quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

CONJUNTURA NACIONAL

E a carteira de reservista?

Abro a coluna de hoje com uma deliciosa historinha com Rui Carneiro, que pontificou por muito tempo no Senado, representando a Paraíba. Passada a campanha eleitoral, derrotados e vitoriosos, locupletados de dívidas, buscaram saldar os compromissos. Rui Carneiro, eleito para o Senado pela Paraíba, foi procurado por uma liderança importante do alto sertão paraibano. Chegara a hora de cobrar a promessa de campanha.

- Senador, agora que o senhor tomou posse, venho aqui cobrar o que me prometeu. Como o senhor sabe, nós o ajudamos muito, vestimos sua camisa. Foi uma campanha dura. Está aqui o meu filho José, a quem o senhor prometeu um empreguinho.

O Senador revirou a memória. Lembrava-se, sim, da promessa. Não podia faltar ao compromisso assumido. Mas, que emprego oferecer? Eis o dilema. Indagou:

- José, meu filho, você tem certidão de nascimento?

- Sim

- Identidade e título de eleitor?

- Sim.

José já se imaginava com o emprego ganho, quando mais uma perguntinha foi sacada da matreirice do senador.

- E a carteira de reservista, o documento mais importante para se obter um emprego publico? Me mostre, por favor.

José perdeu o rebolado. Acabrunhado, respondeu:

- Não, essa não tenho. Nunca me alistei...

Ânimo renovado, salvo pelo gongo, Rui Carneiro deu a cartada final:

- Todo cidadão brasileiro que quiser um bom emprego público precisa servir à Pátria. Ser reservista!

Despachou José e seu pai com um caloroso:

- Estou e estarei sempre à disposição! (Historinha enviada por Lázaro Torquato, meu irmão, em plena recuperação da saúde)

Estadania

Processo de tutela dos direitos da cidadania, em que esses passam a ser vistos como concessões e não como prerrogativas. Forma de enquadrar o ânimo social, dificultar sua emancipação política e perpetuar o poder cartorial. Conceito bem expresso por José Murilo de Carvalho em Cidadania no Brasil. País ainda está amarrado na árvore da Estadania.

A tragédia da vez

Mais uma tragédia anunciada. A morte que chega em grandes números sempre anuncia sua chegada. Pelo menos no Brasil, terra do jeitinho, da arrumação, das curvas, dos desvios, da mancomunação de interesses. A tragédia de Santa Maria/RS era mais que anunciada. Um espaço fechado, com capacidade para menos de mil pessoas, abrigando duas mil. Uma única porta de entrada e saída. E estreita. Materiais inflamáveis. Alvará de funcionamento vencido. Uma banda antenada na liturgia da incandescência do espetáculo. O uso de equipamentos que disparam faíscas para o teto. Essa é a receita de um grande incêndio. Muito menos do que isso já provocaria a morte de muitos jovens.

A liturgia da pós-tragédia

Passados os momentos de comoção, as camadas de dor passam a receber a argamassa da hipocrisia. Autoridades autorizam investigação para apurar as responsabilidades. Indiciados são detidos. As famílias recolhem-se em seus abrigos de aflição. A mídia vai jorrando suítes (matérias em sequência). Pouco a pouco, a tragédia se transformará em um tecido esgarçado pelo tempo. Até ser consumida pela mais nova tragédia. A dor de Santa Maria será substituída pelas dores mais lancinantes da atualidade. A irresponsabilidade continuará a ampliar os seus domínios. Apesar de proibições de funcionamento de algumas casas noturnas. Os controles entram em relaxamento. O pedido da presidente Dilma para prefeitos cuidarem mais atentamente da segurança dos ambientes de lazer e espaços públicos vira um borrão amarelado na história das tragédias. E assim, a sexta maior potência mundial afunda os eixos de sua cultura permissiva nas profundidades do retrocesso.

A campanha está nas ruas

No Brasil, o terreno da política é sempre movediço. Há buracos aqui e ali, entrâncias e reentrâncias para entrada e saída dos atores políticos. O remelexo é constante. Idas e vindas, articulações e desarticulações ocorrem ao sabor das circunstâncias. Por isso mesmo, a campanha de 2014 ganha as ruas. A presidente Dilma, em pronunciamento em rede de TV, anuncia redução do custo da energia elétrica para os consumidores e empresas, em claro posicionamento eleitoreiro. A bandeira da luz mais barata é popular. Na esteira da insinuação da presidente, o governador de PE, Eduardo Campos, do PSB, volta às manchetes e primeiras páginas de revista. O líder do PSB, Beto Albuquerque, anuncia: depois do pronunciamento de Dilma, não há mais como esconder a candidatura de Campos.

