terça-feira, 24 de abril de 2012

SOBRE POESIA E POLÍTICA



Hoje pela manhã fui despertado por um telefonema do César me lembrando de que era dia de fechar mais uma edição do Jornal. Portanto, aguardava minha crônica. Na sequencia me narrou seu encantamento com a fala do recém-empossado Presidente do nosso Tribunal Constitucional, Carlos Ayres Britto. Colhi daí o mote para estas linhas: a intercessão entre as linhas da poesia e da política.

Aproveitei para, primeiro, revisitar um verso de Ayres Britto: “Namore bem com a vida./ Deixe que ela seduza você./ Permita-se ter um caso de amor/ Com ela,/ Mas não pare por aí:/ (…) Faça tudo isso e prove da vida/ Como do néctar das flores/ Prova o colibri,/ Sem se perguntar se existe outro céu/ Fora daqui”.

Pois é... O verso acima é produto da tecelagem poética de Carlos Augusto Ayres de Freitas Britto (eis o seu nome completo). Um sergipano de Propriá que assumiu na última quinta-feira, 19 de abril de 2012, a Presidência da mais alta Corte de Justiça Brasileira, o Supremo Tribunal Federal. Ayres Brito ganhou relevo pelo fato de povoar suas intervenções no STF com frases que destoam do trivial, forjadas na máquina de tear de sua genial renda literária. Teima em provar que continua inalterado: “Hoje me chamam de ministro/ E eu decido sob respeitável toga./ Meu coração, porém, não mudou nada./ Continuo um romântico indiozinho/ a remar sua piroga/ E a cismar por entre as árvores, à noitinha,/ Vendo em cada pirilampo e em cada estrela/ Os faiscantes olhos da namoradinha.”

Seu discurso de posse se constituiu em uma tela de delicada tessitura criativa. Exala o orvalho de sensibilidade que brota do autor. Urge registrarmos quão raro é a nação assistir um poeta tomar as rédeas de um dos três poderes da República. Oh! Quanta falta faz, no áspero e belicoso bioma da política, a presença de seres banhados pelo sereno do bom senso!

Alguém pode imaginar que considero os poetas como homens acima da média, bafejados por alguma aura extraordinária. De jeito nenhum. Concordo com Neruda: “o poeta não é um «pequeno deus». Não, não é um «pequeno deus». Não está marcado por um destino cabalístico superior ao de quem exerce outros misteres e ofícios. Exprimi amiúde que o melhor poeta é o homem que nos entrega o pão de cada dia: o padeiro mais próximo, que não se julga deus. Cumpre a sua majestosa e humilde tarefa de amassar, levar ao forno, dourar e entregar o pão de cada dia, como uma obrigação comunitária. E se o poeta chega a atingir essa simples consciência, a simples consciência também pode se converter em parte de uma artesania colossal, de uma construção simples ou complicada, que é a construção da sociedade, a transformação das condições que rodeiam o homem, a entrega da mercadoria: pão, verdade, vinho, sonhos”.

Pois bem. É isto que quero dizer: a política - o serviço à polis, à cidade, à comunidade - é essa atividade magnífica de tornar acessível a todos os bons frutos da árvore da vida.

Um pulsante exemplo da poesia materializada na política é a capital da França. Paris, a bela, a exuberante, a formosa Paris, com suas marmóreas construções, com suas pontes esmeradamente decoradas, seus prédios amarelos e suas catedrais cinzentas é um belo modelo da transfusão lírica nas veias de uma metrópole. Paris realizou o onírico rito de passagem, a incorporação da sensibilidade artística na reunião das pedras para as edificações arquitetônicas. É sintomático que um dos seus programas mais festejados seja o passeio pelo rio Sena. O rio, artéria vital, é como que reverenciado pela cidade. As principais e as mais tradicionais construções estão à margem do leito fluvial que banha a urbe.

