delegamos o poder a outra pessoa, que, a partir desse momento, passa a usá-lo e controlá-lo’.

Em dia de eleição é comum ouvirmos a seguinte expressão: - Já votei, perdi meu valor. Ainda é muito forte no nosso imaginário a idéia de que só temos valor antes de depositar o voto na urna. Ora, aí é que começamos a nossa caminhada valorativa. Porque atuamos, votamos, elegemos, exercitamos a cidadania.

Por isso, impõe-se que a sociedade, através dos seus segmentos organizados, assuma papel de protagonista nesse processo revisional da Lei Maior do Município. A inserção de normas que assegurem a democratização dos poderes municipais, tanto Legislativo quanto Executivo, é essencial para o progresso local.

Confeccionar um arcabouço normativo, desenhar normas que regulem as relações sociais, pode ser uma atividade lúdica, instante de arrebatamento coletivo, momento de revigoramento das asas dos sonhos e de fazer voar a imaginação. Imagine-se, por exemplo, que além de assegurar a manutenção da iniciativa popular de leis, o povo possa também fazer uso do poder de vetar leis e ações que julgue nocivas ao interesse coletivo? Imagine-se, também, a criação de mecanismos de censura a candidatos que, no palanque, exibem uma carta de compromissos e, no poder, fazem uso de outra?

Tudo isso pode se concretizar, se soubermos o verbo correto utilizar. O verbo é participar!


(Por Júnior Bonfim, na edição de hoje do Jornal Gazeta do Centro Oeste, Crateús, Ceará)

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