quinta-feira, 17 de novembro de 2011

MARIA DELITE MENEZES TEIXEIRA MORREU

Com o coração dolorido recebi a notícia do falecimento da Dona Delite, representante de uma corrente excelsa da educação em Crateús.

Eis uma crônica que a ela dediquei no meu livro Amores e Clamores da Cidade:

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Roberto Campos foi um dos maiores intelectuais que o Brasil conheceu. Originário de barrancos humildes, com registro de nascimento numa pequena cidade dos cafundós do Mato Grosso, foi guindado aos mais destacados e cobiçados cargos na diplomacia e na vida pública brasileira. Com a fulgurância de sua inteligência, extraordinário senso de humor e abundância criativa, tornou-se figura de destaque em todas as rodas de grandes debates nacionais da segunda metade do século passado. Liberal apaixonado, conservador convicto, era vituperado pela esquerda radical. Ideólogos de diferentes matizes, no entanto, admiravam o seu brilhantismo.

O mesmo ocorreu com Gerardo Melo Mourão, o Poeta do Século XX, um deus grego da literatura nascido no pé da serra das Ipueiras. No jardim da infância, deixou a terra natal e foi conquistar o globo. Após uma temporada de estudos nas montanhas mineiras, sob a reverência aos Profetas do Aleijadinho, Melo Mourão partiu para a Cidade Maravilhosa e, dali, com ferro, madeira e ternura, entalhou uma das mais auspiciosas esculturas biográficas contemporâneas. Polemista incorrigível, foi perseguido durante a Ditadura do Estado Novo como “integralista”. Na Ditadura Militar, sofreu igual persecutório por ser considerado “comunista”. Em verdade, era um caboclo nordestino profundamente livre.

Ambos, Roberto e Gerardo, foram seres dotados daquele magnetismo de sedução que nos arrasta para o auditório do aplauso, para a arquibancada da admiração. Independente de concordância ou discordância, habitam um lugar especial no coração de sangue e de luz das idéias flamejantes, que jamais se deixam acorrentar pela algemas ideológicas.

Este é o caso da Dona Delite. A Dona da Elite. Ou Dona D’Elite. Nascida na fazenda Gameleira, no Piauí, desde os primeiros dias de vida Maria Delite Menezes Teixeira se fixou nas margens do Rio Poty, na terra do Senhor do Bonfim. Se Crateús foi dado ao Ceará em troca do acesso piauiense ao mar, Delite foi um presente especial para que os crateuenses conhecessem o oceânico horizonte de possibilidades que o ensino nos proporciona.

Primogênita do casal Júlio Facundo de Menezes e Maria de Matos Melo Menezes, Delite nasceu com a aura paradoxal de Rui Barbosa: por trás da aparentemente frágil compleição física esconde uma estatura espiritual extraordinariamente colossal. Aos 15 anos, com incrível pioneirismo, deixa Crateús e vai estudar em Fortaleza. Depois de colar grau como professora normalista, retorna ao torrão que adotou por registro e coração a fim de iniciar o empreendimento de sua vida, o Externato Nossa Senhora de Fátima, ribalta de sua existência.

Mãe, no seu maiúsculo juízo, além dos onze filhos que gerou (Júlio de Maria, Luzineide, Antonieta, José, Vera Lúcia, Haydée, Edmilson, Gláucia, João Clayton, Raimundinho e Mirian), frutos do enlace com Raimundo Cândido Teixeira, Dona Delite foi a primeira e segunda mãe de várias gerações de crateuenses.

Tive o gáudio de conhecer sua singular concepção pedagógica. Em 1970, quando pisei pela vez primeira no Externato – ou Escola da Dona Delite – presenciei a alameda de severidade que cultivava na condução daquele educandário, a construção sintética de amor e rigor que impingia sobre aquele espaço e que resplandecia por toda a comuna. Sob o pesadelo de uma palmatória que sempre causava estupor, inúmeras eram as vezes em que nós, meninos amantes do bom sono, abríamos os olhos no início da madrugada para decorar os textos das argüições (“pontos”) orais. Nunca esqueci a alegria que me consumiu por ter decorado, em tempo recorde, os nomes de todos os que ocuparam a Presidência da República na História Brasileira.

É óbvio que estamos falando de um outro tempo. Tempo em que só freqüentava a escola quem queria e/ou podia. Mas, quem ia, realmente se dedicava. Estudava. Apreendia e aprendia.

Maria Delite Menezes Teixeira, tua vida é um candeeiro que ilumina toda uma urbe. Tua luz atravessa todas as sombras. Sobre todos os preconceitos pedagógicos, brilhas!

(Júnior Bonfim)

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