sábado, 8 de abril de 2017

A GRATIDÃO!


Outro dia fui mimoseado pelo amigo César com um vídeo de uma fala do Professor António Nóvoa, o renomado ex-reitor da Universidade de Lisboa, Portugal.

O conteúdo da prédica, visto em meio à turbulência cotidiana, me devolveu à enseada da paz mansa, abriu em minha alma o remanso de uma invisível e sossegada alegria.

A gravação nos convidava, a partir de São Tomás de Aquino, a revisitar o espaço sagrado, o habitat essencial, o apartamento único em que repousa o mais belo dos sentimentos humanos: a gratidão!

São Tomás de Aquino foi um das mais esplendorosas mentes que o ventre de uma mulher pôs no mundo: o santo mais sábio e o mais sábio dos santos. Sua vastíssima contribuição ao alargamento da inteligência humana é consenso entre os amigos do saber. Aliás, é dele a afirmação de que o estudo da sabedoria é o mais perfeito, sublime, proveitoso e alegre de todos os estudos humanos. “Feliz o homem que medita na sabedoria”. Vinculado à linguagem do povo, ensinava que saber vem de sabor e sábio é aquele que saboreia.

Apelidado de “boi mudo”, por conta de seu olhar vago, submerso em reflexões profundas e totalmente entregue ao silêncio, protagonizou algumas anedotas interessantes:

‘Consta que o tímido e bonachão Tomás debruçava-se, como sempre, em uma pilha de livros e escritos, sempre em produção frenética. Alguns monges se aproximam e decidem pregar uma peça no compenetrado monge:

– Tomás, Tomás! Veja! Um boi voando!

Tomás saltou da cadeira e, reclinado ao parapeito, vasculhou os céus em busca do boi, enquanto ao seu redor os outros monges explodiam numa gargalhada coletiva.
Surpreendido, o santo se explicou:

- “É que achei mais razoável um boi voar do que os monges mentirem.” E saiu rindo da situação, para vexame dos demais...

Mas, voltemos ao teor do vídeo com a fala do Professor Antonio Nóvoa, cuja reprodução compartilho abaixo e que, autoexplicativa, dispensa comentários:

“Se me derem mais dois minutos, explico-vos o que eu quero dizer com a palavra agradeço. Há uns meses atrás estava eu em Brasília a preparar a aula magna da Universidade de Brasília e vinha-me à cabeça que queria agradecer aos colegas brasileiros tudo o que me têm dado, e tem sido muito.

E vinha-me à cabeça o Tratado sobre Gratidão de São Tomás de Aquino. Todos aqui saberão que o Tratado da Gratidão de São Tomás de Aquino tem três níveis de gratidão: um nível superficial, um nível intermédio e um nível mais profundo.

(Na verdade, o usual é referir-se à questão sobre a gratidão da Suma Teológica; eu - como se vê ao lado, tomei a liberdade de chamá-la de Tratado).

O nível superficial é o nível do reconhecimento, do reconhecimento intelectual, do nível cerebral, do nível cognitivo do reconhecimento.

O segundo nível é o nível do agradecimento, do dar graças a alguém por aquilo que esse alguém fez por nós.

E o terceiro nível mais profundo do agradecimento é o nível do vínculo, é o nível do sentirmos vinculados e comprometidos com essas pessoas.

E de repente descobri uma coisa na qual eu nunca tinha pensado, que em inglês ou em alemão se agradece no nível mais superficial da gratidão. Quando se diz “thank you” ou quando se diz “zu danken” estamos a agradecer no plano intelectual.

Que na maior parte das outras línguas europeias, quando se agradece, agradece-se no nível intermediário da gratidão.

Quando se diz “merci” em francês, quer dizer dar uma mercê, dar uma graça. Eu dou-lhe uma mercê, estou-lhe grato, dou-lhe uma mercê por aquilo que me trouxe, por aquilo que me deu.

Ou “gracias” em espanhol, ou “grazie” em italiano. Dou-lhe uma graça por aquilo que me deu e é nesse sentido que eu lhe agradeço, é nesse sentido que eu lhe estou grato.

E que só em português, que eu conheço, que eu saiba, é que se agradece com o terceiro nível, o terceiro nível, o nível mais profundo do tratado da gratidão. Nós dizemos “obrigado”.

E obrigado quer dizer isso mesmo. Fico-vos obrigado. Fico obrigado perante vós.

Fico vinculado perante vós. Fico-vos comprometido a um diálogo, agradecendo-vos o vosso convite, agradecendo-vos a vossa atenção.

Fico obrigado, vinculado, a continuar este diálogo e a poder contribuir, na medida das minhas possibilidades, para os vossos projetos, para os vossos trabalhos, para as vossas reflexões, para o vosso diálogo. É esse diálogo que quero e é nesse preciso sentido que eu vos digo: MUITO OBRIGADO”
.

(Júnior Bonfim, outubro de 2016)

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