terça-feira, 10 de julho de 2012

MAGDA E O MAR

Há expressão mais conspícua da imensidão feita realidade misteriosa e atração sedutora do que o mar? Opino que, possivelmente, não. Talvez só o sertão! Como bem lembrou Rui Barbosa, "O sertão não conhece o mar. O mar não conhece o sertão. Não se tocam. Não se veem. Não se buscam. Mas há em ambos a mesma grandeza, a mesma imponência, a mesma inescrutabilidade. Sobre um e outro se estende esse mesmo enigma das majestades indecifráveis. De um e outro ressalta a mesma expressão de energia, força e poder a que se não resiste”.

O certo é que, assim como o sertão, o mar sempre ganhou minha afeição. Como descrever aquela assombrosa arquitetura, aquele fervoroso planejamento, aquele brilhante espírito, aquela tempestuosa oração, aquele murmúrio melodioso, aquele inesgotável orgasmo, aquele transbordante êxtase?

Andando pela praia, mirando esse incansável viajante que nunca sai do lugar, lembrei-me de um poema que escrevi faz algum tempo onde busco revelar o meu encanto pelo mar. Revelo a certa altura:

Te tenho amizade, não
Por aquilo que é ou que outros
Queriam que não fosses,
Mas simplesmente por aquilo
Que não sendo, serás sempre:

Grandeza bonachã,
Borbulhância prateada,
Efervescência mística,
Arrogância líquida,
Potencial impetuoso,
Coração infinito!


Foi do mar que recordei, foi ao mar que recorri quando o César me ligou para comunicar a morte da nossa conterrânea Magda Machado Portela.

Mahatma Gandhi dizia que “a força não provém da capacidade física e sim de uma vontade indomável”. Magda era a personificação dessa assertiva. Poucas pessoas pisaram esse mundo com tanta capacidade para extrair ternura da tragédia, com a sensibilidade para revelar flores entre espinhos, com o talento para compor músicas de alegria em meio aos muxoxos de dor. Em uma viagem de trem de Fortaleza para Crateús viu a genitora querida enfartar em seus braços. Aquela aflição sublimou duplicando a dedicação ao genitor, pois aprendeu tudo superar com o amor.

Como o mar, que recebe todas as águas dos rios do mundo, Magda era a expressão maior do acolhimento generoso. Nunca casou. Matrimoniou-se, de coração, com quem precisava de afeto e atenção. Sua casa, defronte ao corredor cultural da cidade, na Praça da Estação, em Crateús, sempre foi um ponto de encontro fraterno, de bate papo informal à sombra da generosidade. Ali, ela envolvia grandes e pequenos, oferecendo café, bolo e amizade.

Foi assim durante todo o seu percurso existencial: uma varanda de responsabilidade, uma alameda de integração, uma coluna de fé.

Esse senso inato do cumprimento do dever ela carregou por todos os espaços, principalmente como estudante e profissional. No vestibular para a FAEC sua redação obteve a melhor pontuação. (Redigia bem: ia por longe e não se perdia). Seus colegas de equipe na Faculdade – Socorrinha Sales, Livramento, Vera Granjeiro e Gilmar – eram pontual e invariavelmente instados a realizar os trabalhos nos finais de semana. Por conta disso, a Socorrinha Sales, espirituosa e brincalhona, apelidou-a de “cachaça”. Como funcionária pública já era famosa pelo seu lado “Caxias”.

Durante vários anos Magda promoveu memoráveis folguedos juninos na rua onde morava, ocasião em que integrava os amigos e dilatava a benquerença. Acima de tudo, era uma mulher de fé. Era assídua na Igreja e na prática da caridade. Amava as crianças: foi entusiasta da criação da Sociedade Pestalozzi em Crateús. Gostava de visitar os enfermos e os anciãos. Lembrava-se do natalício das pessoas e as surpreendia com a presença e presentes.

A penúltima vez que a avistei foi aqui em Fortaleza, na Igreja da Paz, no casamento de Yara, filha da sua amiga Vera Granjeiro. A última, na outorga do Título de Cidadão Cearense para o bispo Dom Jacinto, na Assembleia Legislativa. Em ambas as oportunidades cumprimentou-me sorridente. Quando ela estava saindo, notei que sua inseparável amiga Maria Zita - a quem chamava de “minha pupila” e que durante 35 anos a acompanhou - segurava nas mãos um tubo de oxigênio... Dali retirava forças para enfrentar um problema respiratório antigo. Nunca, porém, demonstrou abatimento. Era exemplo de obstinação. Quanta gente, sem maiores dissabores na vida, às vezes respira amargura e se deixa levar pela depressão.

Magda só viveu para ajudar. Aprendeu e nos ensinou a lição do mar: nascemos para celebrar a doação e propagar a música do verbo amar!

(Júnior Bonfim, na edição de hoje do Jornal Gazeta do Centro Oeste, Crateús, Ceará)

Um comentário:

Sergio Moraes disse...

Caro Junior,
nas suas belas palavras associo-me ao sentimento de perda da querida amiga Magda, sempre tão gentil, simpática e educadíssima. Que Deus a receba com o mesmo acolhimento que ela nos recebia a todos.