sexta-feira, 2 de setembro de 2011

OBSERVATÓRIO



Ouvi de um palestrante outro dia que, durante uma excursão da seleção brasileira pela Itália, Garrincha, na companhia dos demais jogadores, resolveu visitar o famoso Coliseu de Roma. Muito já tinha ouvido falar do monumento histórico, que ficou curioso. Ao chegar ao local, ficou estarrecido. Olhou bem, visitou, tirou fotos e, quando não se aguentava mais, exclamou para um colega mais "erudito": - Não entendo porque o povo daqui e os turistas falam tanto desse tal Coliseu. Está velho, caindo aos pedaços, precisando de uma bela reforma e, além do mais, é muito menor que o Maracanã!...

O PONTO DE VISTA

Virou consenso entre os que esgrimam na arena do debate de que “todo ponto de vista é a vista a partir de um ponto”. Cada um vê as coisas tendo como base o lugar em que se encontra ou o conjunto conceitual que construiu. Enquanto que, para muita gente, o Coliseu sempre foi o símbolo maior do Império Romano, para Garrincha não passou de um monte de ruínas, inferior ao Maracanã. É assim. Alguém pode considerar que as molduras analíticas que desenho nesta Coluna são impróprias, descabidas ou equivocadas. Entendo e respeito quem assim pense. Não erigi o portal da razão. Nunca exibi o amuleto da perfeição. Realizo um modesto esforço em prol da superação. Ressalto, por oportuno, que as críticas aqui pontuadas deitam raízes nos balseiros da intimidade. Não as faço por impulso de rancor ou sob a jactância do ressentimento. Faço-as por amor, nobre sentimento. Por isso, sigo tranquilamente este caminho.

PLANEJAR

Semana passada, em Brasília, tive o prazer de bater um papo com José Lins de Albuquerque (vide crônica). Nonagenário, José Lins ainda cumpre o ritual de um homem na flor da idade. Esbelto e sereno, diariamente se dirige de casa para o trabalho. Foi um destacado homem público em âmbito regional e nacional. O mais importante: pisou todos os degraus do progresso pessoal mercê do mérito, do preparo técnico, da fulgurante competência. Virgílio Távora identificou seu talento na Universidade. Aliás, Virgílio e Tasso – os dois maiores governantes cearenses do século passado – tinham muita coisa em comum. Ambos priorizaram o planejamento (Virgílio, o PLAMEG – Plano de Metas Governamentais, planejamento estratégico de vanguarda para a época; Tasso, o Plano das Mudanças - conjunto de medidas político-econômicas que trouxeram grandes transformações na economia e na sociedade cearenses). A essa altura, alguém pode indagar: e o que é que isso tem a ver com Crateús? Tudo.

PLANEJAR II

Uma das razões dos nossos problemas crônicos, que invariavelmente se repetem a cada gestão, é a ausência de planejamento. Em decorrência disso, amargamos alterações cíclicas conforme o humor do governante de plantão. Questões elementares, como o desequilíbrio entre receita e despesa, rebentam a cada novo governo. Nos últimos anos, registrou-se o maior aumento de arrecadação da história municipal. Mesmo assim, continuamos convivendo com reclamação de fornecedores e prestadores de serviço em função de atraso nos pagamentos. Noutro giro, e também em decorrência da ausência de um rumo planejado, a cidade tem ficado, via de regra, ao sabor daquilo que os estudiosos chamam de “intervenção de oportunidade”. Dado o volume de investimentos federais e estaduais, sempre surge uma oportunidade de conseguir verba aqui, outra ali, e corre-se atrás. (Registre-se: a cidade foi beneficiada com muitos investimentos). Nada, porém, é feito em sintonia com um plano diretor elaborado pela própria urbe.

RELAÇÃO EXECUTIVO X LEGISLATIVO

Outro desafio diz respeito às bases sobre as quais se assenta o relacionamento Prefeitura e Câmara. Aliás, essa questão hoje perpassa todos os níveis de governo: municipal, estadual e federal. Criou-se uma cultura no Brasil de que um governante não pode viver sem maioria no Legislativo. E, em nome de um instituto chamado ‘governabilidade’, criou-se um relacionamento pouco sadio - muitas vezes promíscuo e alimentado pela chantagem – entre Executivo e Legislativo. Para ter maioria no Legislativo, sacrifica-se o bom planejamento, a nomeação das pessoas mais qualificadas para os cargos de confiança e, até, o concurso público para o quadro permanente (supõe-se que rende mais votos indicar um temporário do que cumprir a regra constitucional do concurso).

O PATRIMONIALISMO

Conseqüência natural dessa postura é a de que a coisa pública passa a ser tratada como se fosse patrimônio de quem está à frente da gestão. É o chamado patrimonialismo, que gera o uso da máquina em favor de interesses pessoais ou grupais. Na eleição passada, a exemplo de outras antes ocorridas, o peso da Prefeitura foi usado em favor das candidaturas oficiais. Nada diferente do que sempre foi feito. Mas, também por isso, aumentou-se o déficit do tesouro municipal. Algumas Secretarias estão mais sacrificadas. A bola da vez é a Saúde. O Secretário não agüentou. Deixou a pasta. Nada dispomos para fazer um juízo mais abalizado sobre o caso. No entanto, há uma certeza: Diego é mais uma vítima de um sistema! Sistema baseado na inversão de valores, em que a ansiedade supera a serenidade, o temporário se sobrepõe ao permanente, a futrica pessoal reina sobre a justeza do ideal.

O FUTURO

Esse tempo, porém, é de purgação. Nada deve nos abater. Jamais devemos nos render ao desânimo. Aclarar esses problemas, responsáveis pelo desassossego atual, é necessário para que nos preparemos para um melhor futuro. Cada cidadão é co-responsável pela cidade que tem, a partir dos próprios representantes que elege. O exercício da cidadania consiste em oferecermos o nosso quinhão contributivo. Nenhum candidato, por melhor que seja, poderá ser visto como o Profeta Anunciado, o Messias Redentor, o Salvador da Pátria. Sem mistificações, devemos discutir que a aurora sonhada nascerá da intervenção de cada um de nós na definição de um planejamento comprometido, na construção de uma relação sadia e aberta entre os Poderes, no equilíbrio das contas públicas, na implementação de ferramentas efetivas de participação popular e na libertação do jugo da mentira.

PARA REFLETIR

“Não, não tenho um caminho novo, o que tenho de novo é o jeito de caminhar”. (Thiago de Mello)

(Por Júnior Bonfim, na edição de hoje do Jornal Gazeta do Centro Oeste, Crateús, Ceará)

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