sábado, 14 de setembro de 2019

CARTA PARA DIMAS!

Gracias, generoso poeta!

Rememoro, com entusiasmada tranquilidade, aquele nosso não planejado encontro em uma patriótica cafeteria, no último sábado do mês mais florido e primaveril que existe, o sorridente mês de maio (responsável por minha interação com o arraial humano).

Mimoseaste-me com a última fornada de teus sempre deliciosos pães literários – o primeiro, uma procissão aérea de pássaros canoros segurando codificações e tochas cerimoniosas (Codicírio - sic); o segundo, uma graciosa exposição de molduras reflexivas renovando uma profissão de fé na Justiça (Ensaios de Teoria do Direito) – e eu estou a me deliciar com ambos.

Camarada: és agraciado pela fortuna! Quando a luz te alcançou, tinhas na mão uma Pá e, nascido na Lavras, logo descobriste teu propósito: ser obreiro da Palavra!

(Às vezes me interrogo: como um Rio, dito Salgado, produziu um ser tão doce?! Louvada seja tua ‘Mangabeira de Lavras que, do mundo, é o batente, mobília do céu, posta na mente’.).

Bem sabeis que, entre nós, como sói ocorrer com os magnetizados com a possibilidade da transcendência, há o desenvolvimento suave de uma comunicação indecifrável, desprovida dos artefatos do verbo, liberta dos vieses silábicos, longe das obliquidades fonéticas e das esguelhas sonoras.

Vez por outra os poetas, assim como os profetas, somos convidados a percorrer as discretas, paradoxais e invisíveis trilhas do mutismo dialógico.

Contam que Buda, o profeta da felicidade desperta, certa feita estava para fazer uma de suas famosas preleções para milhares de discípulos, que acorreram ao seu encontro de um raio de muitos quilômetros. Quando o mestre religioso apareceu, vinha segurando uma flor. O tempo passava, os seguidores aguardavam ansiosamente a preleção, e o oráculo permanecia silente. Apenas olhava para a flor. A multidão ficou impaciente, mas um dos seus mais próximos místicos, Mahakashyapa, que não conseguiu se segurar por mais tempo, explodiu em uma bela risada. Buda acenou-lhe para que se aproximasse, entregou-lhe a flor e disse à multidão: “Tudo o que podia ser dado a vocês com palavras eu já lhes dei; mas com esta flor dou a Mahakashyapa a chave de todos os ensinamentos”.

Com efeito, Buda, assim como todos os grandes reitores do espírito e arquitetos da claridade, sabia que a chave de todos os ensinamentos não podia ser dada por meio da comunicação verbal.

É isso. Os que conseguem ultrapassar o ardiloso pântano da mera sedução verbal, descobrem a semente imorredoura. E não por acaso se enfastiam com as veleidades e, sobretudo, com as mediocridades que animam certas convenções sociais. Pertences a essa alta estirpe. Por isso que, inesperadamente, pássaro solitário, constantemente bates asas com destino ao platô sagrado do eu mais profundo.

E lá retomas a bússola que orienta teus passos essenciais, reafirmas o credo no primado da inteligência, entoas o hino à sabedoria, celebras o culto à leveza, conectas com o teu divino, escutas a sinfonia da alma, acendes a pira olímpica da liberdade e recuperas as partituras da amizade. E nesta recuperação sabes que podes contar comigo. Não te tenho em outra circunscrição senão na de um amigo.

Conte invariavelmente comigo e pode agendar um momento fraterno, um átimo eterno, um instante de alegria, uma pausa tipo melodia, para partilharmos um dedo de prosa e outro de poesia!

Gracias, canoro mestre!

(Júnior Bonfim, na Revista Gente de Ação)

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