Mirando Crateús, surgem as indagações. Por que desprezamos nosso rio? Por que as nossas construções estão de costas para o Poty?
Imaginemos, por mera divagação ou louvor ao diletantismo, um rio despoluído e perenizado, as margens recuperadas, a mata ciliar preservada!... Imaginemos as pontes iluminadas, exibindo esculturas de arte dos artistas locais!... Imaginemos uma orla prazerosa, com espaços de lazer, pistas de Cooper, jardins de meditação!... Imaginemos pequenos barcos disponibilizando passeios românticos e culturais ao longo do percurso urbano!...

Saber que nada disso é devaneio gratuito, mas possibilidade desperdiçada. Saber que temos muito mais potencialidades inexploradas... Saber que outras regiões do planeta, sob condições bem mais adversas, executaram ideias incrivelmente mais arrojadas que esses simples e modestos desejos... Confesso que me dói...

Confesso que me dói ver nossas lideranças políticas reféns de uma agenda mesquinha, entrecortada pela futrica menor, pelo alarido da maledicência.

Meu pequeno coração de poeta me diz que falta algo ao estrume da nossa política, que o torne gerador de vida, germinador de alegria: sementes de poesia!

(Júnior Bonfim, na edição de hoje do Jornal Gazeta do Centro Oeste, Crateús, Ceará)

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Paulo Nazareno disse...

Divagação primorosa e diagnóstico mais preciso ainda.

Falta-nos um operador que faça uma campanha acima de tudo pedagógica, não tendo como meta única, somente a mera captação do voto, mas sim, o despertar de uma nova postura, forjada no amálgama da sinceridade.

Buscar no fundo do coração das pessoas e na sua alma, o espaço adormecido e desesperançado pelos falso Messias, pelo engodo da conversa fácil e do imediatismo.

Assim como sobrevivemos na aridez e rigor da nossa natureza, e nem por isso deixamos de semear, sempre é hora e vez de apostarmos na nossa gente.

Preciso urgentemente antever esse Poty a receber novas águas, não de lágrimas nem de suor, mas brotadas da fonte inesgotável da esperança e da paixão.

3 comentários:

Paulo Nazareno disse...

Divagação primorosa e diagnóstico mais preciso ainda.Falta-nos um operador que faça uma campanha acima de tudo pedagógica,não tendo como meta única, somente a mera captação do voto, mas sim, o despertar de uma nova postura,forjada no amálgama da sinceridade.Buscar no fundo do coração das pessoas e na sua alma,o espaço adormeçido e desesperançado pelos falso Messias,pelo engodo da conversa fácil e do imediatismo. Assim como sobrevivemos na aridez e rigor da nossa natureza, e nem por isso deixamos de semear,sempre é hora e vez de apostarmos na nossa gente. Preciso urgentemente antever esse Poty a receber novas águas,não de lágrimas nem de suor,mas brotadas da fonte inesgotável da esperança e da paixão.

Anônimo disse...

Infelizmente não foi assim que Dr Paulo Nazareno pensou quando tinha a impressão que a prefeitura era sua propriedade e de seus aliados.Uma pena Dr como os dias passam e a nossa cerebro alimenta o nosso coração, e ver quantas besteiras fazemos na vida. Crateús esperou muito so Sr, mais a decepção falou mais alto devido o seu comportamento autoritario e prepotente.

Paulo Nazareno disse...

Em parte concordo com o anônimo.
Duas ressalvas:
1a.Nunca a imaginei propriedade, visto ter a permanente noção da temporariedade da vida (tanto filosoficamente, como no dia a dia da minha profissão), e muito mais ainda, do material.
2a. A aparente arrogância e autoritarismo atribuo hoje,ao excessivo controle que deveria ter sido muito maior, mais rigoroso;talvez assim, tivesse evitado consequencias que hoje tanto me atormentam.
Por fim,cometí sim erros,involuntários,óbvio;no entanto,como poucos,dediquei uma parte dos meus mais produtivos anos,na tentativa de retribuir a confiança de parte dos Crateuenses.
Fiz o comentário no único sentido de contribuir,neste momento e na atual conjuntura, e reafirmo:a hora é de um choque de sinceridade e se eleito,de gestão.