sábado, 19 de maio de 2012

HOJE É O DIA DE SANTO IVO - O PADROEIRO DOS ADVOGADOS


No atual cenário conturbado que vive o mundo, mergulhado num ambiente crepuscular de guerras de cunho religioso e/ou político-econômico, ataques terroristas, e crise sem precedentes de valores morais, éticos e humanitários, as religiões exsurgem como verdadeiros últimos bastiões de esperança para a população, apesar de muitas vezes serem acusadas de "ópio do povo", instrumento de manipulação das massas, "muletas", etc.

Diante disso, pareceu-me oportuno escrever sobre Santo Ivo.

Num Estado laico e no qual a liberdade de culto religioso é garantia constitucional prevista no artigo 5º, VI, da Carta Magna vigente, sei que determinadas pessoas - inclusive vários advogados - não crêem em Santos, enquanto outras não professam qualquer sorte de fé. Portanto, o presente estudo não almeja ser laudatório nem peça de divergência ou querela religiosa entre as comunidades católicas, espíritas, judaicas, umbandistas, evangélicas, adventistas, presbiterianas, luteranas (e demais ramos protestantes), budistas, agnósticas e atéias nacionais.

Destarte, visa, pois este artigo apenas proceder a uma abordagem perfunctória da figura histórica daquele que é tido como o Santo patrono dos causídicos.

QUEM FOI SANTO IVO?

Todos os anos, no dia 19 de maio se comemora o Dia de Santo Ivo(1), o Santo padroeiro dos advogados.
Yves Hélory (Helori ou Heloury) era filho de Helori, lorde de Kermartin e Azo du Kenquis. Nasceu nas proximidades de Treguier, na Baixa Bretanha, conhecida região da França, no dia 17 de outubro de 1253. Era, pois de família da pequena nobreza e recebera apurada educação, humana e cristã. Sua mãe, dizia-lhe:

"Meu filho, procura viver sempre de tal maneira, que venhas a ser um santo".

Após a conclusão dos primeiros estudos em sua terra natal, sob a orientação de um jovem sacerdote, Ivo foi enviado em 1267, a tenra idade de 14 anos, à já prestigiada Universidade de Paris, onde estudou Artes Liberais e Teologia. Dentre os seus mestres estava o Doutor Angélico, o prodigioso Santo Tomás de Aquino. Ivo também presenciou conferências do grande São Boaventura, dele aprendendo o espírito franciscano. Posteriormente, o futuro santo foi para Orléans em 1277, onde se especializou em Direito Civil e Direito Canônico. Depois de anos de estudos, durante os quais brilhou entre seus colegas, voltou para Bretanha.
Em 1280, convidado a ser o conselheiro jurídico e juiz eclesiástico, trabalhou primeiramente como juiz episcopal na arquidiocese de Rennes, cidade capital do Ducado da Bretanha, por quatro anos, e depois em Tréguier. Competia-lhe julgar todo tipo de litígios, processos matrimoniais, de contratos e heranças, salvo os processos criminais. Em 1824, seu Bispo o convenceu de receber a Ordenação Sacerdotal, permitindo-lhe manifestar seus dotes de pregador e de reitor de igreja.

Concomitantemente funcionando como sacerdote, advogado e juiz (o que era possível naqueles tempos em virtude de não vigorar a atual estrita distinção funcional) Ivo multiplicava suas atividades, semeando sua fama, por toda a Bretanha, com um contingente crescente de pessoas que se socorriam a ele. Até milagres já eram atribuídos a ele em vida.

Em suma, a defesa intransigente dos injustiçados e dos necessitados deu a Ivo o título de "advogado dos pobres", título esse que continuou merecedor ao se tornar sacerdote, e ao construir um hospital, onde cuidava dos enfermos com suas próprias mãos. Eis outra faceta de Ivo: Frade Franciscano.

Alimentando-se apenas de pão e água, passando a noite em vigília de estudo e oração, não deixava, todavia de percorrer longos caminhos, para encontrar os que dele precisavam. Pregando, orientando, consolando, escutando, reconciliando, decidindo, distribuindo seu dinheiro aos pobres, atendendo os doentes, erigindo uma casa para abrigar os abandonados, levando à sepultura os mortos, Ivo conseguia a admiração, apreço e respeito dos seus contemporâneos.