Já os tucanos...

Enquanto isso, os tucanos fazem sua Convenção partidária, forma de revitalizar o ânimo das bases. José Serra reaparece na cena com seu primeiro discurso após perder a prefeitura de SP para o petista Fernando Haddad. E o que fazem os partidários do governador Geraldo Alckmin? Lançam Serra na esfera da candidatura à presidência em 2014. Contra Aécio. Quer dizer, SP contra Minas. Nada de café com leite. Café de um lado, leite de outro. Aécio, por sua vez, abre o bico e descreve o travamento da gestão federal. Seu discurso é mero diagnóstico. Carece de propostas substantivas.

Cadê o projeto Brasil?

Aliás, essa é a questão que bate na floresta tucana. Onde está o Projeto para o Brasil? O que o país poderia esperar dos tucanos além de bicadas? As oposições estão travadas no âmbito do discurso. Falar por falar, denunciar por denunciar não leva a nada. Fernando Henrique apóia Aécio. Alckmin apoiaria Serra. Claro, até para poder tirá-lo de sua rota, que é a reeleição ao governo de SP em 2014.

Pérolas do Enem

- Os estuários e os deltas foram os primitivos habitantes da Mesopotâmia.

- O objetivo da Sociedade Anônima é ter muitas fábricas desconhecidas.

- A Previdência Social assegura o direito a enfermidade coletiva.

- O ateísmo é uma religião anônima.

- A respiração anaeróbica é a respiração sem ar que não deve passar de três minutos.

- O calor é a quantidade de calorias armazenadas numa unidade de tempo.

- Antes de ser criada a Justiça, todo mundo era injusto.

- Caráter sexual secundário são as modificações morfológicas sofridas por um indivíduo após manter relações sexuais.

Divisão de poder

Em política, tudo é possível. Inclusive, a entrega da prefeitura da Capital e do governo do Estado a um mesmo partido. Mas isso é algo bastante difícil. O eleitor tende a repartir o poder. Entrega a capital para ser administrada por um partido e o Estado por outro. Por isso, este consultor acha complicada a operação/intenção de Lula de eleger o ministro Padilha, da Saúde, como governador do Estado. Parece mais viável um candidato de outro partido, que não o PT. Esta agremiação, aliás, divide o eleitorado. Uma parte a ela se engaja, outra toma distância. A rejeição ao PT continua alta em SP. Mas o partido, sem dúvida, tem condições de jogar seu candidato no segundo turno.

Corrosão de material

Diante disso, surge a questão: quer dizer que é mais fácil para o PSDB ganhar o governo de SP? Em tese, sim. Mas há um fator complicador. É aquilo que o marketing político batiza de "corrosão de material". São 20 anos de poder tucano no Estado de SP. Tempo considerado limítrofe para se constatar os primeiros sinais de desgaste da identidade. Explico: Identidade é a coluna vertebral do ator político, seja ele pessoa jurídica, um governo, seja ele pessoa física, o governador Geraldo Alckmin, por exemplo. Identidade é a soma do discurso, ações, propostas, ideários, atitudes, forma de governar, ao lado do plano estético - visual do governo, gestos pessoais, etc. Depois de muito tempo, essa composição vai ganhando tons de cinza ou de amarelo desbotado. O discurso fica velho. O eleitor quer distinguir um novo colorido na paisagem.

O jeito Alckmin de governar

Geraldo Alckmin é, como diz a linguagem dos setores médios, um gentleman. Educado, pessoa de fino trato, cordial, ou, para usar outra imagem, o perfil do sogro ideal. Ao contrário de Mario Covas, um perfil rompante, destemido, que exibia autoridade na fala e nos gestos. Covas era conhecido pela coragem de enfrentar todos os obstáculos. Partiu para cima de um grupo que o apupava na entrada da Escola Caetano de Campos. Alckmin, ao contrário, tem jeito de que é incapaz de matar uma mosca. O estilo é a pessoa, já diziam os clássicos da literatura. Pinço a observação para a política. A identidade do governo de SP leva muito dos traços pessoais de Alckmin. Suave, maneiroso, sem um tronco firme (uma coluna vertebral) que possa identificar a administração. Esse é o busílis, o entrave, que dificultará a reeleição de Alckmin.

