terça-feira, 9 de agosto de 2011

MORREU ANTONIO IRISMAR FROTA


Com muito pesar registro o falecimento, aqui em Fortaleza, do octogenário crateuense Antonio Irismar Frota.

Tinha por ele uma especial afeição. Foi o Padre Irismar Frota o presidente da cerimônia religiosa em que recebi o sacramento da primeira eucaristia. Naquela manhã memorável de 1972, vestido numa roupa branca como a mandioca pura, recebi minha primeira comunhão e recitei uma poesia. Mais do que decorar rezas e versos, havia descoberto a irresistível luz que arrasta o homem para o território transcendental. Ainda hoje, os pilares da poesia e da religião são os principais sustentáculos do meu edifício pessoal.

Mês passado eu havia escrito, em sua homenagem, a seguinte crônica:



Por detrás daquele olhar ligeiramente grave, daquela imponente compleição, daquele imenso bloco monolítico de aparente sisudez, se esconde um manancial de ternura – que, no decorrer da convivência, se revela uma cascata de afabilidade, uma colossal cachoeira de bom humor. Assim é o octogenário garoto Antonio Irismar Frota, um crateuense do bem. Encontro-me com ele em um junino domingo, na sua arejada residência em Fortaleza. Ao lado de dona Mirian, esposa inseparável e imantada amiga, defronte a uma gruta em louvor a Nossa Senhora e com um terço na mão, ele começa o diálogo abrindo literalmente o coração. Mostra que carrega um dispositivo eletrônico micro processado de alta tecnologia, o popular marca passo. Quando foi colocá-lo, o médico estranhou o fato de possuir na região torácica uma cicatriz incomum. É a primeira grande marca que carrega da infância. Menino traquino nos campos do Riacho Seco - localidade em que veio ao mundo, na área limítrofe de Crateús com Novo Oriente – sofreu uma enorme queda de uma árvore e quebrou uma vértebra. Com medo da censura paterna, amargou solitariamente aquela dor.

No ano de 1930, em que nasceu, era desejo comum e motivo de orgulho de toda família encaminhar um dos seus brotos para o altar sacerdotal. Foi assim que o irrequieto menino do seu Anízio foi destacado para iniciar os estudos teológicos no Seminário da Betânia, em Sobral, e depois concluí-los no Pontificio Collegio Pio Brasiliano (Pontifício Colégio Pio Brasileiro), em Roma, na Itália. Apesar da litúrgica e formal atmosfera, nunca perdeu o dínamo sertanejo: estudou muito e andou a Europa inteira. Em 1957, foi ordenado. Celebrou a primeira missa nas Catacumbas de São Calixto, na Via Apia, região central de Roma, ponto de intensa visitação turística.

Com as vestes talares no corpo e o talo realizador na alma, Padre Irismar Frota retorna à terra natal. Assume a vaga deixada pelo Padre Fernando Frota. Como que determinado a seguir o conselho de Rui Barbosa - “a suprema santificação da linguagem humana, abaixo da prece, está no ensino da mocidade” – começou um lavor fecundo no seio da juventude crateuense. Atrás da Igreja, abriu uma casa, denominada Betânia, para onde moças e rapazes acorriam ao fim da liturgia eucarística. Era um saudável centro de cultura, lazer e entretenimento, com música, jogos de salão, biblioteca etc.

Visando a acender nos jovens a lâmpada da consciência política e social, animou a JEC (Juventude Estudantil Católica), a Cáritas Diocesana e o Movimento de Bairro. Convocava os fiéis para construir o Reino de Deus nesta terra, através do amor solidário ao próximo. Liderava o rebanho católico em mutirões para construção de casas. Pregava e provava que era possível “construir uma casa por dia”. Após a missa dominical, reunia os homens sob o regime de mutirão e, com um taco na mão, estimulava a todos a cumprir a meta. Quando alguém titubeava, ele mostrava o taco e dizia com desfastio: ‘se fraquejar, eu taco o pau’.

Essa sensibilidade social o fez protagonizar uma cena interessante. No auge da ditadura, os admiradores de Luis Carlos Prestes costumavam homenageá-lo no dia 03 de janeiro, data de aniversário do lendário Capitão. Certa feita os muros da cidade amanheceram pintados com loas ao Cavaleiro da Esperança. Meu parente Padre Bonfim, anticomunista ferrenho, usou o púlpito para proferir um veemente sermão clamando providências das autoridades. Pouco tempo depois, foram para detrás das grades Ferreirinha, João Aragão e João da Bela. Segundo o vulgo comentava, Ferreirinha era o cabeça; João Aragão, o pintor e João da Bela segurara o balde de tinta. Padre Irismar resolveu ir visitar os presos. Ferreirinha já estava sendo liberado. O Padre lhe oferece carona. Ao ver a cena, o povo exclamou: “Quer dizer que um padre prende e o outro solta?!”...

Dentre outros motivos, foram as intrigas que plantaram entre os dois sacerdotes e, sobremaneira, desentendimentos na equipe paroquial, que motivaram sua saída de Crateús. Antes, foi ao Chile fazer um curso. E os mexericos continuaram. Em 1973 resolve se licenciar e passar uma temporada em Manaus. De lá, troca correspondência com a amiga Mirian Monteiro. Um dia, vem a Fortaleza e desabafa. Temia a solidão... Ela se lembrou da frase de João VI para D. Pedro e concluiu: “antes que alguma aventureira lance mão desta jóia, eu o farei”. E no ano chuvoso de 1974 subiram ao altar para selar, sob as bênçãos de D. Fragoso, o sacramento do matrimônio. Têm dois filhos: Suzana Lourdes e Norberto Anízio – assim batizados em homenagem aos avós, maternos e paternos. Ela, fisioterapeuta em Sobral; ele, médico neurologista na capital. Ambos são também professores universitários. E, segundo os pais, pessoas maravilhosas.

Indago-lhe qual a reflexão que faz dessas oito décadas de existência. Primeiro brinca: “Estou pronto para ir quando o Senhor me chamar. Mas... não quero ir tão cedo.” Depois pontua: “Deus foi positivo comigo. Deu-me uma vida abençoada. Sou feliz pela esposa e filhos que tenho”. Descobriu o sentido da nossa passagem neste vale terreno - que não precisa ser um vale de lágrimas, mas de alegria – em especial quando se vive em sintonia com o Altíssimo, fazendo o bem ao próximo, encarando o dia a dia com leveza e, sobretudo, bom humor. Charles Chaplin, engenheiro do riso e um dos maiores gênios da alegria humana, proclamou: “o bom humor está um degrau acima da inteligência!” Antonio Irismar Frota vê o mundo desse degrau superior!


(Júnior Bonfim, na Revista Gente de Ação e no Jornal Gazeta do Centro Oeste)

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