Ivo de Kemartin morreu de causas naturais na França em 19 de maio de 1303, aos 50 anos de idade. Seu corpo foi sepultado na Catedral de Tréguier, onde é objeto de devoção do fiéis até hoje. A pedido de Bispos e autoridades civis e após minudente processo de investigação, o primeiro desse estilo e nessa seara, o Papa Clemente VI, com a solene Bula de 19 de maio de 1347, assinada em Avignon, proclamava Ivo inscrito no Catálogo dos Santos e Confessores, devendo ser venerado como Santo da Igreja Católica Apostólica Romana anualmente no dia 19 de maio.

HISTÓRIAS E LENDAS

Numa de suas famosas defesas que entraram para a História, Santo Ivo logrou inocentar da prisão uma pobre e ingênua mulher, quando faltava tão-somente o veredicto final. Ela teria sido vítima de dois farsantes que haviam entregue à ela uma mala com ouro e dinheiro, para que a guardasse e somente a entregasse na presença dos dois. Decorridos alguns dias, os ladrões prosseguiram com o pérfido plano: o primeiro conseguiu que a mulher lhe entregasse a mala e o segundo a levou ao Tribunal, acusando-a de roubo. Sensibilizado, Santo Ivo foi ao Tribunal e asseverou que a mulher sabia onde se encontrava a mala e estava disposta a exibi-la. Pediram aí que ela a mostrasse. Santo Ivo acresceu: "Uma vez que a acusada somente pode devolver a mala na presença dos dois interessados, fica o demandante obrigado a apresentar o seu companheiro neste tribunal..."

Nessa esteira, reza a lenda que um pobre, não possuindo dinheiro para comprar comida, aproximava-se diariamente, na hora do almoço, da janela da cozinha de um restaurante e, com o saboroso odor inalado, dava-se por satisfeito. Uma ocasião, o dono do restaurante o interpelou sobre o seu repetido e suspeito comportamento e, ouvindo a cândida explanação do miserável, exigiu dele pagamento como se ele tivesse de fato comido uma refeição. Santo Ivo assumiu a defesa do pobre e, no Tribunal, fez soar aos ouvidos do acusador as moedas que exigia, dizendo-lhe: "Considera-te pago com o som dessas moedas".

Há relatos também de que o próprio Santo Ivo em pessoa buscava nos castelos os cavalos e carneiros tirados dos pobres sob o alegado pretexto de impostos não pagos.

SANTO IVO E A DEFENSORIA PÚBLICA

A criação da "Instituição dos Advogados dos Pobres" foi de inspiração de Santo Ivo, máxime para atender causas dos pobres, viúvas, órfãos e menos afortunados de modo geral. Os motivos históricos e a identidade das funções constitucionais da Defensoria Pública com a "Instituição dos Advogados dos Pobres", fundada pelo aludido Santo, bem como a sua relevante contribuição para o exercício de uma cidadania plena, inspiraram, a escolha eletiva da data de seu falecimento para instituir as comemorações do "Dia do Defensor Público".

Nesse sentido, Magna Carta Brasileira de 1988, no artigo 134 e parágrafo único, tornou realidade, de certa forma, o sonho de Santo Ivo, ao instituir pioneiramente no mundo a Defensoria Pública.

ANEDOTA

Santo Ivo é igualmente alvo de uma célebre anedota jurídica.

Nesse diapasão, e como uma singela forma de homenagear a figura sempre atual do Barão de Itararé, o qual em 29 de janeiro de 2007 estaria completando 112 anos de vida, peço vênia para transcrever na íntegra um trecho extraído do livro "Máximas e Mínimas do Barão de Itararé":

"Como entrou no Céu o primeiro advogado”.

Logo que Santo Ivo morreu, encaminhou-se ao Céu e bateu à porta, que São Pedro não se atreveu a abrir, subestimando as razões do bom santo. - Faço o que quiseres - repetia o porteiro do Céu -, mas não acho que deva permitir a entrada a um advogado, não só porque nem um tem assento entre os santos, mas também porque, muito ao contrário, juraria que se encontram no inferno todos os de tua profissão.

Santo Ivo não se desconcertou; antes, como bom advogado, teve tão convincentes razões para rebater as de São Pedro que este lhe permitiu finalmente entrar no Céu, mas com a condição de permanecer junto à porta.