Alternativas

O PMDB deverá fechar posição em torno de Paulo Skaf, presidente da FIESP. Trata-se de um perfil conhecido pelo ativismo e empreendedorismo. Skaf foi reeleito por unanimidade para a maior Federação de Indústrias do país. Mudou a feição da casa, transformando-a em foro de debates diários. Ali se vêem ministros, ex-ministros, grandes economistas e analistas da cena brasileira. Lidera ele grandes causas, como o barateamento do custo da energia, uma campanha da FIESP. Portanto, se for o candidato do PMDB e dispuser de um bom espaço de TV, poderá ser o meio termo entre o continuísmo tucano e o oposicionismo petista, que já ocupa o terreno municipal. Há, ainda, o nome do ex-prefeito Kassab. Trata-se de um grande articulador. Mas terá ele de quebrar grandes resistências a seu nome e redesenhar os costados da imagem. Além disso, sobraria para ele a disputa ao Senado. Também uma chance.

E Suplicy?

Pois é, em 2014, haverá apenas uma vaga em disputa para o Senado. Eduardo Suplicy, o eterno senador petista, continuará a ter preferência ? Na visão deste consultor, trata-se de um perfil que também atravessa o corredor onde estão os materiais corroídos pelo tempo. Suplicy toparia ser candidato a deputado ? Minha impressão é de que o PT vai desviá-lo da Câmara Alta (Senado) e candidatá-lo à Câmara Baixa (Câmara dos Deputados).

Diálogo nacional

A partir de hoje, às 11 horas, estará no ar - pelo canal comunitário - o programa Diálogo Nacional, onde o vice-presidente da República, Michel Temer, será entrevistado por Ruy Altenfelder. Pela primeira vez, ver-se-á Temer falando sobre aspectos muito pessoais de sua vida, recitando e interpretando poesias de seu livro Anônima Intimidade (Editora Topbooks), a ser lançado, amanhã, a partir de 18h, na Livraria Cultura do Conjunto Nacional, av. Paulista. Trata-se de um raro momento de descontração expressiva. Michel, como se sabe, é conhecido pela maneira discreta como se comporta, não tendo hábitos de extravasar na linguagem.

Maquiavel e Richelieu

Maquiavel dizia: "nada é mais difícil de executar, mais duvidoso de ter êxito ou mais perigoso de manejar do que dar início a uma nova ordem de coisas". E o cardeal de Richelieu lembrava em seu testamento político: "o que é apresentado de súbito em geral espanta de tal maneira que priva a pessoa dos meios de fazer oposição, ao passo que quando a execução de um plano é empreendida lentamente a revelação gradual do mesmo pode criar a impressão de que está sendo apenas projetado e não será necessariamente executado".

Lições do inesquecível Saramago

"Se tens um coração de ferro, bom proveito. O meu, fizeram-no de carne, e sangra todo dia".

"Gostar é provavelmente a melhor maneira de ter, ter deve ser a pior maneira de gostar".

"Não tenhamos pressa, mas não percamos tempo".

"O que as vitórias têm de mal é que não são definitivas. O que as derrotas têm de bom é que também não são definitivas".

"Se podes olhar, vê. Se podes ver, repara".

"Dentro de nós há uma coisa que não tem nome, essa coisa é o que somos".

"O talento ou acaso não escolhem, para manifestar-se, nem dias nem lugares".

"Fisicamente, habitamos um espaço, mas, sentimentalmente, somos habitados por uma memória".

"O espelho e os sonhos são coisas semelhantes, é como a imagem do homem diante de si próprio".

Conselho às autoridades municipais

Esta coluna dedica sua última nota a pequenos conselhos a políticos, governantes, membros dos Poderes e líderes nacionais. Na última coluna, o espaço foi destinado à presidente da República. Hoje, volta sua atenção às autoridades municipais:

1. Comecem sua gestão pelo controle rigoroso da segurança nos ambientes de lazer e nos espaços públicos usados pela comunidade. A tragédia de Santa Maria não pode se repetir.

2. Não tenham dúvidas em mandar fechar estabelecimentos que apresentem qualquer irregularidade e que ameacem a segurança dos seus ocupantes.

3. O respeito à autoridade municipal começa pelo cumprimento da lei, sob o império da Ordem.

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(Gaudêncio Torquato)

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