sábado, 19 de novembro de 2011

JOSÉ MARIA BONFIM DE MORAIS


Esta edição coincide com o acendimento da tocha centenária de Crateús. É óbvio que a coincidência suscitou a inquietude da interrogação: que conterrâneo homenagear nesta pequena cercadura literária? Como divisar, nessa imensa legião de compatriotas, um filho de homem que guarde alguma relação com a efeméride?

Fui procurando referências... Lembrei-me que o fato mais emblemático do período em que Crateús foi legalmente guindada à categoria de cidade foi, sem embargo algum, o advento da ferrovia, a chegada do trem – símbolo excelso de progresso, de quebra de barreiras, de encurtamento de distâncias, de surto desenvolvimentista.

De repente, miro as paralelas e ouço um verso de trem carregado de partitura litúrgica: “A estação de Crateús é o meu sacrário. Minha Igreja. Minha inesquecível Catedral. Tabernáculo das lembranças mais ditosas e mais queridas da minha infância”.

É a voz tonitruante de um poeta silencioso, profundo e poderoso: José Maria Bonfim de Morais. Seu pai, Felipe Ferreira de Morais, foi funcionário da antiga Rede de Viação Cearense (RVC) e um dos poucos crateuenses a passar na estação da vida terrena exatamente CEM ANOS. Viveu em estado permanente de serenidade interior, lastreado no cumprimento da legislação cósmica e sem nunca pronunciar qualquer lamúria. Ensinou aos sete filhos as lições do equilíbrio nos trilhos do bem, auscultando o apito da decência, sob a manivela de uma conduta modelar e brindando-os com os tesouros imateriais que a traça não destrói. Se vivo, Felipe Ferreira de Morais seria indubitavelmente a legenda humana pulsante do centenário. Porém, José Maria é sua extensão transfigurada em linguagem poética entre nós. Ouçamos a rememoração paterna e o convite que ele nos faz para um passeio nas tardes da nostalgia: “Nos refolhos da minha infância ainda ouço esta canção miúda de um trem dentro de mim. Como uma cantiga de ninar”. (...) “Sinto que eu menino por ali até hoje trafego. Vou correndo aos braços do meu saudoso pai. Ah como dói! Dói fundo deixar o meu abraço ao vento. Meu pai se foi. E os trens partiram como partem as saudades. Não ouvirei o sino mavioso a tanger as composições. Não verei jamais dando partida para me lançar adeus para eu partir para o mundo a procura de sonhos, ilusões e mesmo quimeras. Como os templos vazios e silenciosos, assim é a minha estação onde mora somente saudade. Nem o sino, o carrilhão imponente ali está para de novo ouvir seu canto de despedida. Tudo se foi. Lembranças somente de um passado que é vivo, e de um amanhã aninhado em minha alma”.

O marido da doutora Eliane Bonfim se especializou nas matérias que versam sobre o lado esquerdo do peito e fez fama em Fortaleza. Como médico cardiologista, granjeou também conceito internacional. Além da intensa atividade profissional, é militante filantrópico e integrante, dentre outras, da Associação Cearense de Escritores (ACE) e da Sociedade Brasileira de Médicos Escritores (SOBRAMES). É articulista festejado do Diário do Nordeste.

Pela coroa de louros e pela taça de virtudes que carrega, oriundo de uma estirpe centenária e produtor de uma fruta literária que germina do solo da alma, imaginei que poderia ser mais um varão a fortalecer as colunas da ALC – Academia de Letras de Crateús. Conhecedor da habilidade de José Maria na edificação das palavras e das suas incursões pelas mágicas grutas da poesia, lancei-lhe convite para tomar assento na nossa Arcádia. Imaginei que, mercê do destaque que conquistou e das inúmeras atribuições, declinaria habilidosamente da incitação. Sua resposta me surpreendeu: - Sentir-me-ia muito mais honrado em participar da Academia de Letras da minha terra do que da Academia Brasileira de Letras.

Não por acaso, na memorável noite da sua posse na ALC consignei: “A honra é recíproca, mestre José Maria. Sei que, no palco maior da vossa terra, tomas assento na Academia de Letras da tua tribo com um orgulho especial. Por isso assuma a regência da orquestra dos nossos corações”.


(Júnior Bonfim, na Revista Gente de Ação)

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