O hóspede entrou calmamente, sentou-se no lugar indicado por São Pedro, que foi participar a Nosso Senhor o sucedido...
- Fizeste mal! Muito mal, Pedro! - respondeu Deus, quando acabou de escutá-lo. - Havia resolvido que nenhum advogado entraria no Céu, e tinha cá minhas razões para isso. Mas já que está, deixa ficar; sem embargo, não deixes que ele se misture com os outros santos, pois do contrário acabarão no Céu a paz e a boa harmonia. Não o deixes passar além da porta.

Aborrecido e cabisbaixo, voltou São Pedro aonde estava Santo Ivo e comunicou-lhe as ordens dadas pelo Senhor. O Santo advogado encolheu os ombros e, à guisa de passatempo, começou a entabular conversa com São Pedro.

- Que posto ocupas aqui no Céu?

- Não sabes? Sou o porteiro.

- Por quanto tempo?...

- Para todo o sempre.

- Deixa disso. Só se tiveres algum contrato firmado...

- Não há contrato nem coisa que o valha, e para dizer a verdade não há necessidade disso.

- Como assim? Então não estás vendo, grande ingênuo, que qualquer dia Deus pode ter a idéia de te destituir, sem mais nem menos, do cargo que com zelo vens desempenhando há tanto tempo, sem que possas fazer valer teus direitos?
São Pedro coçou a orelha, e, mais amofinado que antes, foi novamente falar com Deus.

- Vamos lá, que é que pensas?

- Preciso de um contrato em que se declare que sou o porteiro do Céu para todo o sempre. Até hoje temos deixado as coisas andar à vontade; mas se vos der na idéia, qualquer dia me destituís do cargo que com tanto zelo...

- Não te dizia eu? Tudo isso são trapaças daquele advogadozinho que tens na porta e que soube encher-te a cabeça.
E ajuntou depois, tomando uma resolução:

- Anda, Pedro, corre e manda-o entrar imediatamente, pois prefiro tê-lo perto de mim a vê-lo junto à porta.

Eis como entrou no Céu o primeiro advogado."

Essa mesma piada também pode ser contada de outra forma:

"Quando Ivo morreu, apresentou-se ele a São Pedro no mesmo instante em que o faziam também diversas monjas. Ao advogado, Pedro fez grandes festas e proporcionou uma vibrante recepção no Céu. As monjas foram também admitidas, mas sem muita festa. Quando elas perguntaram a Pedro o porquê de tal diferença, tiveram esta resposta: "Minhas irmãs: é porque monjas entram aqui diariamente; mas esse advogado é o primeiro que alcançou a entrada do Céu".

CONCLUSÃO

Patrono dos advogados, Santo Ivo dedicou sua vida e obra à defesa dos pobres, fracos e oprimidos, contra os ricos e poderosos, notabilizando-se, máxime, por colocar a sua erudição à defesa nos Tribunais, de toda a classe de desafortunados, ofertando seus emolumentos aos pobres para que fossem utilizados em sua defesa. Com sua sabedoria, imparcialidade e espírito conciliador desfazia as inimizades e conquistava o respeito até dos que perdiam a contenda judicial.

Como se vê, Santo Ivo arrebatou a estima e apreço de todos pela integridade e retidão de vida e pela imparcialidade de seus juízos.

Além de Santo padroeiro dos advogados, Santo Ivo é patrono das crianças abandonadas e da Bretanha.

Assim, na sociedade superficial, materialista e consumista que vivemos, onde as perspectivas de certos advogados no mercado de trabalho não é mais mudar o mundo (como sonhavam os jovens idealistas acadêmicos do passado, que atualmente parece cada vez mais distante e sem volta), mas sim as próprias contas bancárias, só nos resta ficar com algumas das sábias e dadivosas palavras de Santo Ivo, as quais nos ensinam, ainda hoje, a refletir sobre o real significado de "caritas" (termo em latim para caridade), compaixão e amor ao próximo:

"Jura-me que sua causa é justa e eu a defenderei gratuitamente".

Eis, um modelo exemplar e inspirador a ser seguido por nossos doutos juízes e advogados.

(Por Francisco Carlos Távora de Albuquerque Caixeta)

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