terça-feira, 31 de maio de 2011

JOÃO DE PAULA MONTEIRO FERREIRA


No último carnaval crateuense o bloco Mandacaru rendeu graças ao mais destacado memorialista vivo da antiga Vila Piranhas ou Príncipe Imperial: Norberto Ferreira Filho, o Ferreirinha. Por ocasião do desfile algumas pessoas, sobretudo jovens, indagavam sobre a identidade de um cidadão (por certo ignoravam tratar-se de um dos integrantes da prole do homenageado) que se destacava enfeitando um dos carros alegóricos. Aparentemente passado no engenho da maturidade, o folião em comento era João de Paula Monteiro Ferreira, que há pouco mais de quatro décadas se firmara como ícone de uma geração de jovens que almejava contaminar de imaginação e sonho a atmosfera do poder.

Ferreirinha, um mito nonagenário, aprendeu na padaria do pai que o povo, assim como o pão, precisa de fermento. E se tornou fermento na massa popular da sua terra. E passou a alimentar o filho com o pão do idealismo. E o jovem João, como um profeta, educou-se na disciplina da alma resoluta, do coração valente, do peito em luta.

A década de 1960 corria e o mundo ardia sob as chamas da utopia. Em todos os continentes surgiam heróis da epopéia libertária, combatentes da justiça, poetas da igualdade, mestres da paz, músicos da fraternidade. Uma pauta audaciosa inebriava as principais avenidas da terra. Na bela Paris, os jovens de maio erigiam uma verdadeira torre de frases instigadoras como “Sejamos realistas, exijamos o impossível” ou “Criemos comitês de sonhos”.

No Ceará, João de Paula se consolidou como emblema dessa geração ousada na presidência do Diretório Central dos Estudantes (DCE), da UFC. Animou o movimento estudantil na resistência ao golpe militar de 1964, projetando-se como líder nacional. No famoso Congresso de Ibiúna, em São Paulo, aparece credenciado para a Vice-Presidência da União Nacional dos Estudantes (UNE) sob o respaldo de nomes como Frei Tito Alencar, Pedro Albuquerque Neto, Paulo Lincoln Leão Matos e Rute Cavalcante, a primeira presa política do Ceará e, posteriormente, sua companheira afetiva.

Enfrentou solenemente os cárceres da ditadura. Depois, sem alternativa, embrenhou-se no matagal da clandestinidade e se valeu de uma outra identidade até migrar para o exílio - no Chile austral de Allende. Com a quartelada de Pinochet, novamente preso no Estádio Nacional, foi reencontrar a liberdade na Alemanha, onde concluiu o curso de Medicina pela Medizinische Fakultät zu Koln.

Alguns anos depois, com a conquista da Anistia, volta a beijar o solo pátrio. Conheci-o em 1982, quando pleiteava uma cadeira na Assembléia Legislativa Cearense. Integrei um grupo de adolescentes que, em Crateús, subia em uma caminhonete do Fernando Aguiar e pedia votos para Professor Oliveira (Vereador), José Fernandes (Prefeito), João de Paula (Deputado Estadual), Iranildo Pereira (Deputado Federal), Dorian Sampaio (Senador) e Mauro Benevides (Governador). Do grupo, apenas o Vereador e o Deputado Federal receberam os diplomas de eleitos. Aquele resultado doeu no coração do guerreiro. Impactou. Foi um choque. Os choques da repressão nunca o surpreenderam; este, sim. Passada a refrega, me confidenciou que não voltaria a ser candidato.

Refogado na casca do alho das adversidades, retomou a culinária essencial: sempre há um prato novo a ser degustado na mesa da vida. Sua têmpera é feita com o tempero da inovação. Por isso, retomou a festa da vida no banquete da cooperação. Especialista em Psicologia Organizacional e em Filosofia Gerencial, virou um requisitado Consultor de organizações públicas, privadas e não governamentais, na área de Desenvolvimento Organizacional e Humano, com ênfase em Planejamento Estratégico, Programas de Desenvolvimento Gerencial e Modelos de Gestão. Criou e comanda a Personal Consultoria, empresa que trabalha a cooperação entre organizações, utilizando a tecnologia da Gestão Compartilhada. Foi um dos ideólogos do PACTO DE COOPERAÇÃO DO CEARÁ, articulação de forças da sociedade civil, do mercado e do estado, objetivando o desenvolvimento sustentável da Terra da Luz.

Outro dia, perambulando pelos alpendres da web, flagrei-o discorrendo sobre as redes sociais: “Na minha condição de cearense, não é de se estranhar que meu envolvimento com redes tenha começado na mais tenra infância, ao embalo de maviosas canções de ninar, o que criou em mim uma predisposição muito favorável em relação a tudo que receba esse nome”.

Este é o João. Um ser livre e largo, porque liberto das algemas do ressentimento e sintonizado com a amplidão generosa do universo. Um camarada que brilha sem ostentação. Exibe os dotes cosmopolitas de um autêntico sedutor e o fluído envolvente do bom boêmio. Mantém radiosa a aura do carisma. Carrega intacto o sertanejo alforje da benevolência. E cultua a predisposição onírica da tenra infância, em que o sono gerado pelo embalo das maviosas canções de ninar vitaliza o sonho juvenil de um mundo mais prazeroso, cooperativo e feliz.

(Por Júnior Bonfim, nas edições de hoje da Revista GENTE DE AÇÃO e do Jornal Gazeta do Centro Oeste, Crateús, Ceará)



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Amigo Júnior!

Antes de mais nada, meus agradecimentos por sua gentileza e meus cumprimentos por seu belo ( e generoso) texto.

Está excelente, havendo apenas uma informação a corrigir: não fui preso no Estádio Nacional, pois, antes que isso acontecesse, tive a sorte de abrigar-me, sob a proteção da ONU, em um campo criado para estrangeiros, denominado Refugio Padre Hurtado. Saí deste refúgio diretamente para a Alemanha, por mediação da embaixada daquele País em Santiago.

Honrado pelo seu gesto, transmito-lhe meu forte abraço.


João de Paula

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