quinta-feira, 19 de março de 2009

CÚMPLICES COMPULSÓRIOS?



Prezado Dr. Júnior Bonfim,

Agora, transformei-me em leitora do seu blog! E hoje, verifiquei que o senhor publicou uma visão crítica sobre a construção do aquário proposto pelo Governo do Estado. O fato me leva a colocar-lhe em consideração a divulgação da situação que relato abaixo, associada ao movimento ecológico e à preservação ambiental em Fortaleza. Estamos procurando dar publicidade à questão de forma ampla, enviando a mensagem para diversos blogs e listas específicas, bem como para a imprensa. Gostaria de colocar que entenderei perfeitamente a eventualidade de o senhor avaliar que o assunto tratado foge ao temário do seu blog. Se o contrário ocorrer, desde já agradeceria a sua atenção e apoio, em nome do movimento ecológico!

A situação é a seguinte:

A legislação ambiental brasileira, através da Portaria 303/2002 do CONAMA, protege dunas fixas, que as define como áreas de preservação permanente, nas quais são proibidas atividades que comprometam a integridade do meio natural. Em Fortaleza, como o prezado colega bem o sabe, existem ainda alguns vestígios de dunas fixas, como no entorno do Rio Cocó.

Em 20 de dezembro passado, uma construtora (por indicação de advogados, omito no momento o nome da construtora; mas pode-se obter essa e outras informações sobre a situação em uma simples e rápida consulta google sob o tema "dunas do Cocó") iniciou aplainamento das dunas do Cocó, com uso de tratores e escavadeiras. Moradores do entorno acionaram a Polícia Ambiental, que atendeu ao chamado, ali constatando ausência de permissão legal para o loteamento que a construtora pretendia iniciar. Na sequência, moradores e entidades ambientalistas formalizaram a denúncia do crime
ambiental no Ministério Público Federal, do que resultou a suspensão dos trabalhos por parte do IBAMA e parecer contrário ao loteamento por parte da SEMAM. Vejam que dessa vez, e provavelmente em função da obviedade do crime, os órgãos ambientais foram céleres e corretos. A construtora, no entanto, não parece pretender desistir do
loteamento ilegal, pois posteriormente, solicitou à justiça o direito de continuar com o empreendimento. Desde então, diversas atividades (manifestações públicas, organização de abaixo-assinados, visitas às comissões de meio ambiente da Câmara dos Vereadores e dos Deputados) vêm sendo realizadas pelo movimento ecológico, em prol da preservação dessas dunas.

A busca de apoio judicial para desobeder a legislação ambiental reafirma a disposição da construtora, de continuar a atividade à revelia da legislação ambiental. Mas não pára aí: a empresa, em conjunto com outras construtoras, resolveu interpelar judicialmente os moradores, através da citação judicial dos condomínios residenciais que exibiram faixas de protesto contra a destruição, e também o movimento ecológico, através de seis entidades e uma citação pessoal. A citação nominal atinge a advogada e ambientalista Nayana Freitas. As entidades citadas são o "S.O.S. Cocó", a "Frente Popular Ecológica de Fortaleza", o 'Salvem as Dunas do Cocó", o "Movimento dos Conselhos Populares", o Instituto Brasil Verde e a Associação dos Geógrafos Brasileiros - AGB. Cabe aqui ressaltar que nem todas as entidades participaram da mobilização! É o caso do Instituto Brasil Verde e da AGB.

A ação judicial, de Interdito probitório, reclama indenização por supostos prejuízos materiais (mas quem paga pela destruição da natureza, sobretudo quando legalmente protegida??). Em adição, há demanda de ação preventiva, no sentido de a justiça proibir o movimento ecológico de doravante expressar quaisquer opiniões públicas
acerca do empreendimento.

Trata-se de uma completa inversão de valores! A Constituição Federal preceitua: é dever da sociedade defender e preservar o meio ambiente. As grandes construtoras pretendem fazer crer - e fazer temer - que o exercício dessa obrigação e desse direito, ao qual se associa outro, fundamental, de liberdade de expressão, é prática ilícita ou criminosa!

Crime é, na verdade, desobedecer a lei e destruir a natureza, e não a ambas zelar e defender! Não parece admissível que aqueles que destróem a cidade e seu patrimônio possam pretender liberdades e direitos, enquanto quem legitimamente a defende, de forma pacífica, de forma civilizada e nos limites da lei, possa ser criminalizado e perseguido! Pois há perseguição inclusive corporal: colegas ambientalistas estão sendo ascultados em suas comunicações e cerceados em seus passos.

No Brasil, é comum que os que denunciam violência e tráfico de drogas tornem-se vítimas dos denunciados. Ficamos na expectativa de que a justiça aja no sentido de impedir que os ambientalistas sejam novos sujeitos dessa lógica de barbárie. A ação judicial, pelo absurdo e fragilidade, avaliam nossos advogados, não deve proposperar. No entanto, a história denuncia, os caminhos que a justiça brasileira percorre são com frequência inesperados!

Finalizando, há que se considerar que no Brasil, via de regra, é considerado cúmplice aquele que não denuncia crimes, tornando-se assim, por não fazê-lo, igualmente criminoso. A presente situação demonstra que, se não houver reação por parte da sociedade, a tendência é que parcelas cada vez maiores dessa sociedade, diante das ameaças, simplesmente silenciem. Estamos pois sob o risco de nos tornarmos cúmplices compulsórios e, a partir de então, realmente criminosos...

Obrigada pela atenção e um abraço cordial,

Vanda Claudino Sales
Ambientalista

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