terça-feira, 31 de março de 2009

31 DE MARÇO DE 1964 - NA VISÃO DE UM DOS SEUS ATORES



Roberto Campos, repetindo Barbara Tuchman, citou do poeta Coleridge: 'A paixão cega nossos olhos, e a luz que a experiência nos dá é a de uma lanterna na popa, que ilumina, apenas, as ondas que deixamos para trás.' Auto-indulgente (e inconvincente), lastimou 'não ter inteligência e profundidade para erguer um farol que lançasse um facho de luz para as futuras gerações'. Para os marinheiros, todavia, 'a lanterna na popa não ilumina só as águas à popa; orienta os barcos que a seguem'. Assim, considero março de 1964 um facho de luz que ilumina o passado para evitar repetir os erros cometidos. Integristas, numa visão facciosa, uns nele tudo só vêem de mau; os outros, tudo só de bom. Não terá sido revolução, para os leninistas, que apenas a admitem para 'a gloriosa Revolução de Outubro de 1917'. Também não terá sido a 'Revolução redentora' denominada por não poucos que a ela aderiram depois de 1º de abril. Foi - questões de lana-caprina à parte - um golpe de Estado que preveniu um autogolpe em marcha acelerada.

Simone de Beauvoir escreveu que a ideologia da direita é o medo - 31 de Março de 1964 também foi produto do medo. O comunismo, que expandira seus domínios da Europa Oriental à Ásia e à África e patrocinava guerrilhas na América do Sul, no auge da Guerra Fria, receou-o a Igreja. Quase, aliás, unânime, à exceção de poucos padres e raros bispos ainda não cooptados pela Teologia da Libertação. Diferentes não foram os jornais da grande imprensa nacional, exigindo a deposição de João Goulart. Decisivas foram as Forças Armadas, a hierarquia e a disciplina rompidas nos motins dos sargentos em Brasília, em setembro de 1963, e marinheiros, no Rio, em março de 1964. Ainda que um divisor da sociedade, o contragolpe é um fato histórico a ser examinado à luz do facho da história, sem o fel da paixão, meditando erros e acertos, à busca da reconciliação da sociedade, ainda em ser, passados 40 anos.

O saldo me parece indesmentivelmente favorável no que tange ao desempenho da economia no período autoritário e irrecusavelmente deficiente no alto preço das mutilações das liberdades fundamentais, um imperativo no início e, posteriormente, um estimulador da insensatez, pelo excesso do poder e pelo longo tempo consumido até a anistia. Lição da maior significação está em outra insensatez: a da luta armada da esquerda, numa correlação de forças enormemente desfavorável, da qual Prestes disse acertadamente só ter tido um efeito: o de prolongar no tempo o regime autoritário. E embora não se possa dizer que hoje temos um governo socialista, foi possível desmentir um tabu dos revolucionários leninistas: a esquerda chegou ao poder por via pacífica, com farta presença, no governo, de guerrilheiros do passado, que se espera definitivamente convertidos ao equilíbrio dos contrários, o fascinante ofício das democracias, agora que a Guerra Fria é uma triste lembrança do passado.


* Jarbas Passarinho, 83 anos, é coronel reformado do Exército e foi governador do Pará, senador por três mandatos, ministro dos governos dos presidentes Arthur da Costa e Silva (Trabalho), Emílio Médici (Educação), João Figueiredo (Previdência) e Fernando Collor de Mello (Justiça)


** Texto originalmente publicado no Jornal do Brasil em 15 de fevereiro de 2004

Um comentário:

Paulo Nazareno disse...

Simples,claro,objetivo:cirúrgico.
Em tempo: a data bem que poderia ficar em branco,é atemporal.