terça-feira, 19 de abril de 2011

QUARESMA


Estamos em plena Semana Santa. É o pôr-do-sol da Quaresma. Tempo que nos remete a um estado de contemplação, de parada mística, de renovação da fé.

Por algum tempo tive dificuldades para absorver a relação entre a caminhada da fé e os passos da política. Julgava serem antagônicos o universo da fé e o mundo da política. Naquele, enxergava um grupo de imaculados, envoltos em uma aura ascética, alheios às disputas mundanas pelo poder; neste, vislumbrava uma plêiade de surfistas deslizando nas ondas tempestuosas da ganância, um grupo de pára-quedistas observando o lugar mais conveniente para pousar, absortos em uma agenda mercadológica consumidora inclusive do imprescindível tempo de dedicação à família e ao diletantismo.

Foi D. Fragoso quem me ensinou a ligação profunda, a intimidade essencial entre fé e política, pilastras do mesmo edifício onde reside a deusa da Justiça. Ninguém vive sozinho. Embora seja produto de uma iluminação pessoal, a fé se sedimenta no mutirão humano, é construção coletiva, está vinculada à existência em sociedade. A vida dos profetas bíblicos é a história de homens que lideraram o povo em busca de uma terra onde escorresse leite e mel.

A vida do Mestre Jesus é um exemplo da umbilical união do divinal com o terreno. Jesus encarou os problemas do seu tempo. Optou pelos despossuídos. Enfrentou os vendilhões do templo. Trouxe a lume a hipocrisia contida na prática dos doutores da lei. Foi compreensivo com o erro dos pecadores. Cultuou a paz. Incomodou aos poderosos e terminou assassinado em uma cruz como prisioneiro político. Portanto, ser cristão (seguidor de Cristo) é encarar a política como missão. E refletir sobre os temas da agenda cristã à luz da crença transformadora.

A quaresma (do latim, quadragésima), os quarenta dias que se iniciam na quarta-feira de cinzas, é uma época plena de significações.

Para os estudiosos, o número quatro, na Bíblia, simboliza o universo material. Os zeros que o seguem significam o tempo de nossa vida na terra, suas provações e dificuldades. Portanto, a duração da Quaresma está baseada no símbolo deste número na Bíblia. Quarenta dias do dilúvio, quarenta anos de peregrinação do povo judeu pelo deserto, quarenta dias de Moisés e de Elias na montanha, quarenta dias Jesus passou no deserto antes de começar sua vida pública, são exemplos disso. Noutras palavras, Quaresma corresponde a um período preparatório para a realização de uma tarefa heróica e histórica. Prenúncio de uma grande missão. Por isso alguns se impõem sacrifícios (ou sagrados ofícios). Abstêm-se de determinados prazeres, como o excesso de comida e bebida. É o popular Jejum.

É importante, no entanto, que saibamos o verdadeiro sentido do jejum. Há alguns dias o amigo Boaventura Bonfim me enviou uma mensagem lapidar sobre o Jejum que agrada a Deus, aquele que nos leva às veredas do bem.

Lembrei-me, então, da mensagem do Profeta Isaías, que pode assim ser resumida: "O fruto da justiça será a paz" (Isaías 32, 17).

Profeta iluminado, homem luminoso, Isaías era conselheiro do rei de Judá. Malgrado ser íntimo do poder, sempre manteve a coerência. Fronte voltada para o sol, sabia o que agradava ao Senhor. Intérprete humano da vontade divina, foi enfático sobre o tema do jejum:

"O jejum que eu quero é este: acabar com as prisões injustas, desfazer as correntes do jugo, pôr em liberdade os oprimidos e despedaçar qualquer opressão; repartir a comida com quem passa fome." (Isaías 58, 6-7).

O espírito da quaresma é este: empreender todos os esforços e sacrifícios no sentido de realizar a utopia de uma vida justa, digna, humana, feliz.

A nossa cidade, palco em que a política convencional resta divorciada dos princípios evangélicos, carece de uma sacudida quaresmal!


(Por Júnior Bonfim, na edição de hoje do jornal Gazeta do Centro Oeste, Crateús, Ceará)

Um comentário:

Francis Vale disse...

Júnior,
Não li seu comentário no Estadão sobre a questão da "classe média&povão&fhc&lula".
Gostaria de ter o link de onde encontrá-lo.
Creio que essa conclusão do FHC precisa ser melhor analisada. Ora, todos dizem que a classe média cresceu em número de pessoas e hoje é um percentual bem mais expressivo do eleitorado. No entanto, esse crescimento ocorreu exatamente após a ascensão de Lula. Aí eu pergunto: a qual classe média ele se refere? A que ainda não era e ascendeu com Lula ou a que já era e perdeu algumas vantagens ( funcionários públicos, profissionais liberais etc)?O que você acha?